A 3ª seção do STJ julgou procedente revisão criminal ajuizada por condenado a 10 anos e 6 meses de reclusão, em regime fechado, pelos crimes de peculato doloso, art. 312 do CP, e uso de documento falso, art. 304 do CP.
O colegiado acompanhou a divergência aberta pelo ministro revisor Joel Ilan Paciornik, reconhecendo que o réu foi condenado sem ser interrogado, em violação ao direito de autodefesa e às garantias processuais do acusado.
A defesa, representada pelo advogado Gustavo Badaró, sustentou que o acusado nunca foi ouvido no processo, embora tenha requerido o interrogatório por três vezes entre 2007 e 2012.
Os pedidos foram indeferidos sob o argumento de que, por ter sido revel no início da ação penal, o réu teria perdido o direito de ser interrogado, o que violaria os arts. 185 e 564, III, “e”, do CPP.
O relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro, votou pela improcedência da revisão criminal, afirmando que o STJ não tem competência para analisar revisão quando o ponto questionado não foi objeto de decisão no recurso especial julgado pela Corte.
Destacou que, embora a revisão criminal seja medida excepcional, é cabível apenas nas hipóteses taxativamente previstas no art. 621 do CPP, dispositivo que visa proteger a coisa julgada e a segurança jurídica.
Saldanha observou que o acórdão impugnado está em consonância com a jurisprudência do STJ, segundo a qual não há nulidade pela ausência de interrogatório de réu revel, quando este não requer o ato na primeira oportunidade após o comparecimento aos autos e não demonstra prejuízo efetivo.
"O requerente limita-se a reiterar tese de nulidade por ausência de interrogatório, indicando contrariedade aos mesmos dispositivos já analisados e sob idênticos fundamentos já rechaçados na decisão anterior.(...) O inconformismo da defesa busca rediscutir o mérito da condenação, o que não é possível pela via da revisão criminal. Apenas a ofensa manifesta ao texto legal permite a revisão da sentença, protegida pelo trânsito julgado, diante da necessidade de ponderar as garantias constitucionais."
Nulidade por violação ao direito de defesa
O ministro Joel Ilan Paciornik, revisor, abriu divergência ao afirmar que houve equívoco na compreensão dos fatos no julgamento anterior do STJ e destacou que a defesa requereu tempestivamente o interrogatório do réu antes do encerramento da instrução processual, após a entrada em vigor da lei 11.719/08, que alterou a ordem dos atos processuais.
Segundo o revisor, o indeferimento do pedido, sob fundamento da revelia, suprimiu o direito de autodefesa, configurando nulidade absoluta. Citou precedentes do STF e do STJ segundo os quais a ausência de interrogatório do réu presente em audiência viola o art. 564, III, “e”, do CPP, sendo causa de nulidade processual.
Para o ministro, impedir que o acusado fosse ouvido em juízo comprometeu o exercício pleno da defesa e o próprio devido processo legal.
Com base nesses fundamentos, julgou procedente a revisão criminal para rescindir o acórdão anterior e anular o processo a partir da decisão que indeferiu o interrogatório.
Ato essencial
Os demais ministros da 3ª seção acompanharam integralmente o voto divergente.
O ministro Rogério Schietti Cruz reforçou o entendimento de que o interrogatório é ato essencial de autodefesa e direito fundamental do acusado. Para ele, o caso demonstrou erro material na origem do processo.
Schietti destacou que, ainda que a defesa não tivesse reiterado formalmente o pedido antes das alegações finais, o dever de ouvir o acusado subsiste como obrigação do magistrado.
“Mesmo que não houvesse um requerimento expresso anterior às alegações finais, ainda assim, antes da sentença, é dever do juiz dar oportunidade àquele que vai ser julgado de ser ouvido. É o direito mais sagrado do acusado de ter o seu dia perante a corte, de ser ouvido na sua autodefesa e poder, com isso, dar oportunidade ao julgador de ouvir a parte contrária.”
- Processo: RvCr 5.683