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Barroso anuncia aposentadoria do STF: "Hora de seguir outros rumos"

Ministro anunciou, ao vivo, saída da Corte.

9/10/2025

No encerramento da sessão plenária desta quinta-feira, 9, ministro Luís Roberto Barroso anunciou, ao vivo, sua aposentadoria do Supremo Tribunal Federal.

Em um discurso emocionado, o magistrado, que presidiu a Corte nos últimos dois anos, fez um balanço de sua trajetória, agradeceu aos colegas e servidores e destacou o desejo de viver "um pouco mais da vida que me resta".

Barroso, que também presidiu a Corte, destacou o privilégio de ter servido ao país e agradeceu aos colegas de tribunal, à equipe e aos servidores.

"Foram tempos de imensa dedicação à causa da justiça, da Constituição e da democracia. A vida me proporcionou a bênção de servir ao País, retribuindo o muito que recebi, sem ter qualquer interesse que não fosse fazer o que é certo, justo e legítimo", afirmou.

Veja o discurso:

Trajetória e gratidão

Barroso relembrou seus mais de doze anos de atuação no STF, período que, segundo ele, exigiu "imensa dedicação e sacrifícios pessoais".

Contou ter percorrido o país do Oiapoque ao Chuí enquanto presidiu o Supremo e o CNJ, buscando aproximar o Judiciário do cidadão comum.

"Conversei com todos: indígenas e produtores rurais, patrões e empregados, situação e oposição. Não discriminei ninguém", disse.

"Conheci mais profundamente o País, na sua pluralidade e diversidade, e vi aumentar o meu amor por essa terra e sua gente."

O ministro afirmou que decidiu se afastar sem planos definidos, mas com a certeza de que é hora de buscar mais espiritualidade, literatura e poesia:

"Não tenho qualquer apego ao poder e gostaria de viver um pouco mais da vida que me resta."

Reflexão sobre o país e a democracia

Barroso deixou mensagem de esperança e conciliação em tempos de polarização:

"Reafirmo minha fé nas pessoas, no bem, na boa-fé e na gentileza sempre que possível. A integridade, a civilidade e a empatia vêm antes da ideologia e das escolhas políticas. O radicalismo é inimigo da verdade."

Também reafirmou sua crença no Brasil e citou o poeta Pablo Neruda ao expressar amor pelo país:

"Mil vezes tivera que nascer e eu queria nascer aqui; mil vezes tivera que morrer e eu queria morrer aqui — mas não agora", brincou.

Educação e origem humilde

Ao final, o ministro emocionou o plenário ao lembrar suas origens em Vassouras/RJ e a importância da educação pública em sua trajetória:

"Nasci numa família simples e sem parentes importantes. Estudei em escolas públicas e me formei na UERJ, uma maravilhosa universidade pública. Devo quase tudo aos meus professores e à educação que recebi."

Aos colegas

Em um dos momentos mais afetuosos da fala, Barroso dirigiu palavras individuais aos ministros do STF, demonstrando carinho e reconhecimento pelas parcerias.

Destacou Gilmar Mendes, com quem disse ter uma relação de "afastamentos e reaproximações"; elogiou Cármen Lúcia por sua "luz e integridade"; reconheceu a contribuição de Dias Toffoli pela gestão e por decisões "como a ampliação do plenário virtual e o enfrentamento ao extremismo antidemocrático"; e lembrou Luiz Fux, "amigo desde os bancos escolares e celebrante do meu casamento feliz".

Sobre Alexandre de Moraes, declarou:

"Somos testemunhas da sua dedicação ao trabalho, ao país e à causa da proteção das instituições. E somos solidários com os preços pessoais elevados que está tendo que pagar — e que um dia a história haverá de reconhecer e reparar."

Barroso também fez menção a Nunes Marques, André Mendonça, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Edson Fachin, além de agradecer ao procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, aos assessores e servidores do Tribunal.

Em tom de reconhecimento, fez um tributo à imprensa:

"Nesses tempos de desinformação e perda da importância da verdade, nunca precisamos tanto da imprensa que se move pela ética e pela técnica jornalística. Mentir precisa voltar a ser errado de novo."

Agradecimentos finais

O ministro concluiu o discurso agradecendo à ex-presidente Dilma Rousseff, que o nomeou "da forma mais republicana possível", e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "por sua firme defesa do Tribunal quando esteve sob ataque".

