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Registralhas

Análises do Direito Notarial e Registral.

Vitor Frederico Kümpel
terça-feira, 17 de setembro de 2013

Desvendando o registro de títulos e documentos

O Registro de Títulos e Documento no Brasil é ainda uma serventia pouco discutida e desconhecida para muitos. Este artigo tem por objetivo propiciar uma ideia geral do funcionamento deste tipo de Ofício de Registro, num primeiro momento de forma mais genérica, a fim de dar base àqueles que pouco conhecem e que ainda não tiveram oportunidade ou não se deram a chance de observar com mais acuidade essa nobre função registral. A história nos mostra que desde muito cedo o homem mostrou uma preocupação, até em certa medida exacerbada, com a perpetuação dos atos e fatos relevantes1, um dos corolários da segurança jurídica que decorre da conservação de papéis e documentos com o fim de serem conhecidos e evocados ainda que com o objetivo meramente histórico que de toda sorte garante lastro e um bom funcionamento para a sociedade. No Brasil, o livro das Ordenações do Reino (filipinas), de 1603, já atribuía aos Tabeliães de Notas a função de registrar os determinados atos e documentos. Foi apenas em 1903, na cidade do Rio de Janeiro que instituiu-se o serviço público, prestado por meio de ofícios privados e vitalícios, responsável pelo registro facultativo de títulos e documentos para autenticidade e conservação do conteúdo neles expresso2. Devido à sua extrema importância, outros Estados acabaram por instituir, após um curto período de tempo, o mesmo tipo de ofício em seus respectivos territórios. São Paulo, por exemplo, o fez em 19063. O monumental Código Civil Bevilaqua (1916) disciplinou nos artigos 129 e seguintes a questão da prova do negócio jurídico, incluindo em seu texto o registro de títulos e documentos em cartórios, bem como regulando a maneira de fazê-lo. Uma série de pequenas mudanças ocorreram ao longo do tempo até a edição da Lei nº 6.015/73, Lei dos Registros Públicos, vigente até hoje e que trata do Ofício de Registro de Títulos e Documentos em seus artigos 127 e seguintes. Tendo em vista, portanto, o precoce surgimento do Registro de Títulos e Documentos no Brasil, conhecido carinhosamente por RTD ou TD, bem como a sua regulamentação sobre o tema, resta salientar a importância que este tipo de registro tem e quais suas características principais. A própria lei 8.935 de 18 de novembro de 1994 determina no artigo 5º que o Ofício de Registro de Títulos e Documentos está sempre agregado ao Ofício de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. O particular que procura uma das especialidades encontra naturalmente a outra. As duas serventias em boa parte dos "cartórios" estão anexadas ao Registro de Imóveis ou a outra especialidade ainda. Primeiramente, deve-se perceber que o Registro de Títulos e Documentos é facultativo. Entre as características do RTD sobressalta a sua facultatividade, ou seja, a pessoa não é obrigada a praticar ali o ato registral, porém o faz para perpetuação do documento. Existem, porém, algumas situações que o registro no RTD é obrigatório para produzir efeito junto a terceiros, como ocorre, por exemplo, com as alienações fiduciárias de bens móveis. Sendo então facultativo, surge a pergunta: Por que, então, registrar em RTD? Ora, vários são os motivos que levam as pessoas a buscarem esse tipo de serventia, sendo o primeiro deles a segurança jurídica, conforme já mencionamos. O Registro de Títulos e Documentos é um modo de garantir, eternamente, a autenticidade do documentos, a sua conservação, publicidade e mesmo segurança do documento original. O registro permite ainda que sejam feitas cópias do documento, a qualquer tempo, que terão o mesmo valor do documento original, propiciando assim tranquilidade e garantia para aqueles que buscam esse tipo de serviço. É possível levar ao RTD qualquer documento que entenda importante ou queira garantir sua conservação. Os documentos mais registrados no entanto são: os contratos, as notificações extrajudiciais, as atas de condomínio, os documentos estrangeiros, os testamentos particulares, as declarações de vontade, os projetos, entre outros. Para realização dos Registros basta apenas separar os documentos que você necessita registrar, juntamente com cópias simples de cada um deles e leva-los ao RTD. O procedimento é rápido, tendo em vista que a Lei dos Registros Públicos ainda estabeleça um prazo de 20 dias da assinatura para a devida realização do registro. Outra característica importante do RTD é a sua subsidiariedade. Isso significa que qualquer documento ou título que não tenha ingresso em outra especialização (Registro de Imóveis, Registro Civil das Pessoas Naturais, Tabelionatos) pode ser registrado no RTD. Apenas não é possível registrar no RTD documentos que não tiverem ingresso em outro ofício por estarem irregulares, já que o RTD, assim como os demais ofícios de registro, gera para a população uma presunção de lisura. Outro ponto importante que não podemos deixar de mencionar é o fato do RTD estar na vanguarda do nosso mundo informatizado. Neste contexto encaixa-se a era digital e os documentos digitais. É possível registrar documentos original e unicamente digitais? É possível a emissão de certidões exclusivamente digitais? Sobre o assento de documentos originalmente digitais é possível sim realizar o seu registro, desde que seja possível materializar o documento em vernáculo, garantindo que o oficial tenha conhecimento de seu conteúdo e, assim, possa realizar o ato registral4. Não haveria o por que excluir este tipo de documentos das atribuições do RTD, visto que o ambiente digital é cada vez mais próprio da sociedade pós-moderna, estando o registro apto a garantir segurança e autenticidade, inclusive com assinatura digital. A via digital também pode sim ser utilizada para a emissão de certidões que para proteção de terceiros e usuários têm validade restrita a 30 dias da emissão do documento. A referida restrição existe na medida que os documentos são suscetíveis de mudança no tempo. Portanto o RTD na busca de efetividade vem se adaptando às mudanças sociais para introduzir um registro ágil e moderno, prestando um serviço que visa atender aos anseios sociais, lembrando que o RTD é o registro da propriedade mobiliária que por sua própria qualidade é bastante mutável ao longo do tempo. No Estado de São Paulo criou-se o CDT - Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos, uma iniciativa dos dez Oficiais Registradores da especialidade na Capital de São Paulo, com o objetivo de oferecer excelência na prestação do serviço de Registro de Títulos e Documentos. No Rio de Janeiro criou-se o CERD - Central de Registro de Documentos, uma associação de Registradores de Títulos e Documentos que tem como objetivo dignificar a atividade registral prestando serviços como atendimento ao cliente, plantão de dúvidas, distribuição etc. Percebe-se assim que houve uma mobilização dos Registradores no sentido de divulgar melhor a atividade realizada e conscientizar mais a população sobre a necessidade do Registro de Documentos. A compreensão do funcionamento deste tipo de serventia faz-se, assim, extremamente importante e útil para os operadores do Direito que podem utilizar os serviços dessa especialidade para garantir aos interessados e à população uma melhor distribuição de justiça. Oportunamente trataremos de algumas questões um pouco mais intricadas desta serventia. __________ 1"Registros Públicos e Segurança Jurídica", Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, pág. 76 2REGO, Paulo Roberto de Carvalho. O registro de títulos e documentos: um instrumentos jurídico para segurança da sociedade. 3Ver notas 2. 4Vide notas 2.
