1ª turma do STF condena Bolsonaro e aliados
Ex-presidente teve placar 4 a 1 pela condenação.
Da Redação
quinta-feira, 11 de setembro de 2025
Atualizado às 19:11
Em julgamento histórico, a 1ª turma do STF condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes. Ele é acusado de liderar a organização criminosa responsável pela trama golpista.
Outros sete réus, aliados do ex-presidente, também foram condenados pelos mesmos crimes.
É a primeira vez na história do país que um ex-presidente é punido por crime contra a democracia.
O relator, Alexandre de Moraes, votou por condenar todos os réus por todos os crimes apontados pela PGR.
Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin acompanharam o relator.
Único a divergir foi o ministro Luiz Fux, absolveu a maioria dos réus, condenando apenas Mauro Cid e Braga Netto pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Veja como votou cada ministro.
Voto de Alexandre de Moraes
O relator, ministro Alexandre de Moraes rejeitou todas as preliminares e votou pela condenação integral dos acusados.
Para S. Exa., Bolsonaro chefiou estrutura hierarquizada que usou órgãos públicos para desacreditar eleições, ameaçar o Judiciário e preparar a tomada do poder.
Discursos, reuniões, encontro com embaixadores e a "minuta do golpe" demonstraram tentativa concreta de instaurar regime de exceção.
Voto de Flávio Dino
Ministro Flávio Dino acompanhou o relator na condenação, mas diferenciou a gravidade das condutas.
Reconheceu Bolsonaro e Braga Netto como centrais, mas sugeriu atenuar penas de Ramagem, Heleno e Nogueira.
Ressaltou que os atos ultrapassaram a preparação e avançaram para a execução, com violência como elemento central da trama golpista.
Voto de Luiz Fux
Nesta quarta-feira, 10, Fux sustentou três preliminares: incompetência do STF (e, especificamente, da 1ª turma) para julgar o caso após a perda de foro e cerceamento de defesa, diante da entrega tardia e caótica de 70 TB de provas - o que, para ele, anula os atos desde o recebimento da denúncia.
Validou a delação de Mauro Cid (com benefícios) e determinou suspender a ação contra Alexandre Ramagem quanto a organização criminosa.
No mérito, fixou premissas estritas de legalidade e tipicidade: rejeitou a existência de organização criminosa (faltaram estrutura estável e crimes indeterminados), tratou o dano como subsidiário e reforçou que abolição do Estado de Direito (359-L) e golpe de Estado (359-M) exigem violência/ato executório e dolo inequívoco.
Quanto aos réus, Fux absolveu integralmente Bolsonaro (sem dolo, nexo ou atos executórios; sem vínculo com 8/1) e absolveu Almir Garnier de todas as imputações.
Quanto a Mauro Cid, absolveu-o por organização criminosa e pelos danos, mas condenou por tentativa de abolição violenta do Estado de Direito.
Voto de Cármen Lúcia
Ministra Cármen Lúcia proferiu o voto que consolidou a maioria no STF pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros réus por tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
S. Exa. ressaltou o caráter inédito do julgamento, afirmando que não se tratava de atos isolados, mas de uma articulação planejada e sistemática para minar as instituições e deslegitimar as eleições de 2022.
A ministra destacou a responsabilidade de Bolsonaro como líder e articulador central da trama, apontando que ele propagou desinformação sobre o sistema eleitoral, instigou manifestações violentas e buscou apoio de militares e autoridades para romper a ordem constitucional.
Para Cármen Lúcia, as provas reunidas evidenciam práticas concretas e executórias, afastando a tese de atos meramente preparatórios.
Seu voto, ao reconhecer a gravidade histórica dos fatos e a necessidade de responsabilização, foi decisivo para a formação da maioria pela condenação.
Voto de Cristiano Zanin
Ministro Cristiano Zanin votou por acompanhar integralmente o relator Alexandre de Moraes para condenar todos os réus pela existência de uma organização criminosa armada, hierarquizada e voltada a garantir a permanência de Jair Bolsonaro no poder à revelia do resultado eleitoral.
Rejeitou todas as preliminares (cerceamento de defesa, suspeição, nulidades) e afirmou que a prova dos autos - documentos, depoimentos, registros digitais e imagens - demonstra tentativas concretas de abolição do Estado Democrático de Direito (art. 359-L), de golpe de Estado (art. 359-M) e crimes de dano ao patrimônio público e tombado.
Zanin apontou Bolsonaro como "principal articulador e maior beneficiário" do plano, que envolveu difusão de desinformação, instrumentalização de órgãos de Estado, pressão sobre as Forças Armadas e elaboração de minutas de exceção (como a Operação 142 e o plano "Punhal Verde-Amarelo").
