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Direito Médico da UFG propõe acesso digital facilitado ao prontuário médico pelo Meu SUS Digital

A iniciativa liderada pelo professor Clodoaldo Moreira e seus discentes busca tornar o acesso ao prontuário médico mais ágil, democrático e seguro, fortalecendo os direitos dos pacientes no SUS.

25/6/2025

Apesar de ser um direito garantido, muitos pacientes ainda enfrentam barreiras para acessar seus próprios prontuários médicos. Pensando nisso, a pós-graduação em Direito Médico da Universidade Federal de Goiás apresentou à ANS e ao Senado proposta para simplificar o acesso por meio do aplicativo Meu SUS Digital. O projeto, desenvolvido sob a liderança do professor Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior, visa modernizar o sistema, ampliar a transparência e assegurar que todo cidadão possa consultar seus dados de saúde de forma prática, segura e digital.

Pós-graduação em Direito Médico da UFG apresentou proposta para simplificar acesso ao aplicativo Meu SUS Digital.(Imagem: Freepik)

Nota técnica: Aprimoramento do Acesso Digital ao Prontuário Médico pelo Paciente no Sistema Único de Saúde via Plataforma Meu SUS Digital

"Introdução

O acesso à informação em saúde constitui um direito fundamental do cidadão e um pilar essencial para a efetividade das políticas públicas no setor. No contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), a garantia de que o paciente possa acessar de forma clara, segura e tempestiva os dados contidos em seu prontuário médico não é apenas uma questão de cumprimento normativo, mas também um fator determinante para o empoderamento do indivíduo em relação ao seu próprio cuidado, para a continuidade da assistência e para a transparência dos serviços prestados. A Universidade Federal de Goiás (UFG), por meio de seus corpos docente e discente, notadamente da Pós- Graduação em Direito Médico, tem se dedicado à análise crítica e propositiva de temas relevantes para o aprimoramento do sistema de saúde brasileiro, inserindo-se ativamente nos debates sobre saúde digital e direitos do paciente.

Este documento, elaborado sob a forma de Nota Técnica, atende à sugestão de aprofundar a análise contida em requerimento administrativo previamente formulado [Ref.: Requerimento Administrativo ao Ministério da Saúde sobre Acesso Digital ao Prontuário Médico via Meu SUS Digital, originado na Pós-Graduação em Direito Médico da UFG, Maio de 2025], conferindo-lhe maior densidade teórica e analítica. O objetivo central é examinar, sob a ótica jurídica, técnica e de gestão em saúde, a questão do acesso digital ao prontuário médico pelo paciente no âmbito do SUS, com foco na plataforma Meu SUS Digital, identificando os avanços recentes, os desafios persistente s e propondo recomendações para o seu aprimoramento e universalização. A elaboração desta Nota Técnica visa não apenas subsidiar a tomada de decisão por parte dos órgãos competentes, mas também contribuir para a produção acadêmica e a avaliação de produtividade científica no âmbito da UFG, reforçando o papel da universidade na geração de conhecimento aplicado às necessidades da sociedade.

Fundamentação Jurídica e Normativa

A prerrogativa do paciente de acessar integralmente as informações contidas em seu prontuário médico transcende a mera conveniência administrativa, configuran do- se como um direito personalíssimo fundamental, ancorado em um sólido arcabouço jurídico e ético no Brasil. A compreensão dessa base normativa é crucial para dimensionar a importância e a urgência das medidas pleiteadas para o aprimoramento do acesso digital via Meu SUS Digital.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, estabelece a saúde como um direito social universal e dever do Estado, a ser garantido por meio de políticas que assegurem o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. Intrínseco a esse direito está o acesso à informação, sem o qual o cidadão não pode exercer plenamente sua autonomia, participar das decisões sobre seu tratamento ou fiscalizar a qualidade dos serviços recebidos. O prontuário médico, como repositório central das informações de saúde do indivíduo, é, portanto, peça-chave nesse processo.

No plano infraconstitucional, diversas normas reforçam e detalham esse direito. O Código de Ética Médica, atualmente regido pela Resolução CFM nº 2.217/2018, é taxativo em seu artigo 88 ao proibir o médico de negar ao paciente o acesso ao seu prontuário, de deixar de fornecer cópia quando solicitada ou de omitir as explicações necessárias à sua compreensão. Essa disposição não deixa dúvidas de que a titularidade da informação pertence ao paciente, ainda que a guarda física ou digital do documento seja responsab ilidade do profission al ou da instituição de saúde.