Muito tem se discutido sobre a eficácia das normas e disposições que regem tanto a atividade notarial e registral como os meios de delegação de tais funções. Sempre gerou polêmica o disposto no artigo 236, § 3º, inclusive no que toca o período máximo de vacância, sem abertura de concurso, por até 6 meses. O exercício da atividade dos notários e registradores não tem origem muito clara na história. No Brasil não existe um estudo aprofundado sobre a origem histórica da atividade notarial e registral, bem como a forma de delegação advinda de nossas raízes lusitanas. Sabe-se, no entanto, que, desde os primórdios do que se denomina "sistema cartorial", a atividade era atribuída ao Estado por meio das capitanias hereditárias, remanescendo o governo responsável pela manutenção desses serviços1. Pouco a pouco, de forma difusa, foram surgindo normas que buscavam regulamentar as diversas funções sem se preocupar em sistematizar as várias modalidades de serventias (RCPN, RI, RTD, Tabelionato de Notas, Tabelionato de Protesto) nem ao menos legitimar a forma de delegação. Segundo Celso Bastos, foi em 1820 que as serventias se consolidaram como órgão estatal de titularidade concedida de forma vitalícia a um particular2. Tal entendimento tornou-se norma constitucional com a redação do disposto no art. 187 da Constituição Federal de 1946. Mais tarde, em 1969 a Emenda Constitucional de nº 1 tirou o caráter de prestação de serviços da atividade e tornou-a diretamente regulada pelo Estado, ainda que sujeita à normatização por Lei complementar. A dispensa da Lei complementar para determinar os parâmetros e definir as normas que iriam reger a atividade notarial e registral sobreveio com a Emenda Constitucional nº 22 de 1982. Contudo, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 236 acabou por definir, novamente, a atividade notarial e registral como sendo púbica porém prestada em caráter privado, tendo, portanto natureza "sui generis" trazendo grande confusão entre os administrativistas que procuravam elencar a atividade como "de particular em colaboração com o poder público". O art. 236 da Constituição Federal, além de determinar que as serventias exercem atividade pública em caráter privado delegou à Lei Federal (Lei 8.935/94) a competência de disciplinar a atividade e fixar a responsabilidade, estabelecendo ainda, após muita controvérsia, que compete ao Poder Judiciário dos estados a regulação e a fiscalização das diversas delegações. É bom reparar que toda essa normatização constitucional está presente no Título IX "Das disposições constitucionais gerais", porque o legislador constitucional não encontrou um capítulo melhor para arrolar a atividade. Como já dito, o § 3º procurou definir a forma de legitimidade para o exercício da atividade: concurso público, tanto para o ingresso por provimento quanto para ingresso por remoção, lembrando sempre que a atividade é função, portanto nunca geradora de cargo. Muito se pretendeu, durante esse período (1988 até hoje), legitimar os atuais interinos por meio da PEC3 que iria suprimir concursos, porém, para a felicidade geral (menos dos próprios interinos), jamais foi aprovada. Não obstante o texto constitucional seja de clareza meridiana ao determinar que cada Estado da federação, por meio do Poder Judiciário, tenha a incumbência de realizar concurso a cada 6 meses, muito se discutiu nesses anos todos sobre a inefetividade do prazo semestral do concurso bem como sobre a possibilidade de, nos concursos de remoção, ser realizado apenas o exame de títulos. Como já dito acima, por mais incrível que possa parecer, após 25 de vigência constitucional, por força da incidência de um § 3º que em nenhum momento exigiu regulamentação por lei, só o Estado de São Paulo está indo para o seu nono concurso. Muitos estados da federação ainda não realizaram nenhum concurso público, ou realizaram apenas um, o que demonstra a resistência corporativa na realização do concurso, prova disso é a insistência para que a remoção seja apenas decorrente da aferição de títulos. A lei previu que não poderia destituir todos os titulares das serventias e renomear novos titulares a partir de concursos. Por este motivo é que o art. 504 da lei 8.935 de 1994 prevê que, apenas uma vez vacantes, os serviços notariais e de registro estatizados passarão automaticamente a estar submetidos ao regime da própria Lei 8.935/94. É bom mencionar que, sob o texto constitucional 17/695, já havia sido garantido direito adquirido a muitos titulares que não haviam prestado concurso nenhum. Por força de um continuísmo histórico, quase unanimidade dos Estados retardou a realização de concurso ou realizou apenas um concurso ou mesmo nunca os realizou. Fato que o número de concursos chega a ser insignificante quando comparado ao número de anos (25) de vigência da Lei e quando considerada a obrigação da serventia não ficar vaga por mais de 6 meses. As serventias continuaram, para esses Estados, como verdadeiras capitanias hereditárias (transmitidas de pai para filho) e continuaram a honrar as "tradições" luso-cartoriais. Todos esse estado de coisas obrigou o Conselho Nacional de Justiça a editar a Resolução 81, em 9 de junho de 2009.  