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STF encerra fase de sustentações orais do Núcleo 4 da trama golpista

Ação que começou a ser julgada nesta terça-feira mira a disseminação de notícias falsas sobre urnas eletrônicas e ataques a instituições.

14/10/2025

A 1ª turma do STF encerrou, nesta terça-feira, 14, a fase de sustentações orais no julgamento da Ação Penal 2.694, que trata do chamado Núcleo 4 da trama golpista, composto por sete réus denunciados pela PGR por tentativa de golpe de Estado.

De acordo com a denúncia, os acusados teriam atuado na disseminação de notícias falsas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas e na incitação de ataques às instituições e autoridades públicas.

Todos respondem pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Nas sessões realizadas pela manhã e à tarde, o relator apresentou o relatório do processo, seguido das manifestações da PGR e das defesas dos sete réus.

Após as sustentações orais, o julgamento foi suspenso e deverá ser retomado na próxima terça-feira, 21, quando os ministros proferirão votos.

Quem são os réus?

O Núcleo 4 é o segundo grupo a ser apreciado pelo colegiado.

O julgamento do Núcleo 1, encerrado em 11 de setembro, resultou na condenação de todos os oito réus, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Já o julgamento do Núcleo 3, que reúne dez réus, está marcado para começar em 11 de novembro e deve se estender até o dia 19 do mesmo mês.


Relatório

A sessão foi aberta com a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes. A acusação aponta que os réus teriam propagado de forma sistemática notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizado ataques virtuais contra instituições e autoridades, com o intuito de favorecer o projeto atribuído à organização criminosa.

De acordo com Moraes, a denúncia atribui a Ailton Moraes Barros, ex-major do Exército, a prática de atos no núcleo de desinformação mediante orientações do general Walter Braga Netto para disseminar ataques virtuais aos comandantes das Forças Armadas que não aderiram às ações golpistas. O major da reserva Ângelo Denicoli também é acusado de colaborar na elaboração de documentos considerados inverídicos para sustentar a narrativa de supostas fraudes eleitorais.

O presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, teria atuado na estruturação de relatórios com dados classificados como falsos para embasar representação eleitoral ajuizada por Jair Bolsonaro e Braga Netto. Já Marcelo Bormevet, agente da Polícia Federal, e Giancarlo Rodrigues, subtenente do Exército, são apontados como integrantes de uma célula clandestina da Abin - Agência Brasileira de Inteligência, responsável por monitorar autoridades, inclusive ministros do STF.

O tenente-coronel do Exército Guilherme Almeida é acusado de disseminar informações falsas de maneira reiterada com o objetivo de provocar pressão política e social. Por fim, a denúncia atribui ao coronel Reginaldo Abreu, então chefe de gabinete na Secretaria-Geral da Presidência e subordinado ao general Mário Fernandes, a promoção de ações voltadas à consumação do golpe por meio de disseminação de conteúdos considerados inverídicos.


Manifestação da PGR

O procurador-Geral da República, Paulo Gonet, defendeu a condenação dos réus do Núcleo 4, ao afirmar que as questões preliminares já foram superadas por ocasião do recebimento da denúncia e que, no mérito, a AP 668 tornou incontroversa a materialidade e o enquadramento típico dos fatos narrados.

Gonet sustentou que a turma já reconheceu a existência dos crimes imputados ao núcleo central - organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado - e que cabe verificar se os acusados aderiram aos propósitos ilícitos e contribuíram para os eventos.

Segundo o PGR, tratando-se de organização criminosa, os integrantes respondem pela totalidade dos ilícitos quando demonstradas ações concretas e dolosamente dirigidas aos fins buscados pelo grupo, ainda que praticadas em momentos diferentes.

Ao descrever o funcionamento do grupo, o PGR afirmou que a estrutura atuou como instituição conectora de ações destinadas aos crimes-fim da organização, de modo que membros "esporadicamente ativos" podem responder pelos delitos concretos que projetam suas contribuições e membros "institucionalmente ativos" podem responder, por coautoria ou participação, pelos crimes compatíveis com os objetivos da organização.