"Cumprimos com honra nosso dever e o nosso destino. A história nos dará o crédito devido e merecido. Deixo o Tribunal com o coração apertado, mas com a consciência tranquila de quem cumpriu a missão de sua vida. Não foram tempos banais, mas não carrego nenhuma tristeza, mágoa ou ressentimento. E começaria tudo outra vez, se preciso fosse. Sigo achando que a afetividade é uma das energias mais poderosas do universo."

Barroso encerrou desejando sucesso aos colegas e reafirmando sua confiança no papel do STF como guardião da Constituição:

"Renovo minha confiança de que o Supremo Tribunal Federal continuará a ser o guardião da Constituição e um dos protagonistas na preservação da estabilidade institucional e da democracia. Assim seja. Amém."

Homenagens

O presidente do STF, Edson Fachin, destacou a relevância da atuação do colega para a história da Corte e da jurisdição constitucional brasileira.

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Fachin afirmou que as palavras seriam insuficientes para expressar o impacto do trabalho de Barroso, destacando que seus efeitos "perdurarão por muitas gerações".

Relembrou marcos da trajetória de Barroso - como decisões sobre cotas raciais, proteção aos povos indígenas Yanomami, vacinação obrigatória, fundo do clima e transporte gratuito em dia de eleição - e exaltou medidas administrativas adotadas em sua gestão, como o Exame Nacional da Magistratura e ações afirmativas no Judiciário.

Por fim, recordou a amizade entre ambos e encerrou a homenagem com palavras de afeto:

"Carregarei para sempre comigo o abraço que nos demos em 2012, antes ainda de sua vinda para o Tribunal, como lembrança da generosidade da vida que teima em nos carregar adiante."

O decano Gilmar Mendes classificou os dois anos de presidência de Barroso como "os mais difíceis" de sua vivência no STF e ressaltou a condução firme e responsável do colega.

 "Sua Excelência sabe do apoio que emprestei, e não foi em nenhum favor, mas um dever cívico durante esses dois anos difíceis, certamente os dois anos mais difíceis, pelo menos da minha vivência no Tribunal", afirmou.

 Encerrando a homenagem, Gilmar citou o escritor Alberto Manguel para expressar admiração pela trajetória do colega:

"Somos o que somos, mas transformados naquilo que nos esforçamos por nos tornar. Vossa Excelência trilhou o melhor caminho. Um grande abraço, seja feliz."

Ministro Luiz Fux relembrou a amizade de décadas e definiu Barroso como "um homem de integridade profunda, sabedoria ímpar e amor incondicional pelas pessoas". Contou ter celebrado o casamento do colega e afirmou que o tempo "não separa o inseparável".

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, destacou a contribuição do ministro à Justiça brasileira e ao Estado Democrático de Direito.

"Se perdermos o magistrado jurista, o país continuará a se beneficiar do jurista sempre culto, sempre aberto ao diálogo e sempre buscando o justo e o certo", disse o chefe do MP.

O advogado Ricardo Quintas Carneiro, da banca LBS Advogados e Advogadas, presente no plenário, prestou uma homenagem ao ex-presidente do STF.

Surpreso com o anúncio da aposentadoria, ele afirmou ter vestido "as vestes de trabalho" para representar a advocacia e agradecer a Barroso pela relação de respeito com a classe e com a OAB.

O advogado destacou que o ministro soube conduzir o STF com firmeza e serenidade, mesmo nos momentos mais delicados da vida institucional do país.

"Soube conduzir este tribunal com firmeza, sem perder a ternura", disse, citando a célebre frase de Che Guevara.

Trajetória no Supremo

Luís Roberto Barroso tomou posse no STF em junho de 2013, indicado pela então presidente Dilma Rousseff.

Ao longo de sua carreira na Corte, destacou-se por votos em pautas de grande repercussão nacional, envolvendo temas como união homoafetiva, interrupção da gestação de fetos anencéfalos, descriminalização do porte de drogas para uso pessoal e defesa da democracia.

Além da atuação jurídica, Barroso também teve papel importante na presidência do Tribunal, buscando modernizar a comunicação institucional e ampliar a transparência dos julgamentos.

Veja a versão completa

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