Assim, 21 anos após a vigência constitucional, a foi a Resolução 81 que passou a regular o modelo de concursos para o Brasil todo, nos moldes desenvolvidos por São Paulo desde 1999. Vale lembrar que o CNJ tem controlado não só a realização dos concursos, mas a maneira como as provas têm sido desenvolvidas pelos Estados. Tudo na busca da moralidade e eficiência dos referidos concursos. É bom citar como exemplo o Procedimento de Controle Administrativo decidido pelo Ministro Joaquim Falcão6 sobre uma serventia em Goiás. Trata-se de um caso em que houve remoção de um Oficial de serventia extrajudicial por decreto judicial e o voto do Ministro reitera a "necessidade inafastável, conforme determinação constitucional, de realização de concurso público para provimento de serventias extrajudiciais após 1988, para ingresso ou remoção", determinando o retorno do Oficial para a última serventia que havia assumido de acordo com a norma na época vigente. Ainda como exemplo, Goiás é um dos Estados que mais demonstra resistência para realização de concursos. Os primeiros concursos do Estado referido para o exercício da função notarial e de registro são datados de 2006, ou seja, mais de 15 anos depois da promulgação da Constituição. Além da demora em realizar concursos, há ainda a natural dificuldade de prover serventias remotas e deficitárias. É bom lembrar nesse ponto que é obrigação do estado federativo, na figura do Poder Judiciário e por meio de lei de iniciativa deste mesmo Poder, reorganizar a atividade notarial e registral e unificar serventias deficitárias com as não deficitárias para gerar interesse aos candidatos pelo concurso e, por via de consequência, prestar um serviço de boa qualidade. Outro estado que demonstrou resistência ao dispositivo constitucional aqui estudado foi o da Bahia. Apenas agora, em 2013, a Bahia realiza o seu primeiro concurso para delegação da função notarial e de registro. É bom lembrar que as serventias eram todas estatizadas descumprindo mandamento constitucional por 25 anos. Os efeitos do concurso são de melhorar a qualidade dos serviços e desonerar o Estado. Como já dito, por incrível que pareça passados 25 anos de vigência e eficácia do texto constitucional são raros os Estados que têm realizado os concursos pelo menos nos moldes da resolução 81 do CNJ, observando o prazo de um ano estabelecido para iniciar e findar o concurso. A boa notícia é que o Ministro Francisco Falcão, Corregedor Nacional de Justiça, exigiu a abertura de concurso no prazo de três meses7 e, recentemente, deu um ultimato para que os últimos estados da federação que não abriram concurso procedam a abertura em 30 dias8. Deste modo, está ocorrendo finalmente uma uniformização no que toca à efetividade constitucional legalidade e moralidade e as serventias extrajudiciais aos poucos, por meio de profissionais extremamente tarimbados estão cumprindo o papel social que a sociedade dela reclama. __________  1Artigo disponível: (Clique aqui)   2BARBALHO, Gilsomar Silva. Critérios para a instalação de cartórios de Registro de Imóveis. Estudo realizado pela consultoria legislativa, 2006.   3PEC 471/2005 "PEC dos cartórios".   4Lei 8.935/94, art. 50: "Em caso de vacância, os serviços notariais e de registro estatizados passarão automaticamente ao regime desta lei"   5Emenda Constitucional 17/69, art. 153: "A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (..) § 3º A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".   6Procedimento de Controle Administrativo 20091000011895. Requerente: José Ferreira de Paiva. Requerido: Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.   7Site do CNJ.   8Site do CNJ.
Cumprindo a promessa feita em nosso último artigo, hoje trataremos da averbação premonitória, importante ferramenta introduzida pela lei 11.382/2006, que, dentre outras inovações, permitiu ao credor/exequente, no ato da distribuição da ação de execução, obter certidão comprobatória de seu ajuizamento, com identificação das partes e valor da causa, e averbá-la perante registro de imóveis. Trata-se de mais uma ferramenta que tem por escopo, prestigiar o princípio da boa-fé objetiva, previsto no artigo 113 do Código Civil e reforçar, ainda mais, os princípios da segurança e eficácia dos atos jurídicos levados a registro/averbação perante o Registro de Imóveis, à luz do artigo 1º da lei 6.015/73 e da lei 8.935/94. A averbação premonitória traz dupla garantia: - Primeira: ao exequente, vez que labora a seu favor a presunção relativa de que aqueles que adquirirem determinado bem imóvel, após a averbação da distribuição da ação executiva à margem da matrícula, foram advertidos da sua existência, assumindo, destarte os riscos de tal negócio jurídico, e por tal razão, não poderão valer-se da singela alegação de terceiro de boa-fé, presumindo-se, destarte, a existência de fraude à execução, na medida em que a consulta ao fólio imobiliário é obrigatório. - Segunda: aos pretendentes à aquisição do imóvel, garantindo-lhes a ciência de que o imóvel pertencente ao devedor/executado poderá ser objeto de alienação judicial em ação executiva, de modo a tornar público a relevante situação de risco que recai sobre o bem, atingindo, destarte, as fases "pré" e "pós" contratual, nos exatos termos do artigo 422 do Código Civil. A publicidade de tal ato, perante o Registro de Imóveis, impõe aos terceiros adquirentes do imóvel, sobre o qual consta a averbação premonitória, a assunção dos riscos de sua empreitada, gerando a chamada presunção relativa da inexistência de boa-fé, com a inversão do ônus processual da prova em desfavor do terceiro, dada a presunção de fraude (princípio da ambulatoriedade) Nesse sentido, portanto, caberá ao novo adquirente a difícil prova de que, malgrado existir a averbação do ajuizamento da ação de execução, ainda assim, teria celebrado o negócio jurídico, na condição de terceiros de boa-fé. Portanto, é graças à publicidade (cientificação dos terceiros) dos atos registrados/averbados perante o Registro de Imóveis que se garante a segurança (ou a insegurança dos incautos) dos negócios jurídicos realizados. Tal circunstância, porém, não é novidade em nosso ordenamento jurídico. Em 1.893, o decreto 177-A, que regulava "a emissão de empréstimos em obrigações ao portador (debentures) das companhias ou sociedades anônimas" já estabelecia o dever dos diretores da sociedade de requerer imediatamente a inscrição dos bens oferecidos em hipoteca a benefício da comunhão dos futuros portadores dos títulos, sob pena de pena de