Para o MPF, os réus responsáveis pelas campanhas de desinformação tiveram participação causal no desfecho de 8 de janeiro de 2023:

"Foi por meio da contribuição deste núcleo de acusados que a organização criminosa elaborou e disseminou narrativas falsas […] dando surgimento e impulso à instabilidade social ensejadora da ruptura institucional."

O PGR contextualizou que ataques a tribunais e à jurisdição constitucional são estratégia recorrente "onde quer que o autoritarismo populista força sua entrada", buscando "capturar" Cortes e corroer estruturas democráticas.

Conforme a manifestação, o grupo teria utilizado estrutura estatal e redes sociais para difundir desinformação sobre autoridades e o sistema eletrônico de votação; com a derrota eleitoral, a tática teria sido mantida e "adornada com aparência técnica" para legitimar medidas de exceção.

Esse fluxo inclui a atuação de uma célula paralela na Abin, com uso desvirtuado de ferramentas como o First Mile, além de produção e circulação de conteúdos falsos por perfis reais e perfis falsos.

O PGR citou dados compartilhados de procedimentos conexos, trocas de mensagens e documentos, como o arquivo "positivo.docx", produzido na Abin com informações sobre a fabricante de urnas, e registros da atuação de servidores na ferramenta First Mile.

Segundo Gonet, diálogos recuperados indicam direcionamentos de alvos e coordenação com o núcleo central, "concentrando a produção e disseminação de notícias falsas contra os mesmos alvos apontados publicamente".

Atribuições individualizadas segundo a PGR

Ailton Moraes Barros (ex-major do Exército): teria coordenado campanhas ofensivas contra comandantes militares que resistiram ao decreto golpista, seguindo as orientações diretas do general Braga Netto, buscando pressioná-los, inclusive com atos em frente às residências.

Ângelo Denicoli (major da reserva do Exército): apontado como responsável por converter "narrativas infundadas em dados aparentemente confiáveis", com produção de mídias e documentos contra o sistema eletrônico; teria atuado em parceria com a direção da Abin e em grupos de mensagens relacionados às eleições.

Carlos Cesar Moretzsohn Rocha (presidente do Instituto Voto Legal): teria assinado relatório "com sabida e desejada deturpação de dados" para sustentar judicialmente a tese de fraude, servindo à narrativa de que o resultado de 2022 não deveria ser respeitado.

Giancarlo Rodrigues (subtenente do Exército) e Marcelo Bormevet (agente da PF): apontados como integrantes de célula paralela na Abin, com realização de pesquisas no First Mile e direcionamento de ações de contrainteligência para coleta e difusão de conteúdo contra o sistema eleitoral e ministros de tribunais superiores.

Guilherme Almeida (tenente-coronel do Exército): teria realizado disseminação massiva de conteúdos falsos e orientado mobilização de civis e militares; a PGR citou mensagens que, no entender da acusação, extrapolam "exercício legítimo da liberdade de expressão" e integram a "guerra informacional".

Reginaldo Abreu (coronel do Exército): apontado por tentar alinhar o conteúdo de relatório das Forças Armadas às teses de fraude e por participar da estruturação de gabinete de crise após hipotética ruptura, com documentos impressos no Planalto que o indicariam como integrante de assessoria de inteligência do órgão planejado.

Ao final, Paulo Gonet afirmou que os elementos reunidos "não deixam dúvida sobre a instalação de estrutura paralela" e sobre a adesão dos réus aos fins da organização.

Reiterou o pedido de condenação pelos crimes descritos na denúncia e ressaltou que a atuação do núcleo de desinformação "foi essencial para o levante popular contra as instituições democráticas".

1ª turma do STF encerrou a fase de sustentações orais no julgamento do Núcleo 4 da tentativa de golpe.(Imagem: Rosinei Coutinho/STF)

Defesa do réu Ailton Moraes Barros

A Defensoria Pública da União afirmou que não há provas suficientes para condenar Ailton Gonçalves Moraes Barros, ex-major do Exército. Em sustentação oral, o defensor público Gustavo Zortea da Silva pediu a aplicação do art. 386, VII, do CPP, que prevê absolvição quando não houver comprovação da autoria ou participação do réu nos crimes imputados.

