Note bem! Não foi por erro de grafia que a palavra brasil foi escrita em minúsculo.
 Ainda nestes dias, os jornais noticiam que a fila de famílias à espera do benefício de que carecem desesperadamente atingiu a marca espantosa de 2,8 milhões. Isso mesmo!
 O benefício é criado, mas não processado.
 Lembra as longas filas formadas às portas da Previdência Social, nas quais se vendiam senhas para o segurado conseguir entrar na fila.
 Só um brasil minúsculo seria capaz de tratar desse modo os desamparados, a quem a Constituição Cidadã concedeu assistência social.
 Quando será o dia d e a hora h da concessão do benefício? Ou, mais propriamente, em que momento a família receberá a quantia que lhe foi destinada legalmente e que, portanto, não é um favor do Governo.
 Todos sabemos que o processamento dessas prestações seria extremamente simplificado se o cadastro oficial da comunidade protegida tivesse sido elaborado para valer. São bem conhecidos e identificados os pobres. Receberam – quase setenta milhões de pessoas – o auxílio emergencial.  Tudo devidamente cadastrado, sem nenhuma dúvida sobre tal fato. É claro, houve fraudes. E as fraudes foram detectadas com consequente saneamento do cadastro.
 Ocorre que o Cadastro Único não passa de ficção. Não é único, porque se multiplica como cogumelos. Antes, deve haver o CPF; quiçá o Título de Eleitor (que, agora, não pode ser emitido porque o período eleitoral se avizinha). E assim por diante.
 E, do impasse deliberado – e, ao parecer, propositado, do cadastro dos descadastrados – se chega a essa fila paralisada, na qual os que esperam, desesperam.
 Falta dinheiro? Não, conquanto o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza tenha sido brutalmente esvaziado.
 Falta estrutura? Não, pois os bancos oficiais e a própria Previdência estão acostumados a processar benefícios.
 A existência da fila retira a máscara de um estado que se quer moderno; que se pretende perfilado com as maiores economias do mundo (é a quinta, oitava, nona ou décima segunda?) que quer ingressar no clube dos grandes, sem fazer a lição de casa para com os pobres de marré, marré, marré.
 Veja-se, a só existência da fila retira a máscara da eficiência com que se querem classificar os programas sociais brasileiros.
 Não é irônico que quem cuida (ou, deveria cuidar disso) tenha o nome de Ministério da Cidadania? Que cidadania é essa?
 Um ser político que morreu há trinta anos fez para os outros e para si mesmo essa pergunta: que país é esse?
 Ah! Há coisas que funcionam. Ainda que de modo estranhável, assim que alguém é aposentado pelo INSS recebe uma oferta de empréstimo consignado. Mas, esta é só uma nota de rodapé.
 Como seria bom se esses pobres pudessem se unir numa fila física de muitos quilômetros – a teoria das filas visivelmente poderia explicar as diversas razões pelas quais essa chegou a tanto e, aqui, por brevidade, podemos identificar uma delas: incompetência –  e se colocassem em marcha rumo à Cidadania para, de mãos estendidas, reclamarem em alto e bom som os seus direitos constitucionais, além de trato conforme a dignidade inerente à toda a pessoa humana.
 A fila teria mais do que o dobro da extensão que liga o Oiapoque ao Chuí! Respeitada, é claro, a distância regulamentar exigida pelas regras sanitárias do atual estado de pandemia. Todos, devidamente munidos das essenciais máscaras protetoras.
 Nas vezes em que já se comentou a problemática das filas, algo frequente nos programas sociais, e, dentre eles aqueles que colocam em risco o bem maior – a vida – do cidadão, como são as filas de transplantes, constatava-se a perene permanência de um Estado cujas engrenagens apresentam-se com aquilo que as escrituras denominam “a lepra das estruturas” quase como um mecanismo defeituoso que sempre, e em todo o lugar, opera na sistemática exclusão dos mais pobres.
 E se os sistemas informáticos estivessem ligados e interligados de modo pleno? E se equipes especiais, formadas por snipers do bem que, com precisos movimentos, trabalhassem dia e noite para a imediata outorga dos benefícios em prol das milhões de famílias que clamam por auxílio?
 É evidente que falta articulação aos programas sociais, a começar pela já indicada e precária configuração dos bancos de dados.
 O verdadeiro cadastro único, quer seja o CPF com nome modificado para CPH, cadastro da pessoa humana; quer seja qualquer outro, como o social security card dos americanos; também pode surgir de um mutirão semelhante àqueles que a finada LBA realizada periodicamente para lançar no registro civil os milhares de nascidos não registrados.
 O antigo computador central da Dataprev tinha o apelido de “burrão”. Hoje, a memória do burrão não comportaria todos os dados dos pobres – mais de trinta milhões, segundo os recentes registros – mas os mesmos pressupostos de cadastramento, elementares, seguem servindo para essa utilidade essencial.
 Qualquer agência do Correio, qualquer casa lotérica, qualquer loja de departamentos, poderia ser chamada a alimentar o cadastro único, com os devidos cuidados de proteção de dados.
 Eis o que falta para o brasil ganhar a letra maiúscula: que se levante do eterno berço esplêndido e marche junto com os milhões de desamparados rumo a um futuro melhor.
As longas filas da pobreza e o auxílio brasil
Eis o que falta para o brasil ganhar a letra maiúscula: que se levante do eterno berço esplêndido e marche junto com os milhões de desamparados rumo a um futuro melhor.
4/7/2022