responderem por perdas e danos perante os prejudicados pela demora. Reconhecia-se, há mais de 120 anos atrás, a importância de se dar publicidade a terceiros acerca dos atos que pudessem recair sobre bens imóveis, de modo a fixar-se a responsabilidade em razão dos negócios jurídicos posteriormente celebrados. A vigente lei dos Registros Públicos (lei 6.015/73) também prevê, peremptoriamente, que a averbação da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior. O artigo 167, I, 21, combinado com o artigo 169, ambos da referida lei de Registros Públicos, também prevê a obrigatoriedade do registro das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis; O Superior Tribunal de Justiça1, dois meses antes da publicação da lei 11.382/2006, confirmou a possibilidade de averbar-se o protesto contra alienação de bens no registro imobiliário, em razão do poder geral de cautela do juiz, disciplinado no art. 798 do Código de Processo Civil, "pela necessidade de dar conhecimento do protesto a terceiros, servindo, desse modo, como advertência a pretendentes à aquisição dos imóveis do possível devedor, resguardando, portanto, os interesses de eventuais adquirentes e do próprio credor". Ou seja, antes mesmo da inovação introduzida pelo artigo 615-A, já contávamos com os "textos legislativos antepassados" que atribuíam ao Registro de Imóveis a responsabilidade de, fielmente, garantir aos interessados um repositório oficial de premonição de riscos sobre as transações imobiliárias. Portanto, demonstrada a árvore genealógica onde se insere o artigo 615-A, fica mais uma vez evidenciada a tendência (e dever do Estado) de se garantir maior efetividade aos processos executivos judiciais e conferir plena transparência aos negócios imobiliários, notadamente, no que toca à intenção daqueles que o celebram. Importa destacar que nenhum desses atos tem o condão de retirar a coisa do comércio, vez que não resultam em indisponibilidade do bem, tampouco impedem a circulação e criação de riquezas, na medida em que o proprietário permanece com todos os direitos de propriedade, podendo usar, gozar e dispor do bem. Aqui o leitor mais afoito poderá perguntar: de que vale a averbação premonitória se o bem poderá circular livremente? Respondo: a existência de averbação premonitória afeta diretamente a distribuição do ônus da prova processual, conforme já esclarecido nos parágrafos anteriores, cabendo ao adquirente o ônus de comprovar que agiu de boa-fé, ante a presunção que milita em seu desfavor, acerca do conluio havido com o devedor, visando prejudicar o direito do exequente, conforme expressa previsão contida no parágrafo terceiro do artigo 615-A do Código de Processo Civil ("Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593)"). Dada a importância do tema e seus reflexos no processo civil, ouso dirigir-me ao leitor que não mantém intimidade com a matéria, para esclarecer que a operacionalização da averbação premonitória é de extrema simplicidade. Explico: para que se proceda a averbação basta observar os requisitos previstos no parágrafo primeiro do artigo 246 da lei 6.015/73, que estabelece: a) que o requerimento do interessado deve ter firma reconhecida; b) instruído com documento dos interessados, com firma reconhecida; c) documento comprobatório fornecido pela autoridade competente, que, no nosso caso, pode ser a certidão do Distribuidor. Em razão da observância dos princípios da continuidade e especialidade registral, o interessado deverá indicar, no requerimento, a indicação das matrículas e transcrições de propriedade do executado. Concretizada a averbação, o exequente deverá, no prazo de 10 dias, comunicar ao juízo as averbações efetivadas, conforme previsto no parágrafo primeiro do artigo 615-A do CPC. Questão relevante e que merece menção, é a possibilidade de averbação premonitória, ainda que sua indisponibilidade do bem tenha sido decretada por determinação judicial pretérita. O E. Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, já firmou o entendimento de que é possível realizar a averbação premonitória, para conferir publicidade à constrição2. Por fim, resta destacar a questão acerca dos emolumentos decorrentes de tal ato, que, deve ser considerado como averbação de valor não declarado, conforme estabelecido no Parecer dos Ilustres Juízes Auxiliares da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, preferido no Processo 2009/1267923. Por essa razão, dada a clareza e objetividade características da atuante Corregedoria Paulista, transcrevemos o trecho final do Parecer que bem resume as peculiaridade do ato registral que: "deverá ser efetuada por certidão oriunda do Ofício Judicial ou do Distribuidor de que constem os nomes das partes, suas qualificações e menção ao art. 615-A do Código de Processo Civil ou à ordem judicial quando necessária, com apresentação pela parte, por seu advogado, ou por terceiro devidamente autorizado, com o indispensável arquivamento da identificação do requerente, como ato sem valor". Estes, caros leitores, são os principais aspectos dessa valiosa ferramenta cuja extraordinária importância é proporcionalmente inversa à simplicidade do procedimento, circunstância que explica a sua crescente utilização pelos exequentes e merece especial e crescente atenção dos advogados de modo a impedir a dissipação patrimonial e garantir a eficácia da ação executiva. Encerramos aqui nosso breve artigo, firmando o compromisso de que para nosso próximo tema, trataremos de algo que tem despertado inúmeras polêmicas: a publicidade ativa e passiva do registro de imóveis. Até lá. __________ 1Recurso Especial 695.095/PR - Relatora: NANCY ANDRIGHI 2Decisão 1ª VRPSP - Julgado em 25/2/2010, Publicado em 26/5/2010. Processo 100.09.336887-8/SP Relator: Gustavo Henrique Bretas Marzagão. 3Certidão referida no art. 615-A do CPC, último acesso em 28/7/2013.
