Tendências do Processo Civil

O que mudou no agravo interno e nos embargos de declaração considerando os recentes repetitivos 1.201 e 1.306?

Os repetitivos 1.201 e 1.306 do STJ redefinem o uso do agravo interno e embargos, alertando advogados sobre multa e recurso protelatório, com impacto direto na estratégia recursal.

9/9/2025

1) Introdução

Neste mês de agosto de 2025 o STJ concluiu o julgamento de dois repetitivos que impactam consideravelmente a atuação do advogado, especialmente na área recursal1.

Assim, o profissional deve estar ciente quanto aos riscos necessários para o uso dos recursos, em especial do agravo interno e dos embargos de declaração, em relação ao que foi decidido pelo STJ no julgamento dos dois temas.

Tais decisões impactam diretamente a estratégia recursal e a possibilidade de aplicação de multa no uso do recurso.

Desde logo é importante destacar que não se está a afirmar que houve uma vedação ou sensível restrição ao uso desses recursos. Mas, sem dúvidas, o profissional doravante deve levar em consideração o quanto foi decidido nesses repetitivos, no momento de, no âmbito dos tribunais (seja de 2º grau ou superior) opor declaratórios ou interpor agravo interno2.

Este o tema do presente breve artigo: analisar o que mudou, em especial o que não deve mais ser feito pelo advogado – inserindo-se, aqui, condutas que são muito usuais na advocacia contenciosa.

Vejamos, separadamente, os Temas.

2) Tema 1.201/STJ - multa no agravo interno

A Corte Especial do STJ firmou entendimento no sentido de que a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC é cabível quando o agravo interno é interposto contra decisão monocrática fundada em precedente qualificado (ou seja, tese firmada em repetitivo ou outro precedente vinculante, como IRDR). Além disso, cabe a multa mesmo que o intuito seja apenas esgotar as vias ordinárias para viabilizar recurso especial ou extraordinário.

Conforme delimitado nesse repetitivo, a exceção à aplicação da multa ocorre apenas quando:

Assim, a interposição de agravo interno apenas reproduzindo os argumentos do recurso anterior terá alta probabilidade de acarretar a incidência da multa. Trata-se, como apontando no tópico anterior, algo muito usual no cotidiano forente.

Portanto, a partir de agora, o advogado deve, ao atacar a decisão monocrática, atentar-se para os pontos acima expostos, inclusive se referindo ao repetitivo 1.201/STJ e destacar não ser a hipótese de aplicação da multa.

A tese foi assim fixada, no tema 1.201/STJ3:

"1) O agravo interposto contra decisão do Tribunal de origem, ainda que com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e/ou extraordinário, quando apresentado contra decisão baseada em precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF, autoriza a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC (revisão do TR 434/STJ);

2) A multa prevista no art. 1.021, § 4º, CPC, não é cabível quando (i) alegada fundamentadamente a distinção ou a superação do precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF ou (ii) a decisão agravada estiver amparada em julgado de tribunal de segundo grau;

3) Excetuadas as hipóteses supra, caberá ao órgão colegiado verificar a aplicação da multa, considerando-se as peculiaridades do caso concreto".

Como se vê, com essa tese fixada, a advocacia deve ficar atenta diante da monocrática e respectivo agravo. Mas, não é só.

3) Tema 1.306/STJ – fundamentação por referência (per relationem)

Também no mês de agosto, igualmente em julgado de REsp repetitivo pela Corte Especial, o STJ reconheceu a validade da técnica de fundamentação por referência (ou seja, não existir efetivo novo julgamento das teses recursais, mas apenas a fundamentação com base “no já constante dos autos, conforme fundamentação da decisão recorrida”).

Para o STJ, cabe a fundamentação per relationem desde que:

Portanto, apesar do que consta do art. 489, § 1º do CPC4, o STJ está afirmando que não há nulidade se a decisão do recurso apenas se referir ao que antes se decidiu. Apenas devem ser enfrentados os “novos e relevantes argumentos” (termos para os quais há elevada carga subjetiva, especialmente no caso de argumentos “relevantes”).

Assim, se a monocrática ou o acórdão simplesmente reproduzirem a decisão anterior, para o caso de recurso que apenas tenha reproduzido a peça anterior, não se deve utilizar embargos de declaração apontando omissão, sob pena de ser considerado recurso protelatório.

Logo, ao elaborar qualquer recurso, existindo argumento novo e/ou não enfrentado pela decisão recorrido, isso deve ser destacado de maneira clara e expressa.

A tese foi assim fixada, no tema 1.306/STJ:

"1) A técnica da fundamentação por referência (per relacionem) é permitida desde que o julgador, ao reproduzir trechos de decisão anterior (documentos e/ou pareceres) como razões de decidir, enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento do processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das alegações ou provas.

