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TJ/MT reconhece limitação da impenhorabilidade da pequena propriedade rural

A impenhorabilidade da pequena propriedade rural aplica-se apenas quando a exploração é familiar e para subsistência, excluindo-se fins comerciais.

10/4/2025
Maridiane Fabris e Wimilly Giovanna Berlofa

Em recente decisão, a 1ª câmara de Direito Privado do TJ/MT reforçou um entendimento que vem sendo consolidado na jurisprudência ao decidir que a impenhorabilidade da pequena propriedade rural exige não apenas a característica rural do imóvel, mas também a sua exploração direta pela família para subsistência.

No caso concreto, a Corte manteve a penhora de um imóvel que, embora possuísse natureza rural, era utilizado para fins comerciais estruturados, que fogem da essência da norma que protege o pequeno produtor. O acórdão foi prolatado no agravo de instrumento 1000847-31.2025.8.11.0000, no qual o agravante buscava impedir a penhora de um de seus imóveis, sob o argumento de que se tratava de pequena propriedade rural protegida pelo art. 833, VIII, do CPC e pelo art. 5º, XXVI, da Constituição Federal.

No entanto, o TJ/MT entendeu que a proteção legal não se aplica quando a propriedade é destinada às atividades comerciais e quando o devedor possui outras fontes de renda e imóveis.

O objetivo da impenhorabilidade

Sabe-se que a proteção conferida pelo ordenamento jurídico à pequena propriedade rural possui uma função social, com o objetivo garantir que pequenos produtores e suas famílias sejam privados do meio essencial para sua subsistência. Contudo, o TJ/MT reconheceu que essa proteção não pode ser utilizada de maneira indiscriminada, sob pena de desvirtuar sua função. Explica-se.

O art. 5º, XXVI, da Constituição Federal e art. 833, VIII, do CPC dispõem que a pequena propriedade rural é impenhorável, desde que trabalhada pela família. Vejamos, respectivamente:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

Art. 833. São impenhoráveis:

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

Dessa forma, para que a impenhorabilidade seja reconhecida, é necessário que dois requisitos sejam preenchidos cumulativamente: (i) ser uma pequena propriedade rural, assim definida em lei; (ii) a propriedade deve ser explorada diretamente pela família para sua subsistência.

Sobre a definição de pequena propriedade, a legislação determina que o imóvel deve possuir dimensão inferior a quatro módulos fiscais, conforme estabelecido pelo art. 4º, inciso II, alínea “a” da lei 8.629/1993, in verbis:

Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:

I- Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;

a) de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento;

No caso em apreço, o TJ/MT verificou que o devedor possuía outras propriedades e fontes de renda, além de explorar a propriedade rural de forma empresarial, com contratação de funcionários e atuação estruturada no mercado. Inclusive, destaca-se ainda que o imóvel objeto da penhora está gravado com hipoteca em favor do credor exequente, o que reforça a legitimidade da constrição.

Diante desse cenário, afastou-se a aplicação da regra protetiva, sobretudo porque a penhora do imóvel não o deixaria em estado de insolvência.

Jurisprudência consolidada

Importante consignar que a decisão se alinha à jurisprudência que vem sendo pacificada sobre o tema. O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que a impenhorabilidade da pequena propriedade rural só se aplica quando há comprovação de exploração familiar para subsistência, afastando a proteção nos casos em que o imóvel é utilizado para fins comerciais. Nesse sentido:

Uma decisão alinhada ao princípio da boa-fé

A decisão do TJ/MT está alinhada ao princípio da boa-fé e ao entendimento jurisprudencial, garantindo que a impenhorabilidade seja aplicada apenas quando efetivamente necessária para a proteção do pequeno produtor. Essa posição evita que a norma seja utilizada de forma abusiva para frustrar execuções, assegurando a justa aplicação do direito.

Nosso escritório segue acompanhando e atuando nesse tema com responsabilidade e compromisso com a justiça, garantindo que o direito seja aplicado de forma equilibrada e justa para todas as partes envolvidas.

Maridiane Fabris

Advogada associada e coordenadora do setor imobiliário empresarial no escritório JVLN Advogados.

Wimilly Giovanna Berlofa

Advogada associada no escritório JVLN Advogados. Especialista em Direito Contratual (FGV) e pós-graduanda em Direito Aduaneiro (PUC Minas).

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