Em 29 de novembro de 2010, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 125 que, dentre seus "considerandos", sedimentou o entendimento de que cabe ao Poder Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação.Confirmou, ainda, o sentimento, que há muito tempo tem acalentado magistrados e jurisdicionados, de que conciliação e  mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina, em programas já implementados no país, tem reduzido: a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças.Nessa linha de pensamento, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, representada pelo Ilustre Desembargador Renato Nalini, publicou o provimento 17/2013 que autoriza registradores e notários  a praticarem atos de conciliação e mediação em suas serventias.De acordo com esse Provimento, os notários e registradores (ou seus prepostos expressamente autorizados) poderão realizar mediação e conciliação, devendo realizá-las em sala ou ambiente reservado e discreto, nas Serventias de que são titulares, durante o horário de atendimento ao público, desde que tenham por objeto, apenas direitos patrimoniais disponíveis.Caracterizada pela prudência redacional de seus Provimentos, a CGJ/SP houve por bem consignar, expressamente, os princípios norteadores da atuação do titular da delegação ou de seu preposto, cujo teor convém transcrever: "I Confidencialidade - dever de manter sigilo sobre todas as informações obtidas, salvo autorização expressa das partes, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo ser testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese; II Decisão informada - dever de manter o usuário plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido; III Competência - dever de possuir qualificação que o habilite à atuação, observada a reciclagem periódica obrigatória para formação continuada; IV Imparcialidade - dever de agir com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito, assegurando que valores e conceitos pessoais não interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a realidade dos envolvidos no conflito e jamais aceitando qualquer espécie de favor ou presente; V Independência e autonomia - dever de atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento, tampouco havendo dever de redigir acordo ilegal ou inexequível; VI Respeito à ordem pública e às leis vigentes - dever de velar para que eventual acordo entre os envolvidos não viole a ordem pública, nem contrarie as leis vigentes; VII Empoderamento - dever de estimular os interessados a aprenderem a melhor resolverem seus conflitos futuros em função da experiência de justiça vivenciada na autocomposição; VIII Validação - dever de estimular os interessados perceberem-se reciprocamente como serem humanos merecedores de atenção e respeito".  Porém, por silenciar acerca da necessidade das partes estarem representadas por advogados, tal medida ensejou a imediata manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil/SP, que ingressou com Pedido de Providências junto ao Conselho Nacional de Justiça (procedimento 0003397-43.2013.2.00.0000), contra tal Provimento, solicitando, inclusive, a sua suspensão liminar. O pedido de suspensão foi indeferido pelo Conselheiro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, que entendeu não estar presente o requisito do periculum in mora.Segundo consignado na decisão que indeferiu o requerimento liminar, a OAB/SP afirmou, em seu Pedido de Providências, que a CGJ/SP teria extrapolado suas funções delegando às serventias extrajudiciais competências que só lhes poderiam ser cometidas por legislação específica, no caso, a lei 6.015/73. Afirmou, ainda, que o referido Provimento, ao olvidar a necessidade de participação de um advogado nas conciliações e mediações de que trata, contraria a tendência manifestada pela redação dada ao § 2º do art. 1.124-A do Código de Processo Civil pela lei 11.965, de 2009, que previu a necessidade de assistência de advogados nos atos relacionados às separações e divórcios consensuais e que ao tratar da Política Judiciária Nacional, por meio da resolução 125, o Conselho Nacional de Justiça também não delegou aos cartórios competência para atuarem nos meios alternativos de resolução de conflitos, não sendo possível que, por meio de um Provimento, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo regulamente o tema, descurando da necessária intervenção de um advogado.Sem adentrar ao mérito do Pedido de Providências, tampouco discorrer acerca das questões de ordem formal, tal discussão relembrou-me questão semelhante, quando da edição da lei 9.099/95, que também provocou acalorada discussão na comunidade jurídica, culminando na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1539/STF), que em breves linhas, decidiu que: "não é absoluta a assistência compulsória do profissional da advocacia em juízo. Evidentemente que não é o caso de negar-se a importância que tem o advogado no dever constitucional de assegurar aos cidadãos o acesso à jurisdição, promovendo, em sua integralidade, o direito de ação e da ampla defesa"1. No mesmo julgamento, consignou-se, ainda, que "o dispositivo em causa apenas faculta à parte demandar ou defender-se pessoalmente em juízo, porém, em momento algum veda a constituição de advogado".Parece-me, que o recente Provimento também não traz, expressamente, qualquer vedação relativa à assistência de advogado.A par da discussão gerada pela edição da lei 9.099/95, pode ser lembrada, ainda, a acalorada discussão acerca da constitucionalidade da lei de Arbitragem, nos autos do julgamento do Agravo Regimental na Sentença estrangeira 5.206-7 Reino da Espanha, sendo certo que segundo o entendimento, majoritariamente, adotado não havia a mencionada mácula.Bem, feita esta breve incursão nos conflitos gerados pela adoção de medidas conciliatórias e desjudicializantes, retomo a controvérsia acerca do provimento 17/2013. Esclareço, caros leitores, que tal provimento não tem o condão de "impor" aos cidadãos paulistas a obrigatoriedade de submeterem-se à conciliação ou mediação extrajudicial, celebrada pelo Notário ou Registrador, mas sim , oferta ao "futuro jurisdicionado" mais um serviço que visa solucionar, de modo eficiente, ágil e seguro os conflitos relativos a direitos disponíveis, seguindo a tendência de vários países de desjudicializar os conflitos, desafogando a máquina do Poder Judiciário, sem perder de vista o direito das partes à ampla defesa e ao contraditório.A propósito do tema, ensinou o saudoso José Frederico Marques: "Assim como o Estado, por estar em foco o direito disponível, deixa que os interessados solucionem, através da transação, suas desinteligências recíprocas, nada há de estranhável que, também, autorize, esses mesmos interessados, a submeterem a resolução do conflito a outras pessoas, em lugar de levarem, através da propositura da ação a juízes e tribunais"2.  Com efeito, não se pode olvidar que caberá aos notários e registradores (que também possuem formação jurídica) atuar de forma autônoma, imparcial e independente, devendo recusar a celebração de qualquer acordo que viole a ordem pública ou contrarie as leis vigentes.Daí, porque deposito minha sincera confiança nessa nova empreitada, certo de que as partes terão garantida a imparcial, eficiente e comprometida atuação do Registrador ou Notário, na celebração de acordos exequíveis e, sobretudo, subordinados aos estritos limites do permissivo legal.Importa consignar, ainda, que a parte contrária não estará obrigada a atender a convocação do Notário ou Registrador, tampouco estará obrigada a celebrar qualquer acordo, ante o princípio da autonomia da vontade privada.Destarte, o recente provimento representa o interesse comum da população brasileira, na busca da rápida, eficaz e dinâmica realização do direito, no qual a solução do conflito deve se dar de forma imediata, garantindo-se o prestigio aos princípios da efetividade e da celeridade da pacificação social.Por tais motivos, não obstante as discussões já existentes acerca do prov. 17/2013 e as que ainda estarão por vir, reputo que a medida adotada vai ao encontro da tendência desjudicializadora da resolução de certos conflitos (desde que se refiram a direitos disponíveis) e poderá contribuir sobremaneira para uma substancial redução do volume de processos, que sobrecarrega o Poder Judiciário, liberando o magistrado para se ocupar das questões que, efetivamente, justifiquem sua atuação, permitindo aos interessados a rápida e eficaz solução.Encerro este meu artigo, louvando a nobre atuação dos advogados paulistas, profissionais altamente comprometidos com seu ofício e, que, tal qual disposto no artigo 131 da Constituição Federal, são indispensáveis à prestação jurisdicional, porém não posso silenciar-me diante da acalorada discussão gerada em torno do Provimento 17/2013 e engrossar as filas daqueles que a apoiam, posto representar um extraordinário avanço na busca de uma Justiça mais célere e eficaz.Convido nosso amigo leitor a permanecer conosco, acompanhando nossos artigos, e antecipo que o próximo tema tratará da averbação premonitória, essa importante ferramenta que confere maior celeridade e agilidade ao processo executivo.__________1ADI 1.5392José Frederico Marques in "Instituições de Direito Processual Civil", vol. V, Ed. Forense, Rio de Janeiro.