A Lei nº 13.787/2018, que trata especificamente da digitalização e do uso de sistemas informatizados para a gestão de prontuários, representa um marco na modernização desses registros. Ao estabelecer diretrizes para a guarda, o armazenamento e o manuseio eletrônico, a lei busca garantir a integridade, a autenticidade, a confidencialidade e a rastreabilidade das informações, pavimentando o caminho para um acesso digital mais seguro e eficiente.

Complementarmente, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD - Lei nº 13.709/2018) incide diretamente sobre a questão, classificando os dados de saúde como sensíveis e conferindo ao titular (o paciente) direitos específicos, como o acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados (Art. 18, II) e a garantia de transparência (Art. 9º). A LGPD impõe aos controladores de dados (instituições de saúde, gestores do SUS) a obrigação de adotar medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais contra acessos não autorizados e situações acidentais ou ilícitas, reforçando a necessidade de plataformas seguras como o Meu SUS Digital.

Esse conjunto normativo evidencia que o acesso ao prontuário não é uma concessão, mas um direito do paciente, essencial para o exercício da cidadania em saúde. A transição para o meio digital, impulsionada pela Lei 13.787/2018 e alinhada aos princípios da LGPD, apresenta uma oportunidade única para superar barreiras históricas e tornar esse direito verdadeiramente efetivo e universal no âmbito do SUS.

Análise do Cenário Atual e Desafios Práticos

Reconhece-se o mérito e a relevância dos esforços empreendidos pelo Ministério da Saúde na construção da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) e na evolução da plataforma Meu SUS Digital. Essas iniciativas representam avanços inegáveis na modernização da gestão da informação no SUS e na disponibilização de serviços digitais ao cidadão, como a consulta ao histórico de vacinação, resultados de exames e, mais recentemente, partes do histórico clínico. Tais funcionalidades constituem um passo importante na direção de um sistema de saúde mais conectado e centrado no paciente.

No entanto, uma análise mais aprofundada da realidade vivenciada por muitos usuários do SUS revela que o acesso integral, unificado e tempestivo ao prontuário médico completo ainda enfrenta obstáculos significativos. A fragmentação dos sistemas de informação entre diferentes níveis de atenção (atenção primária, especializa da, hospitalar) e entre diferentes estabelecimentos de saúde (públicos, convenia dos, privados que atendem ao SUS) é um dos principais desafios. Frequentemente, o prontuário eletrônico de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) não se comunica de forma transparente com o sistema do hospital onde o paciente realizou uma internação, resultando em um histórico de saúde incompleto na plataforma Meu SUS Digital.

Além da fragmentação tecnológica, persistem barreiras de natureza administrativa e processual. A necessidade de solicitação formal presencial, o cumprimento de prazos por vezes extensos para a liberação de cópias (sejam físicas ou digitais), a eventual cobrança por reprodução de documentos e a falta de padronização nos procedimentos entre as unidades de saúde dificultam o exercício do direito ao acesso. Esses entraves burocráticos contrariam a própria lógica de agilidade e simplificação que se espera de uma plataforma digital como o Meu SUS Digital e podem desencorajar o cidadão a buscar suas informações.

A ausência de diretrizes claras e uniformes para todas as unidades de saúde sobre a obrigatoriedade, os padrões técnicos e os prazos para a digitalização e disponibilização dos prontuários na RNDS contribui para a heterogeneidade na qualidade e na completude das informações acessíveis ao paciente. A interoperabilidade semântica e sintática entre os diversos sistemas legados e os novos softwares de prontuário eletrônico adotados pelas gestões municipais e estaduais também se apresenta como um desafio técnico complexo, mas indispensável para garantir que os dados sejam não apenas transmitido s, mas também compreendidos e integrados corretamente.

Portanto, embora os avanços na saúde digital sejam notórios, a concretização plena do direito ao acesso digital ao prontuário médico completo pelo paciente, via Meu SUS Digital, demanda a superação desses desafios estruturais, tecnológicos e processuais, exigindo uma ação coordenada e prioritária por parte do Ministério da Saúde e demais entes federativos.

Recomendações para Aprimoramento

Com base na análise exposta e visando a efetivação do direito do paciente ao acesso integral e simplificado ao seu prontuário médico digital no âmbito do SUS, propõem-se as seguintes recomendações ao Ministério da Saúde e à Secretaria de Informação e Saúde Digital (SEIDIGI):

Primeiramente, é fundamental que a integração completa dos sistemas de prontuários eletrônicos das diversas unidades de saúde à RNDS seja tratada como prioridade estratégica e receba os investimentos necessários para sua aceleração. Isso implica não apenas conectar os sistemas, mas garantir que o fluxo de dados permita ao Meu SUS Digital apresentar um histórico de saúde verdadeiramente unificado e longitudinal ao paciente, abrangendo todos os níveis de atenção.