Destacou condutas específicas de Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres, Alexandre Ramagem, Paulo Sérgio Nogueira, Almir Garnier e Mauro Cid, cada qual contribuindo - por ação ou omissão - para o projeto golpista.
Para o ministro, não houve meros atos preparatórios: a violência e a grave ameaça foram institucionais e materiais, culminando nos eventos de 8 de janeiro de 2023.
Quem são os réus?
No banco dos réus da 1ª turma estão figuras centrais do governo Bolsonaro.
Respondem pelo plano de ruptura institucional:
- o ex-presidente da República Jair Bolsonaro;
- o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid;
- o deputado Alexandre Ramagem;
- o almirante Almir Garnier;
- o general Anderson Torres,
- o general Augusto Heleno
- o general Paulo Sérgio Nogueira e
- o general Walter Braga Netto.
Crimes e penas
A acusação atribui aos réus, entre outros, os crimes de:
- Tentativa de golpe de Estado (art. 359-M, CP; 4-12 anos);
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L, CP; 4-8 anos);
- Organização criminosa armada (lei 12.850/13; 3-8 anos, com majorantes e aumento por liderança);
- Dano qualificado à União (art. 163, parágrafo único, III, CP; 6 meses-3 anos); e
- Deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, lei 9.605/98; 1-3 anos).
Em tese, a soma das penas pode ultrapassar os 40 anos, mas, pela legislação brasileira, o tempo máximo de cumprimento efetivo é de 40 anos.
Além disso, eventual condenação não implica prisão imediata para execução definitiva da pena. Em 2019, o STF consolidou o entendimento de que a pena só pode começar a ser cumprida após o trânsito em julgado da decisão.
Da investigação ao julgamento
A investigação que resultou na denúncia contra Jair Bolsonaro e aliados começou em 2022 e foi concluída em novembro de 2024, quando a PF encerrou o inquérito que apurava a atuação de uma organização criminosa voltada a manter o então presidente no poder à revelia do resultado eleitoral.
No relatório final, fruto das operações Tempus Veritatis e Contragolpe, a PF indiciou 37 pessoas, incluindo Bolsonaro, generais de alta patente e dirigentes partidários.
O documento apontou crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe e organização criminosa, detalhando seis núcleos de atuação: desinformação, incitação de militares, jurídico, operacional de apoio, inteligência paralela e medidas coercitivas.
Pouco depois, a operação Contragolpe levou à prisão de cinco investigados por um plano que incluía, além da ruptura institucional, homicídios do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.
Com base nessas apurações, a Procuradoria-Geral da República apresentou, em fevereiro de 2025, denúncia formal (Pet 12.100) contra Bolsonaro e outros 32 acusados.
O grupo foi imputado por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
A PGR atribuiu a Bolsonaro o papel de liderança da trama, sustentando que ele comandou ações para desacreditar o processo eleitoral, pressionar as Forças Armadas e preparar decretos que poderiam servir de base para uma ruptura institucional.
Em março de 2025, a 1ª turma do STF, por unanimidade, recebeu a denúncia e tornou réus Bolsonaro e outros sete integrantes do chamado "Núcleo 1" da acusação, rejeitando todas as preliminares levantadas pelas defesas, como alegações de suspeição dos ministros, incompetência da Corte e nulidades relacionadas à colaboração premiada de Mauro Cid.
Na etapa seguinte, em julho de 2025, a PGR apresentou alegações finais em peça de 517 páginas, pedindo a condenação de todos os réus pelos crimes narrados na denúncia. O órgão classificou Bolsonaro como líder da organização criminosa e principal articulador das ações golpistas.
Veja a linha do tempo:
Um ponto específico diz respeito ao deputado Alexandre Ramagem.
Em razão do foro parlamentar, a 1ª turma decidiu suspender o processo apenas quanto aos crimes patrimoniais a ele atribuídos, relacionados a fatos posteriores à sua diplomação.
Assim, ele segue respondendo por organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
- Processo: AP 2.668
Preso por outro processo
Importante destacar que a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro não está ligada à ação penal julgada pela 1ª turma.
Ela foi determinada por Alexandre de Moraes no Inq. 4.995 e na Pet 14.129, após descumprimento de cautelares.
Segundo o ministro, o ex-presidente utilizou aliados e familiares para difundir mensagens que configurariam coação ao STF e obstrução da Justiça.
Diante disso, as restrições foram convertidas em prisão domiciliar integral, com medidas adicionais, como proibição de visitas e de uso de celulares.
A decisão foi confirmada pela maioria da 1ª turma em plenário virtual.