terça-feira, 23 de julho de 2013

A ata que não desata

Hoje, abordaremos uma importante questão que extrapola os limites dos serviços notariais e adentra as questões de ordem processual, notadamente, com relação à sua força probante. O tema de hoje é a importância da ata notarial, essa extraordinária ferramenta que visa pré-constituir uma prova, pois, poderá ser utilizada em um processo judicial ou procedimento extrajudicial. O Tabelião de Notas tem crucial participação na feitura da mencionada ata notarial, e esta, muitas vezes, pode ser o "fiel da balança" na apreciação das pretensões deduzidas, pelas partes, em uma determinada ação. O artigo 364 do Código de Processo Civil (pouco explorado pelos operadores do Direito) reconhece a força probante do documento público, relativamente aos fatos declararados pelo tabelião, que ocorreram em sua presença, lembrando a todos que a estrutura dos fatos jurídicos abrange os fatos naturais (ordinários e extraordinários) e jurígenos ou humanos (voluntários e involuntários), ou seja, o tema desse "Registralhas", tem abrangência nesse universo jurídico. Todavia, mesmo diante da expressa previsão legal poucos são os advogados que se utilizam desse valioso instrumento para amparar e instruir suas alegações, especialmente, quando há controvérsia sobre um fato concreto, muitos preferem apostar suas fichas em depoimentos testemunhais. Não se pretende, aqui, desprestigiar o depoimento testemunhal, mas o que poucos consideram é que a força do tempo pode alterar, significativamente, nossa memória e aquilo que presenciamos hoje e descrevemos com riqueza de detalhes poderá não contar com a mesma descrição daqui a alguns meses. Façamos um breve exercício. Tente narrar o último filme que você assistiu. Se a película foi vista no último fim-de-semana, não tenha dúvida de que sua narrativa será a mais fiel possível, pois as cenas ainda estão presentes em sua memória. Contudo, sea mencionada película foi assistida há mais de um ano, com muita dificuldade, talvez você se lembre do título do filme e, com um pouco de boa vontade, traçará um brevíssimo resumo da estória, algo como "só lembro que no final eles se casam" ou ainda: "o galã reaparece, destrói o vilão e tudo acaba bem". Isso acontece com todos nós, inclusive quando testemunhamos um fato, que será objeto de um depoimento. Sabe-se que o testemunho de uma pessoa sobre um acontecimento está calcado essencialmente no tripé: percepção, memória e expressão do fato, elementos que nem sempre estarão presentes no momento em que o depoimento testemunhal for colhido e, especialmente, quando o lapso temporal entre o fato e o testemunho for muito extenso. A ata notarial, por sua vez, conta com a credibilidade de quem, de forma imparcial e fidedigna, relata os fatos no momento em que estes ocorreram, sem carga valorativa ou emocional. Some-se a isso, o fato de que a ata notarial é documento fidedigno, independentemente, do tempo transcorrido, mantendo o selo da fé-pública e a narrativa fiel daquilo que aconteceu há tempos atrás, permanece hígida e segura no livro do Tabelionato. A parônima do título deste "Registralha" ("A ata que não desata") não é apenas um recurso retórico ou uma mera figura estilística, mas um verdadeiro alerta à comunidade jurídica, vez que a ata notarial tem a função de, efetivamente, "atar" o fato à narrativa feita pelo Tabelião, reduzindo a termo e com fé pública as circunstâncias presenciadas pelo Notário (que o fará sem emissão de juízo de valor), documentando o ato e garantindo, aos interessados a materialização de um determinado acontecimento juridicamente relevante. Convém ressaltar que a finalidade da ata notarial não se resume à seara do processo civil, vez que também pode ser usada na esfera criminal. Imaginemos a hipótese dos crimes cibernéticos, cuja destruição da prova pode ocorrer com um mero "click", apagando, sem deixar rastros, tudo aquilo que existia, virtualmente, momentos atrás. Como agir de modo rápido e eficiente, sem se valer de uma medida judicial de produção antecipada de provas, que muitas vezes possa chegar ao conhecimento do infrator antes mesmo da realização da perícia? Respondemos. Basta solicitar ao Tabelião de Notas que lavre uma ata notarial na qual se descreva o conteúdo, o endereço virtual, demais características do site, blog ou página de uma rede social e os fatos juridicamente relevantes. Assim, desde pré-constituir a prova do recebimento de uma mensagem difamante, da divulgação de imagens ou vídeos injuriosos em redes sociais, ou ainda de um crime relativo a direito autoral, à concorrência desleal ou ao crime de pedofilia na internet, poderá a parte interessada fazer uso da ata notarial. Aliás, a possibilidade de lavrar-se ata notarial quando o objeto narrado constitua fato ilícito está expressamente prevista nas Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (Cap. XIV, Subseção IX, 140.1). Além do ambiente virtual, o tabelião também poderá lavrar a ata notarial para descrever fatos ocorridos em convenções, assembleias, reuniões, etc. Enfim, não fosse a nossa coluna destinada a debater "pílulas de informação" poderíamos descrever outras tantas finalidades da ata notarial, contudo não pretendemos extenuar nosso leitor, a quem pretendemos apenas demonstrar a importância do tema. Daí a razão deste artigo, que visa destacar a objetividade, facilidade e celeridade da ata notarial, quer seu destinatário seja o Juízo Cível, quer seja o Juízo Criminal, "atando" a fiel narrativa do fato com a respectiva declaração feita, de forma imparcial, pelo Tabelião. No que toca à atribuição para realizar tal ato, reportamo-nos à redação do inciso III, do artigo 7º da lei 8.935/94, que atribui ao Tabelião de Notas a competência exclusiva para lavrar ata notarial. Mas, o que pode e o que não pode constar da ata? De acordo com as disposições contidas nas Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (cap. XIV, subseção