A PGR atribui a Ailton o papel de coordenar campanhas ofensivas contra comandantes militares que resistiram à adesão ao golpe, sob orientação direta do general Walter Braga Netto. A acusação sustenta que o ex-major teria atuado para pressionar o general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Júnior, inclusive por meio de mensagens e publicações em redes sociais.

A defesa contestou esse vínculo. Segundo Zortea, as trocas de mensagens apresentadas nos autos não comprovam execução de ordens, apenas tentativa de aproximação com figuras de influência, motivada pela pretensão eleitoral do réu, candidato a deputado estadual em 2022. "Não há prova de que ele tenha cumprido qualquer determinação atribuída a Braga Netto", afirmou.

O defensor destacou ainda que Freire Gomes e Baptista Júnior, ouvidos como testemunhas, afirmaram não ter recebido mensagens de Ailton nem de terceiros que pudessem ser a ele relacionados.

Sobre uma publicação do réu no antigo Twitter com linguagem considerada agressiva, Zortea argumentou que o conteúdo não contém incitação direta a golpe e foi utilizado como estratégia de autopromoção política.

A sustentação também criticou o uso do depoimento de Mauro Cid como prova. De acordo com a defesa, a PGR destacou apenas trecho inicial em que o delator teria confirmado que Ailton recebeu orientações de Braga Netto, ignorando a parte posterior do depoimento em que Cid disse não recordar de ter feito essa afirmação.

Por fim, Zortea lembrou que o réu foi inicialmente apontado como autor de áudios que circularam na imprensa como provas de incitação ao golpe, mas posteriormente a Polícia Federal identificou que o verdadeiro autor era o coronel Laércio Virgílio. Para a defesa, esse episódio reforça a necessidade de cautela na análise das provas.


Defesa do réu Ângelo Denicoli

O advogado Zoser Plata Bondim Hardman de Araújo em defesa do réu Ângelo Denicoli, renovou, de início, duas preliminares já rejeitadas na AP 2.668 (incompetência do STF por ausência de prerrogativa de foro e competência do Plenário).

Acrescentou, porém, preliminar específica para Ângelo: pediu que não sejam considerados acréscimos fáticos trazidos apenas nas alegações finais da PGR - baseados, segundo disse, em relatório de extração do celular de Flávio Peregrino -  porque o material não estaria nos autos (nem na Pet 12.100, nem nas APs conexas).

No mérito, sustentou que as imputações contra Ângelo são genéricas e desprovidas de lastro probatório individualizado. Examinou três contextos usados pela acusação:

No plano jurídico, o defensor ousou divergir do PGR ao lembrar que responsabilidade penal é subjetiva e exige dolo comprovado, à luz da teoria finalista: não se admite responsabilização objetiva pelo simples ingresso em organização criminosa.

Apontou a ausência de liame subjetivo entre Ângelo e os crimes-fim, afirmando que ele desconhecia minuta de "decreto de intervenção", não integrou acampamentos e não manteve interlocução com núcleos organizadores.

Ao concluir, reiterou as preliminares e requereu a absolvição de Ângelo Martins Denicoli, assinalando que a conduta imputada é penalmente irrelevante diante do acervo probatório e que "elemento de convicção é a prova dos autos… tem que estar nos autos".


Defesa do réu Carlos Cesar Moretzsohn Rocha  

O advogado Melillo Dinis do Nascimento sustentou na tribuna em defesa do réu Carlos Rocha, presidente do IVL - Instituto Voto Legal.

Afirmou que o cliente atuou estritamente dentro dos limites técnicos da contratação, sem participação em campanhas de desinformação ou atos voltados ao golpe de Estado.

Segundo o defensor, Rocha é engenheiro especializado em sistemas eletrônicos e foi contratado pelo PL - Partido Liberal para realizar análise técnica sobre as urnas eletrônicas, sem qualquer ingerência na divulgação pública de conclusões políticas.

Dinis destacou que não há nos autos mensagens, publicações ou comunicações atribuídas ao réu que indiquem envolvimento em narrativas fraudulentas.

Ao contrário, lembrou que, em audiência no Senado Federal, em novembro de 2022, Rocha declarou expressamente que "não houve fraude" e que o sistema de votação era seguro e auditável.