Em segundo lugar, torna-se imperativo o fortalecimento e, se necessário, a criação de padrões técnicos robustos que assegurem a interoperabilidade semântica e sintática entre os múltiplos sistemas de prontuário eletrônico existentes no SUS. A definição de modelos de informação clínica padronizados, vocabulários controlados e APIs (Interfaces de Programação de Aplicações) abertas é crucial para que os dados compartilhados sejam consistentes, compreensíveis e úteis para a continuidade do cuidado e para o próprio paciente.

Adicionalmente, recomenda-se a expedição de diretrizes claras e normativos técnicos vinculantes para todas as unidades de saúde vinculadas ao SUS, estabelecendo a obrigatoriedade, os procedimentos padronizados, os prazos exequíveis e os critérios de qualidade para a digitalização de prontuários preexistentes (em conformidade com a Lei 13.787/2018) e, principalmente, para a alimentação contínua e a disponibilização dos dados na RNDS para acesso via Meu SUS Digital. A fiscalização do cumprimento dessas diretrizes também deve ser considerada.

A segurança da informação e a proteção da privacidade dos dados sensíveis dos pacientes devem permanecer como foco central. É essencial que as medidas de segurança da RNDS e do Meu SUS Digital sejam continuamente aprimoradas, auditadas e atualizadas, em estrita observância aos preceitos da LGPD, para garantir a confidencialidade, a integridade e a disponibilidade das informações, prevenindo acessos indevidos ou vazamentos.

Paralelamente às melhorias técnicas e normativas, sugere-se a realização de uma ampla campanha nacional de comunicação. Essa campanha deve ter o objetivo de informar os cidadãos sobre o seu direito de acesso ao prontuário médico, sobre os benefícios dessa prática e, especificamente, sobre como utilizar a plataforma Meu SUS Digital para exercer esse direito de forma digital, autônoma e gratuita. A linguagem deve ser acessível, e os canais de divulgação, diversificados.

Por fim, propõe-se o estabelecimento ou o aprimoramento de um canal de atendimento dedicado aos usuários do Meu SUS Digital. Esse canal deve ser eficaz para que os cidadãos possam reportar dificuldades técnicas, solicitar correções em seus dados, tirar dúvidas sobre as informações apresentadas em seus prontuários digitais e oferecer sugestões de melhoria para a plataforma.

Conclusão

A presente Nota Técnica buscou aprofundar a análise sobre o acesso digital ao prontuário médico pelo paciente no SUS, utilizando como ponto de partida o requerimento administrativo formulado no âmbito da Pós-Graduação em Direito Médico da Universidade Federal de Goiás. A análise da fundamentação jurídica e dos desafios práticos evidencia que, apesar dos avanços significativos representados pela RNDS e pelo Meu SUS Digital, a garantia plena desse direito fundamental ainda requer a superação de obstáculos importantes relacionados à integração de sistemas, padronização, interoperabilidade, clareza normativa e comunicação com o cidadão.

A implementação das recomendações aqui propostas – priorização da integração à RNDS, fortalecimento de padrões de interoperabilidade, expedição de diretrizes claras, aprimoramento contínuo da segurança, ampla divulgação e criação de canais de suporte eficazes – tem o potencial de transformar o Meu SUS Digital em uma ferramenta ainda mais poderosa para o empoderamento do paciente, a melhoria da continuidade do cuidado e o aumento da transparência e eficiência do Sistema Único de Saúde.

Reitera-se que o acesso facilitado e integral ao prontuário médico não é apenas uma demanda tecnológica ou administrativa, mas a concretização de um direito essencia l

para o exercício da cidadania em saúde. A Universidade Federal de Goiás, ao apresentar esta análise e estas proposições, reafirma seu compromisso com a produção de conhecimento relevante e com a contribuição para o aprimoramento das políticas públicas de saúde no Brasil. Espera-se que esta Nota Técnica possa subsidiar as discussões e as decisões do Ministério da Saúde, contribuindo para que o acesso digital ao prontuário se torne uma realidade universal e efetiva para todos os brasileiros usuários do SUS.

Segue abaixo a proposta feita por Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior, em decorrência de seus estudos na pós-graduação em Direito Médico da UFG. Este produto técnico é assinado pelo próprio criador, bem como por colegas professores e acadêmicos da pós-graduação."

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