IX, item 138), a ata notarial conterá: local, data, hora de sua lavratura e, se diversa, a hora em que os fatos foram presenciados ou verificados pelo Tabelião de Notas; nome e qualificação do solicitante; narração circunstanciada dos fatos; declaração de haver sido lida ao solicitante e, sendo o caso, às testemunhas e assinatura e sinal público do Tabelião de Notas. O item 139 das Normas da Corregedoria estabelece, ainda, que a ata notarial poderá conter a assinatura do solicitante e de eventuais testemunhas; ser redigida em locais, datas e horas diferentes, na medida em que os fatos se sucedam, com descrição fiel do presenciado e verificado, e respeito à ordem cronológica dos acontecimentos e à circunscrição territorial do Tabelião de Notas; conter relatórios ou laudos técnicos de profissionais ou peritos, que serão qualificados e, quando presentes, assinarão o ato; conter imagens e documentos em cores, podendo ser impressos ou arquivados em classificador próprio. Responda: caro leitor, é ou não é uma extraordinária ferramenta probatória? Mas, a ata notarial não pode ser usada arbitrariamente, de forma a violar os direitos da personalidade, como invadir a privacidade alheia ou ferir direitos afetos à moral, à ética, aos costumes e à lei. Por essa razão, antes de aceitar o pedido da parte interessada caberá ao Tabelião ponderar acerca do quanto solicitado, sempre levando em conta que sua atividade, embora delegada, é de prestação de um serviço público destinado a toda a sociedade, circunstância que exige uma conduta imparcial, reta e, sobretudo, subordinada ao ordenamento jurídico, razão pela qual deverá recusar sempre que presentes fundados indícios de fraude. Dessa forma, a ata notarial conta com mais essa garantia, qual seja, a prévia análise do Tabelião de Notas acerca da viabilidade de lavrá-la ou não, conforme seja esta adequada ou contrária aos princípios constitucionais, legais, éticos e morais. Assim, quer pela sua importância como prova pré-constituída a ser utilizada em ação judicial, quer por sua reduzida utilização pelos operadores do direito, trouxemos esse tema à baila para o fim de parabenizar os advogados que já descobriram a importância desse instrumento, utilizando-o em suas demandas, e para convocar os demais a refletir sobre esse assunto e estudar, com carinho, a viabilidade da utilização da ata notarial. Encerramos nosso artigo, convidando nossos leitores a refletir sobre a oportuna asserção, que bem resume o que foi aqui abordado: "Os fatos só existem para a história quando são narrados e sobrevivem quando conseguem validarem-se como verdadeiros".1 __________ 1Castor M.M. Bartolomé Ruiz, Doutor em Filosofia. Coordenador da Cátedra Unesco "Direitos Humanos e Violência, Governo e Governança". Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. In "A testemunha e a memória. O paradoxo do indizível da tortura e o testemunho do desaparecido" - publicada na Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica - último acesso em 2/7/2013.
"Vamos dar aquela espiadinha?". Com essa pergunta, o apresentador do reality show "Big Brother Brasil" convida, ano após ano, os telespectadores a se deleitarem com a exposição da vida real de pessoas anônimas, bastando, para tanto que permaneçam em frente aos seus televisores, nada mais. Não, caro leitor, você não acessou a coluna errada, estamos no Registralhas, que tem por missão especial trazer reflexões, críticas, sugestões e aplausos para a atividade notarial e registral, contextualizando-a ao nosso dia a dia. Por essa razão, esclarecemos que o nosso "Big Brother Notarial" não é transmitido por nenhuma emissora de televisão, mas já está disponível na página virtual da CENSEC - Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados, criada e administrada pelo Colégio Notarial do Brasil - Conselho Federal (CNB/CF) e tem a finalidade de interligar as serventias notariais, permitindo o intercâmbio de documentos eletrônicos e o tráfego de informações e dados, permitindo o acesso direto de órgãos do Poder Público a informações e dados correspondentes ao serviço notarial. Essa nova ferramenta surgiu do Termo de Cooperação firmado entre a Corregedoria Nacional de Justiça e o Colégio Notarial do Brasil, em 8 de agosto de 20121 que culminou, vinte dias depois, no provimento 18/2012, em vigor desde 2 de janeiro de 2013. A partir de agora, o Poder Judiciário, o Ministério Público e órgãos do Executivo, como a Polícia Federal, poderão dar "aquela espiadinha" nos atos notariais praticados pelos Tabelionatos de todo o Brasil, permitindo o acesso às escrituras de compra e venda de imóveis, divórcios, procurações, etc., de forma rápida, ágil, segura e gratuita, bastando, para tanto acessar o site da CENSEC e informar o número do processo ou procedimento do qual originada a solicitação2. De acordo com o provimento 18, a obrigação de alimentar o CENSEC com as informações acerca dos atos notariais relativos às escrituras de compra e venda de imóveis, procurações etc., será do tabelião responsável pelo ato, que a partir de então assumiu mais essa incumbência, dentre outras tantas que desempenha diariamente. Diferentemente do programa de televisão, no qual vencedor é um dos integrantes da trupe, no "nosso" Big Brother o ganhador do prêmio é toda a sociedade, que clama por um combate efetivo à lavagem de dinheiro, à corrupção e ao desvio de dinheiro público. Tudo começou em 2009, quando a lei 11.977/09, que trata do programa Minha Casa Minha Vida, regularização fundiária e outros assuntos, trouxe uma exigência em seu artigo 37 prestigiando a atividade extrajudicial, ao exigir a obrigatoriedade da instituição de sistema eletrônico de registro, os quais devem atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico), bem como a disponibilização de serviços de recepção de títulos e de certidões em meio eletrônico. De olho nessa evolução tecnológica a ENCCLA3 (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro) em