O advogado ressaltou que o réu possui longa trajetória ligada ao desenvolvimento das urnas eletrônicas, tendo liderado, nos anos 1990, a equipe responsável pela criação do equipamento.

Também rememorou que, em 2002, atuou na ação judicial sobre a patente da urna eletrônica, processo no qual a União foi parte, e que a disputa se encerrou apenas em 2024, sem reconhecimento de irregularidades por parte de seu cliente.

Dinis afirmou que a única conduta de Rocha foi a elaboração de relatórios técnicos, que somam cerca de 6 mil páginas juntadas aos autos, e questionou o enquadramento penal dessas atividades. "Talvez haja debate sobre o conteúdo, mas é isso que significa dolo? É isso que justifica uma ação penal?", indagou.

O advogado observou que o momento histórico exige "serenidade institucional" e alertou para o risco de ampliar o conceito de desinformação de modo a criminalizar atuações técnicas.

"Se eu disser que o ministro Alexandre de Moraes é torcedor do Palmeiras, isso é não só injusto, mas pode gerar consequências quando ele for ao Itaquerão", brincou.

Dinis reforçou que não houve dolo ou qualquer intenção de desinformar, uma vez que o contrato firmado entre o IVL e o PL previa expressamente que todo o trabalho produzido seria colaborativo com a Justiça Eleitoral e de propriedade exclusiva do partido. Segundo o defensor, o art. 5º do contrato estabelecia cláusula de confidencialidade e determinava que todas as comunicações públicas seriam de responsabilidade do PL, não do IVL.

O advogado frisou que nenhum relatório do instituto mencionou fraude e que o próprio réu, em depoimentos e audiências, reiterou a inexistência de qualquer irregularidade.

Afirmou ainda que a atuação de Rocha foi exclusivamente técnica, nos moldes da lei 9.504/97 e da resolução TSE 23.673/21, que disciplinam as auditorias eleitorais.

"Auditar não é atacar", afirmou, comparando o processo de verificação ao "check-up médico" que busca aperfeiçoar sistemas e corrigir falhas, sem atribuição de culpa.

Em seguida, lembrou que o trabalho do IVL foi entregue ao PL, que decidiu politicamente levá-lo ao TSE, sem participação de Rocha nessa decisão. Observou que até o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, testemunhou que o relatório "foi técnico, cumpriu com qualidade o contrato e as declarações políticas foram de responsabilidade dos parlamentares do partido".

A defesa destacou ainda que testemunhas da própria Justiça Eleitoral - entre elas o secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Juliano César Valente - confirmaram a natureza técnica dos relatórios e a inexistência de irregularidades graves.

Dinis também citou que a PGR, em outro processo conexo, reconheceu que o relatório do IVL foi "deturpado por terceiros" e que o próprio autor "nunca admitiu qualquer hipótese de urnas comprometidas".

O advogado apontou contradições na acusação, observando que a linha do tempo apresentada pela PGR não inclui o nome de Rocha em nenhum dos eventos ligados aos atos de 8 de janeiro. Segundo Dinis, a tentativa de vinculá-lo a uma organização criminosa é "arbitrária" e ignora provas documentais e cronológicas que demonstram a ausência de vínculo com o chamado "núcleo golpista".

Na parte final da sustentação, Dinis reiterou que Carlos Rocha não integrou qualquer fluxo de desinformação e que o contato mencionado com outros acusados, como o major da reserva Ângelo Denicoli, ocorreu apenas em reunião virtual de caráter técnico, comprovada nos autos. Para o advogado, atribuir ao engenheiro uma conduta dolosa ou de participação em organização criminosa "é algo exagerado".

O defensor reafirmou que nenhum relatório do IVL contém menção à palavra "fraude" e que os trabalhos desenvolvidos pelo instituto se estenderam até 30 de janeiro de 2023, após os atos de 8 de janeiro, com o objetivo de sugerir melhorias técnicas ao sistema eleitoral — como o aprimoramento da criptografia e da auditoria das urnas.

