STJ: Interrogatório de adolescente deve ser o último ato da instrução
3ª seção destacou que o ato é instrumento de autodefesa e deve ocorrer após o adolescente conhecer todas as provas produzidas contra si, em respeito ao contraditório e à ampla defesa.
Da Redação
quarta-feira, 8 de outubro de 2025
Atualizado às 16:57
A 3ª seção do STJ, por unanimidade, fixou a tese do Tema 1.269, reconhecendo que o interrogatório do adolescente em procedimento de apuração de ato infracional deve ser realizado ao final da instrução, conforme o art. 400 do CPP.
O relator, ministro Rogério Schietti Cruz, destacou que o interrogatório não é mera formalidade, mas instrumento essencial de autodefesa, cuja efetividade depende de o adolescente ter conhecimento das provas já produzidas. Assim, apenas a realização do ato ao final da instrução assegura um processo penal justo e equilibrado, em conformidade com a CF.
Com esse entendimento, foi fixada a seguinte tese:
- Oferecida a representação, o juiz deve designar audiência de apresentação, voltada exclusivamente à análise da internação provisória e da remissão, que pode ser concedida a qualquer tempo antes da sentença;
- Nessa audiência inicial, é vedada a produção de provas, e eventual confissão não poderá, por si só, fundamentar a procedência da representação;
- Reconhecida a lacuna do ECA, aplica-se subsidiariamente o art. 400 do CPP, garantindo ao adolescente o interrogatório ao final da instrução, perante o juiz competente, após ter ciência do acervo probatório;
- O entendimento é válido apenas para instruções encerradas após 3/3/2016, e a nulidade deve ser arguida oportunamente, sob pena de preclusão.
A decisão tem efeitos retroativos a partir de 3 de março de 2016, data em que o STF, no HC 127.900, assentou que o dispositivo também se aplica aos ritos especiais.
 
 
Os casos paradigmas do Tema 1.269 são os Resps 2.088.626 e 2.100.005, ambos oriundos do TJ/RS.
No REsp 2.088.626, interposto pela Defensoria Pública, a defesa questionou a ausência de interrogatório ao final da instrução em processo por ato infracional análogo ao crime de roubo majorado.
Já no REsp 2.100.005, também proveniente do TJ/RS, a defesa contestou o rito adotado no juízo de origem, alegando violação aos arts. 152 do ECA e 400 do CPP.
Nos dois casos, as defesas sustentaram que as instâncias ordinárias confundiram a audiência de apresentação do adolescente (art. 184 do ECA) com o interrogatório judicial (art. 400 do CPP).
Argumentaram que essa inversão na ordem dos atos processuais violou a ampla defesa e o devido processo legal, pois o adolescente foi ouvido antes de conhecer as provas produzidas contra si.
Os recursos pleiteavam o reconhecimento da nulidade processual, com a consequente realização de novo interrogatório, apresentação de alegações finais e prolação de nova sentença, observando-se o devido processo legal.
Preservar garantias fundamentais
O ministro Rogério Schietti Cruz iniciou seu voto contextualizando a mudança de entendimento do STJ sobre o tema. Antes, prevalecia a compreensão de que o procedimento do ECA possuía rito próprio, bastando a audiência de apresentação prevista no art. 184, destinada à análise da internação provisória e da possibilidade de remissão, sem previsão de interrogatório ao final da instrução.
O relator destacou, contudo, que a jurisprudência evoluiu para adequar o procedimento aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, evitando tratamento mais rigoroso aos adolescentes do que o aplicado a adultos.
A mudança consolidou-se no julgamento do HC 769.197, quando a 3ª seção do STJ firmou a necessidade de aplicar o art. 400 do CPP ao procedimento previsto no ECA.
Segundo Schietti, o Estatuto deve ser interpretado de forma sistemática e harmônica com a CF, que garante aos acusados o direito ao contraditório e à ampla defesa, incluindo o acesso prévio às provas que embasam a acusação. Assim, a lacuna do ECA quanto à ordem dos atos instrutórios deve ser suprida pela aplicação subsidiária do art. 400 do CPP.
Nesse contexto, ressaltou que o adolescente processado por ato infracional não pode ter menos garantias que um réu adulto, sob pena de violação ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente.
"O interrogatório há de ser visto como um meio de defesa e precisa ser realizado como o último ato instrutório, a fim de que o representado tenha condições efetivas de influenciar a convicção judicial. Esta ordem de produção da prova preserva os direitos e as garantias dos adolescentes, os quais não podem ser tratados como meros objetos da atividade sancionadora estatal e nem serem tratados de forma pior do que os adultos."
Modulação dos efeitos
O relator propôs modular os efeitos da decisão, fixando como marco temporal 3 de março de 2016, data em que o STF, no HC 127.900, firmou o entendimento de que o art. 400 do CPP também se aplica aos ritos especiais.
A partir dessa data, a realização antecipada do interrogatório em procedimento de apuração de ato infracional gera nulidade, desde que o vício seja arguido tempestivamente, sob pena de preclusão.





