Migalhas de Peso

MP 1.292/25 e a ampliação do crédito consignado

Caminhos para o reaquecimento da economia nacional.

22/5/2025
Luiz Eduardo Costa e José Marcos da Silva Júnior

Introdução

Dentro do contexto da sociedade de massa, a figura do consumo é um dos elementos centrais que norteia as relações sociais. A busca pela aquisição de bens e serviços é um mecanismo fundamental para a manutenção de um ciclo econômico de um sistema de produção. 

Isto posto, uma das formas de acesso ao consumo se dá pelo estabelecimento do crédito, um instrumento potencializador para busca de acesso aos bens e serviços oferecidos na sociedade globalizada. Uma das formas de aquisição de crédito ocorre via empréstimo consignado.  

A lei 10.820/03 trata da figura do empréstimo consignado no ordenamento jurídico nacional. Todavia, a mesma delimita como possíveis legitimados para a obtenção do crédito grupos restritos da sociedade, como aposentados, pensionistas, servidores públicos e indivíduos amparados pelo benefício de prestação continuada. 

Diante disso, percebe-se que grande parcela da população nacional não se enquadra dentro da categoria anteriormente mencionada. Segundo dados do governo: 

“O emprego celetista no Brasil apresentou expansão em setembro, com geração positiva de 247.818 postos de trabalho. O resultado decorreu de 2.163.929 admissões e de 1.916.111 desligamentos no mês. Com isso, o total de celetistas ativos contabilizou 47.498.832 vínculos, variação de +0,52% em relação ao estoque do mês anterior. No acumulado do ano (jan/set), o saldo foi de 1.981.557 novos empregos formais e nos últimos 12 meses, esse saldo chegou a 1.839.418 novas vagas” (https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Outubro/pais-gerou-247-818-vagas-em-setembro-e-acumula-1-981-557-empregos-formais-no-ano)? 

Com isso, percebe-se uma margem de mais de 47 milhões de pessoas não abrangidas pelos critérios previstos na lei 10.820/03. Entrando em tona a importância da MP 1.292/25, que busca ser um instrumento de extensão do crédito consignado.?

1. A MP 1.292/25 e a nova estrutura legal do crédito consignado

A MP 1.292/25 promove mudanças substanciais na lei 10.820/03, consolidando um novo marco regulatório para o crédito consignado aplicado a trabalhadores regidos pela CLT, empregados domésticos, rurais e diretores com direito ao FGTS. A grande inovação reside na possibilidade de operacionalização das operações de crédito por meio de plataformas digitais, mantidas por agentes operadores públicos.

Com isso, o ordenamento jurídico passa a autorizar, inclusive, o redirecionamento das consignações para novos vínculos empregatícios que surjam após a contratação, conferindo maior flexibilidade e segurança jurídica à continuidade do adimplemento contratual. Outro avanço significativo é a normatização de uma plataforma nacional integrada, que uniformiza procedimentos de averbação e operacionalização do crédito, retirando a dependência de convênios bilaterais entre empresas e bancos.

A MP também cria o Comitê Gestor das Operações de Crédito Consignado, órgão técnico com atribuições normativas e de governança do novo sistema, estabelecendo diretrizes de contratação, parâmetros operacionais e condições contratuais padronizadas. Trata-se de uma tentativa de centralizar e garantir maior eficiência, lisura e transparência nas relações contratuais entre empregados, empregadores e instituições consignatárias.

Tais alterações, ao mesmo tempo em que ampliam o acesso ao crédito, demandam adaptação das instituições financeiras à nova sistemática digital e reforçam a obrigatoriedade de observância aos preceitos da LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados, uma vez que o compartilhamento de dados passa a ser uma etapa estruturante do novo processo.

2. A digitalização como vetor de eficiência e inclusão financeira

A adoção obrigatória de sistemas ou plataformas digitais públicas representa um divisor de águas na concessão do crédito consignado. Ao centralizar a averbação e os registros contratuais em ambiente digital unificado, o Poder Executivo visa combater fraudes, reduzir litigiosidade e aumentar o controle institucional sobre a regularidade das contratações.

Essa digitalização reduz a burocracia envolvida na contratação, permitindo que empregados autorizem os descontos em folha diretamente pelas plataformas, sem a necessidade de intermediários físicos ou convênios específicos entre empregador e banco. Trata-se de uma inovação compatível com as diretrizes de governo digital, transparência e eficiência administrativa.