Encerrando, o advogado destacou que a divulgação pública de qualquer informação era vedada contratualmente ao IVL, sendo responsabilidade exclusiva do Partido Liberal, presidido por Valdemar Costa Neto, que “não figura como acusado em nenhuma ação penal”.

Dinis observou que o partido foi o responsável por gerir comunicações com a imprensa e com os candidatos derrotados nas eleições de 2022, o que, segundo ele, "transformou o país em um inferno, do qual ainda precisamos fazer alguns exorcismos".

Ao final, o advogado sustentou que Rocha deve ser absolvido de todas as acusações, tanto pela atipicidade das condutas quanto pela ausência de dolo:

"Carlos Rocha nunca ofereceu qualquer tipo de violação à lei penal. É importante que também evitemos o ecossistema de desinformação, que cria narrativas indevidas. O fato é que Carlos Rocha não cometeu crime", concluiu.


Defesa de Giancarlo Rodrigues   

Na tribuna, a advogada Juliana Rodrigues Malafaia defendeu o subtenente do Exército Giancarlo Rodrigues. Ela sustentou que o militar não teve qualquer envolvimento com os demais réus do processo, tampouco com Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, apontado como superior hierárquico no suposto "núcleo de inteligência paralela".

Segundo a defesa, Giancarlo jamais manteve contato com Ramagem, não recebeu ordens diretas e tampouco exerceu função de comando. "Jean Carlo e Alexandre Ramagem não se conheciam", frisou a advogada, destacando que o próprio Ramagem declarou em interrogatório que sequer reconheceria o militar.

Afirmou ainda que o cliente atuava apenas sob ordens administrativas e dentro dos limites de sua função militar, "sem qualquer dolo ou consciência de irregularidade".

Juliana Malafaia concentrou sua argumentação na utilização do sistema FirstMile, ferramenta de geolocalização usada pela Abin e apontada pelo Ministério Público como meio de espionagem ilegal.

Ela argumentou que Giancarlo só teve acesso à plataforma entre 2019 e junho de 2020, período anterior ao delimitado na denúncia, e que após sua saída do órgão perdeu a senha e não voltou a utilizá-la. "Se ele fez uso em momento anterior ao delimitado na denúncia, como isso poderia ter desaguado no 8 de janeiro?", questionou.

A advogada também sustentou que as senhas do sistema eram compartilhadas entre diversos servidores, o que inviabilizaria a identificação segura do autor das consultas.

Segundo ela, o próprio relatório da Corregedoria da Abin reconheceu a ausência de controle, rastreabilidade e treinamento sobre o uso da ferramenta. "Se a ferramenta não é auditável, ela não pode servir para condenar", afirmou.

Insistiu que Giancarlo apenas cumpria ordens hierárquicas, sem autonomia para decidir sobre o conteúdo das buscas ou sobre o destino das informações. "Ele recebia números a serem consultados, sem saber a quem pertenciam ou por que razão deveriam ser pesquisados", explicou.

Por fim, a advogada rebateu a acusação de envolvimento em desinformação sobre o sistema eleitoral e em danos ao patrimônio público nos atos de 8 de janeiro.

Afirmou que o militar apenas encaminhou mensagens já existentes na internet, acreditando serem verdadeiras, e que não há qualquer prova de incentivo à violência ou à destruição.

"A denúncia não descreve conduta alguma que se enquadre nos tipos penais imputados", concluiu, pedindo a absolvição do réu.


Defesa de Guilherme Almeida

Na tribuna, o advogado Leonardo Coelho Avelar sustentou que o réu Guilherme Marques Almeida não integrou organização criminosa nem participou de articulação golpista, limitando-se, nos autos, a encaminhar um link em conversa privada no WhatsApp.

Segundo a defesa, a acusação não comprova autoria, nexo causal ou dolo específico: perícia identificou apenas 12 interlocutores, três listas de transmissão e um grupo individual ("bloco de notas"); na lista mais ativa, em 28 dias (13/12 a 9/1) o réu encaminhou 10 links de portais abertos, sem comentários.

Nas demais listas, repetiu três desses links - uma delas com apenas nove contatos.

Avelar destacou ainda que, pelas regras técnicas do WhatsApp, mensagens de listas só chegam a quem tem o número do remetente salvo na agenda; a acusação não provou recebimento, apenas envio, o que afasta a tese de "disseminação em massa".