2. O § 3º. do art. 1.021, do CPC não impede a reprodução dos fundamentos da decisão agravada como razões de decidir pela negativa de provimento de agravo interno quando a parte deixa de apresentar argumento novo para ser apreciado pelo colegiado."

4) Conclusão

Diante dos Temas 1.201 e 1.306, recomenda-se:

a) Evitar a interposição de agravo interno simplesmente copiando o recurso anterior, especialmente contra decisões fundadas em precedentes qualificados, sem argumentação de distinção ou superação;

b) Mesmo no caso em que se esteja valendo do agravo interno para esgotar as vias ordinárias e permitir o uso de REsp e RE, deve-se destacar que essa é a finalidade e que a matéria ainda não está pacificada nos tribunais superiores;

c) Abster-se de opor embargos de declaração ou interpor agravo interno apontando omissão de fundamentação, contra decisões que estejam reproduzindo os argumentos do julgado anterior – salvo se houver argumento novo e relevante que justifique o enfrentamento - devendo a tese do “argumento relevante” ser muito bem explorada.

Em síntese, no âmbito dos tribunais, o uso do agravo interno e dos embargos de declaração passa por nova análise de suas possíveis consequências de uso, em virtude de multa/ alegação de ser recurso protelatório. Cabe, ainda, ao advogado alertar o cliente acerca desse novo cenário e do risco de eventual multa.

O fato é que, mais do que nunca, fundamental ao advogado militante sempre acompanhar a jurisprudência dos tribunais superiores. Infelizmente, o Direito Processual não é mais apenas o que consta das leis, mas sim o que é fruto da atuação dos tribunais, em especial o STJ.

__________

1 Dizemos especialmente porque, na verdade, quando o advogado elabora a petição, já deve ter em mente eventual futuro recurso especial. A estratégia processual deve ser pensada a longo prazo (a respeito do tema, conferir, de minha coautoria com a colega Fernanda Tartuce, a obra Manual de Prática Civil (20ª edição, 2025, especialmente os capítulos iniciais).

2 Para uma análise mais profunda do sistema recursal, sugere-se a consulta do Manual de Prática Civil (obra antes citada, capítulo 11, em uma perspectiva mais prática profissional) ou o Manual de Processo Civil (1ª edição, 2025, em coautoria com Andre Roque, Fernando Gajardoni e Zulmar Duarte).

3O Ceapro (Centro de Estudos Avançados de Processo) atuou nesse repetitivo como amicus curiae, tendo apresentado memoriais escritos e sustentação oral. Tive o privilégio de participar do grupo de trabalho que elaborou a manifestação dessa Associação, que foi apresentada perante o STJ.

4 Esse artigo foi amplamente analisado por Zulmar Duarte (Comentários ao CPC, Forense, 5ª edição, p. 1.034 e ss).

Veja a versão completa

Colunistas

Andre Vasconcelos Roque é doutor e mestre em Direito Processual pela UERJ. Professor de Direito Processual Civil da UFRJ. Sócio do escritório Gustavo Tepedino Advogados, com atuação na área de recuperação judicial e falência.

Fernando da Fonseca Gajardoni é doutor e mestre em Direito Processual pela USP (FD-USP). Professor doutor de Direito Processual Civil e Arbitragem da USP (FDRP-USP) e do G7 Jurídico. Juiz de Direito no Estado de São Paulo.

Luiz Dellore é doutor e mestre em Direito Processual pela USP. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Visiting Scholar na Syracuse University e Cornell University (EUA). Professor de Direito Processual do Mackenzie, IBMEC e Escola Paulista do Direito. Ex-assessor de ministro do STJ. Advogado da Caixa Econômica Federal. Consultor Jurídico. Membro do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo). Site: www.dellore.com

Marcelo Pacheco Machado é doutor e mestre em Direito Processual pela USP. Professor nos cursos de pós graduação da USP em Ribeirão Preto, da PUC/RS, da Escola Paulista de Direito, do Instituto de Direito Público em São Paulo e da Escola da Magistratura do Espírito Santo. Árbitro da CAMES - Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada. Autor de diversos livros e artigos em processo civil. Advogado em Vitória/ES.

Zulmar Duarte de Oliveira Jr. é advogado. Consultor Jurídico. Doutorando em Processo Civil pela PUC/RS. Mestre em Direitos Humanos pela UniRitter. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil. Professor da Unisul e de diversos Cursos de Pós-Graduação. Professor Convidado Permanente da Escola Superior da Advocacia - OAB/SC. Membro do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), da ABDPro (Associação Brasileira de Direito Processual), do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros) e do do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo). Autor de diversos livros, artigos e pareceres com ênfase em Direito Processo Civil.