A exigência de dados estruturados nas plataformas contribui para um ambiente mais equilibrado de competição entre diferentes instituições financeiras, promovendo maior concorrência e potencialmente reduzindo o custo do crédito para os consumidores finais.

A mudança representa um avanço importante na modernização do sistema financeiro, mas exige das instituições financeiras uma adaptação técnica célere e coordenada com os demais agentes do sistema, como empregadores e operadores públicos, para assegurar a fluidez e a integridade dos processos.

3. Impactos econômicos e estratégicos no consumo nacional

A ampliação do crédito consignado é claramente utilizada, com esta MP, como ferramenta de política econômica anticíclica. O aumento da liquidez na ponta do consumo, associado à segurança jurídica da operação (desconto em folha), contribui para o aquecimento de setores estratégicos da economia — especialmente comércio e serviços.

Os dispositivos que preveem portabilidade obrigatória entre instituições e a exigência de taxas de juros inferiores em operações de substituição criam um ambiente de concorrência saudável, forçando o setor bancário a praticar condições mais favoráveis. Isso, em última instância, resulta em benefício direto ao consumidor, que passa a ter mais controle sobre seu endividamento.

A medida também promove uma forma de saneamento financeiro indireto, pois por 120 dias os recursos contratados devem ser destinados à quitação de dívidas pré-existentes, com taxas menores. Essa engenharia financeira protege o mutuário do superendividamento e desonera parte do sistema de cobrança bancária e judicial.

Do ponto de vista macroeconômico, a medida estimula o consumo das famílias em curto prazo sem recorrer a subsídios diretos ou renúncias fiscais, mantendo equilíbrio fiscal e estimulando a atividade privada. Contudo, o êxito desse modelo depende da estabilidade no mercado de trabalho, já que o redirecionamento das dívidas depende da manutenção de vínculos empregatícios ativos.

4. O papel das instituições financeiras e o desafio da adequação

A MP 1.292/25 traz consigo um novo modelo de atuação conjunta entre os principais agentes envolvidos na operação do crédito consignado: empregadores, instituições financeiras, trabalhadores e agentes públicos. A cooperação entre esses entes é essencial para a adequada implementação da medida.

O novo cenário reforça a importância da clareza nas informações prestadas aos consumidores, especialmente quanto às condições contratuais, prazos, encargos e hipóteses de redirecionamento do crédito. Essa transparência contribui de maneira relevante para a educação financeira da população como um todo.

Adicionalmente, a norma prevê a possibilidade de responsabilização do empregador por descumprimentos no âmbito da operação consignada. Isso exige atenção redobrada e alinhamento entre as partes para evitar prejuízos e assegurar a eficácia dos contratos. Nesse sentido, o esforço coletivo passa a ser o pilar de sustentação do novo regime jurídico.

As instituições financeiras, dentro desse contexto colaborativo, terão papel importante na adequação de seus sistemas às exigências técnicas estabelecidas, sempre em articulação com os demais agentes envolvidos. Trata-se de um movimento sistêmico, com benefícios mútuos para o setor produtivo, os trabalhadores e o mercado financeiro.

Conclusão

A MP 1.292/25 representa um marco importante na reestruturação do crédito consignado no Brasil. Sua principal inovação — a centralização digital das operações — visa a padronização, a segurança jurídica e a redução da burocracia, elementos que se traduzem em ganhos de eficiência para todo o sistema.

A norma traz reflexos significativos na dinâmica de crédito, ao fomentar um ambiente regulatório mais moderno, acessível e equilibrado. Com isso, é possível criar condições mais vantajosas para o consumidor e estimular o reaquecimento da economia nacional de forma sustentável.

Para o pleno êxito da medida, é fundamental o comprometimento conjunto de empregadores, trabalhadores, instituições financeiras e agentes públicos. O alinhamento entre esses atores será determinante para que os avanços normativos se concretizem na prática e tragam benefícios efetivos à sociedade e ao mercado.

Luiz Eduardo Costa

Advogado Pós-Graduando em Prática em Advocacia Trabalhista e Previdenciária pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. Assistente de Coordenação do MBA em Criptoativos da Trevisan Escola de Negócios.

José Marcos da Silva Júnior

Advogado no escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.

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