A linha do tempo apresentada pela defesa situa as mensagens de teor político entre 2 e 6/11/22 (incluindo o encaminhamento do link da live de Fernando Cerimedo a Mauro Cid, em 4 e 5/11).

Após a nota do ministério da Defesa de 9/11/22, Guilherme cessou o compartilhamento de conteúdos sobre urnas.

Em dezembro, entrou de férias e saiu de grupos, o que, para a defesa, revela ausência de persistência dolosa e distanciamento dos eventos de 8/1/23.

Quanto ao suposto uso de posição no Coter e de conhecimentos em operações psicológicas para influenciar colegas, a defesa citou o depoimento do coronel Vítor de Paula Targueta: o setor tinha seis militares, atividades administrativas, sem comando de tropa, sem software especial ou produção de mídia; o curso de operações psicológicas seria estratégico, não uma habilitação para criar/propagar conteúdo. Ademais, a perícia não encontrou aplicativos de edição nos aparelhos do réu.

Sobre associação criminosa, Avelar afirmou faltar vínculo estável e permanente: houve apenas um lapso efêmero de diálogos, sem coordenação, e correús e testemunhas disseram não conhecer Guilherme.

O colaborador Mauro Cid teria minimizado o único ato concreto ("recebi o mesmo link de várias pessoas") e dito que nem abriu o conteúdo, além de desconhecer participação do réu em grupo organizado.

A defesa também rechaçou os crimes dos arts. 359-L e 359-M (abolição violenta e golpe de Estado), por faltarem violência ou grave ameaça em meros encaminhamentos privados, e negou qualquer nexo com os danos de 8/1 (o réu não estava em Brasília).

Ao final, pediu a absolvição total, por atipicidade das condutas, inexistência de vínculo associativo, ausência de dolo e falta de prova do alegado "disparo em massa".


Defesa de Marcelo Bormevet

Em defesa do agente da PF, Marcelo Bormevet, o advogado Hassan Souki iniciou sua sustentação lembrando que "processos tratam de pessoas" e que o processo penal envolve "a mais grave repercussão jurídica: a restrição da liberdade".

Destacou a trajetória funcional do réu, agente da Polícia Federal há mais de 20 anos, com histórico ilibado, sem processos ou sindicâncias, e que atuou na Abin entre 2019 e 2022, tendo deixado o órgão antes dos atos de 8 de janeiro de 2023.

Rebateu ainda a versão de que o policial teria sido indicado por Alexandre Ramagem, esclarecendo que o ingresso se deu por convite de outro agente, Felipe Arlota, em razão de sua capacidade técnica.

Souki sustentou que as condutas imputadas - criação e disseminação de notícias falsas e ordenação de pesquisas ilícitas - não se amoldam aos tipos penais da denúncia.

Segundo ele, o Ministério Público buscou enquadrar o réu com base na norma de extensão do art. 29 do CP, mas sem comprovar relevância causal nem liame subjetivo com os fatos.

A defesa argumentou que não há provas de que Bormevet tenha contribuído para os crimes narrados, nem de que tivesse consciência de integrar ou favorecer organização criminosa.

Outro ponto central foi a crítica à delimitação temporal da denúncia, que fixa o período entre 29/6/21 e 8/1/23. Para o defensor, a maior parte dos fatos atribuídos ao acusado - inclusive o uso do sistema First Mile - ocorreu antes desse marco, o que os tornaria estranhos ao objeto da acusação.

O sistema, disse, era de uso exclusivo de outro departamento da Abin (DOINTE), não do setor chefiado por Bormevet (Centro de Inteligência Nacional), cujos servidores sequer tinham acesso à ferramenta.

Sobre as duas pesquisas atribuídas ao réu- uma sobre o servidor do Ibama Hugo Ferreira Neto Loss e outra sobre a empresa Positivo Tecnologia -, o advogado afirmou que a primeira não guarda qualquer relação com os fatos golpistas, e a segunda foi determinada pela direção da Abin, com finalidade de compliance e soberania nacional, diante de notícia sobre a venda da Positivo à Lenovo.

Bormevet, segundo Souki, apenas pesquisou o quadro societário da empresa, após circular nas redes uma notícia falsa que já associava a empresa a ministros do STF.

O envio de tais dados a um perfil de baixa expressão no Twitter ("Veritas Bureau") não teria relevância causal, pois os fatos e a desconfiança sobre o sistema eleitoral já existiam e continuariam a ocorrer "mesmo se ele nada tivesse feito".

O defensor também invocou o princípio da culpabilidade, afirmando que não há dolo nem culpa.

"Não existe nos autos uma única mensagem em que ele defenda o uso de violência, tampouco que demonstre consciência de participar de um complô", disse.

Citou como exemplo o diálogo usado pela PGR - em que Bormevet pergunta se Bolsonaro teria assinado um "decreto" -, classificando-o como banal e inserido no contexto político de dezembro de 2022, quando o próprio então presidente ventilava "atuar dentro das quatro linhas da Constituição".

Souki sustentou que o suposto "núcleo de desinformação" descrito na denúncia é heterogêneo e sem prova de articulação entre os membros:

"Não há sequer indício de que se conhecessem."

Defendeu, por isso, a absolvição por atipicidade formal e ausência de provas, com base no art. 386, III e VII, do CPP, e, subsidiariamente, o reconhecimento de participação de menor importância - já que Bormevet "jamais incentivou ruptura democrática, não participou de reuniões golpistas nem dos atos de 8 de janeiro".

Concluiu pedindo a absolvição total do policial, afirmando que "não se pode privar da liberdade um cidadão com base em conjecturas", e que sua atuação se limitou a atos administrativos isolados, sem dolo, sem vínculo organizacional e sem qualquer impacto real nos eventos investigados.


Defesa de Reginaldo Abreu

O advogado Diego Ricardo Marques realizou a defesa do coronel do Exército Reginaldo Vieira de Abreu, que à época dos fatos exercia o cargo de chefe de gabinete do secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, general Mário Fernandes.

Segundo o advogado, a acusação contra o militar se apoia em três pontos principais:

Marques contestou a validade desses elementos.

Lembrou que Reginaldo nunca foi alvo de medidas cautelares, nem teve aparelhos apreendidos, e que as mensagens utilizadas pela acusação foram extraídas exclusivamente de terceiros, o que colocaria em dúvida a cadeia de custódia e o contexto das comunicações. "Foram mensagens infelizes, sim, mas trocadas de forma privada com um amigo, sem qualquer intuito de incitar ou mobilizar terceiros", afirmou.

Ao abordar o documento Gabinete de Crise, o advogado apontou inconsistências temporais e técnicas no material apresentado.

Segundo ele, o relatório da PF indica que o arquivo teria sido criado em 16/12/22, mas seus metadados revelam que foi gerado apenas em 12/1/23, após os ataques do dia 8.

Além disso, o documento teria versões diferentes, uma com 4 páginas e outra com 30 páginas, sem prova de que fossem equivalentes. A única suposta participação do réu seria a impressão de seis cópias, ato que, para a defesa, não comprova ciência sobre o conteúdo. "Não se pode afirmar que ele sabia o que estava imprimindo. Apenas cumpriu uma ordem funcional, na qualidade de chefe de gabinete", sustentou.

Sobre a acusação de tentativa de influenciar o relatório das Forças Armadas, Marques lembrou que nenhuma testemunha confirmou qualquer tipo de pressão ou interferência.

Os militares responsáveis pelo relatório, coronel Marcelo Nogueira de Sousa e capitão de fragata Marcos Calvacante de Andrade, declararam em juízo que nunca conheceram Reginaldo Vieira de Abreu e que o trabalho foi técnico e independente.

Encerrando, o advogado reiterou que as provas são frágeis e insuficientes para uma condenação.

"Não há nos autos qualquer ato que demonstre tentativa de interferência, tampouco de articulação política ou golpista. Há apenas opiniões pessoais e o cumprimento de ordens administrativas", concluiu. Assim, pediu o reconhecimento da inexistência de conduta criminosa e a absolvição do coronel "por falta de materialidade e de dolo".

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