sua reunião plenária anual, resolveu deliberar a "AÇÃO 11", cujo objetivo era "criar mecanismos normativos para a interligação dos cartórios de notas informatizados, de acordo com o modelo do Colégio Notarial do Brasil"4. A partir de então, o Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil e o Conselho Nacional de Justiça celebraram um termo de acordo que ensejou a edição do provimento p18/2012, responsável pela criação da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados - CENSEC. Essa nova ferramenta tem por finalidade auxiliar autoridades públicas no combate aos crimes de lavagem de dinheiro, investigando eventual lavratura de procurações em nome de laranjas destinadas a realização de transações financeiras, abertura de empresas de fachada, simulações na transferência de propriedades ou qualquer ato civil praticado nos diversos cartórios espalhados pelo Brasil, obtendo-se o nome da pessoa, tipo de ato, o local em o ato foi lavrado e o valor patrimonial envolvido. O tema não poderia ser mais atual. Os últimos dias têm nos mostrado o descontentamento do povo brasileiro, que saiu pelas ruas em verdadeiras Cruzadas para levantar sua voz contra a corrupção sistêmica que há anos corrói parte de nossa classe política e empresarial, afetando o desempenho da máquina pública, em prejuízo a toda a coletividade, fomentando a desigualdade econômica e a exclusão social. Porém, é com grata satisfação que informamos ao nosso leitor que meses antes desse movimento popular, o CNB e o CNJ já se debruçavam sobre o texto do Provimento 18, para o fim de criar uma importante ferramenta no combate à corrupção, permitindo o aprimoramento dos serviços de notas, com a instrumentalização de iniciativas de interesse público, notadamente a informatização e a racionalização na busca de atos notariais, interligando os Tabelionatos entre si, bem como com o Poder Judiciário e demais órgãos públicos, de modo a viabilizar a rápida e segura informação sobre os atos praticados no cartório, por mais distante que esteja da autoridade investigadora/julgadora. Segundo o Provimento 18/CNJ, a CENSEC será composta pelos seguintes módulos operacionais5: - Registro Central de Testamentos On-Line - RCTO: destinado à pesquisa de testamentos públicos e de instrumentos de aprovação de testamentos cerrados, lavrados no país; - Central de Escrituras de Separações, Divórcios e Inventários - CESDI: destinada à pesquisa de escrituras a que alude a Lei n° 11.441, de 4 de janeiro de 2007; - Central de Escrituras e Procurações - CEP: destinada à pesquisa de procurações e atos notariais diversos. - Central Nacional de Sinal Público - CNSIP: destinada ao arquivamento digital de sinal público de notários e registradores e respectiva pesquisa. Além de ser uma importante ferramenta de combate à atuação dos corruptores, a criação da CENSEC confirma a importância dos Tabeliães de Notas para a evolução das instituições brasileiras, eis que suas atribuições, agora, vão além de garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos6, assumindo fundamental participação no enfrentamento desse problema social, com especial relevância na fase investigatória e instrutória das ações que visam combater a lavagem de dinheiro, o desvio de verba pública e a corrupção. Vale lembrar que, em 09 de julho de 2012, foi publicada a lei 12.683, cuja finalidade é "tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro". De acordo com o artigo 2º da referida norma, que por sua vez altera o artigo 1º da lei 9.613/1998, considera-se conduta típica do crime de lavagem de dinheiro: "Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. - Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa". Todavia, apurar a ocultação ou dissimulação de propriedade de bens não é tarefa fácil, diante da extensão territorial do Brasil. A expedição de ofícios e requerimentos ao mais longínquo Tabelionato de Notas e a respectiva resposta, poderia levar meses até chegar ao seu destinatário (Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal etc.), além da possibilidade de extravio ou mesmo ausência de resposta, circunstâncias que contribuíam com a maior lentidão na apuração dos fatos e, eventualmente no decurso do prazo para a denúncia ou condenação, em razão do instituto da prescrição, provocando, na sociedade civil, a amarga sensação de impunidade. De acordo com recente notícia publicada no site do CNJ7, de 1º janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2011, foi declarada a prescrição de 2.918 ações e procedimentos penais relativos a tais ilegalidades. Desse modo, inexorável a conclusão de que o Estado Brasileiro, mais uma vez atribui aos serviços notariais a responsabilidade de cuidar da segurança das informações para o bem estar de toda a sociedade, eis que a criação da CENSEC permitirá que as autoridades Judiciárias, Policiais e o Ministério Público imprimiram maior agilidade na tramitação de ações judiciais e investigações policiais, e, consequentemente, na efetiva punição daqueles que, há anos, estão hospedados no reality show da corrupção. É o Tabelionato de Notas contribuindo com o efetivo combate à corrupção e lavagem de dinheiro. Como diz o famoso apresentador: "Estamos de olho!" Até o próximo Registralhas. __________   1Termo de Cooperação Técnica 24/2012. 2Conforme parágrafo segundo do artigo 18 do Provimento 18/2012. 3"Criada em 2003, por iniciativa do Ministério da Justiça, como forma de contribuir para o combate sistemático à lavagem de dinheiro no País. Consiste na articulação de diversos órgãos dos três poderes da República, Ministérios Públicos e da sociedade civil que atuam, direta ou indiretamente, na prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, com o objetivo de identificar e propor seu aprimoramento". (conforme informações obtidas no site do Ministério da Justiça: último acesso em 20/6/2013) 4Ministério da Justiça. 5Conforme artigo 2º, incisos I, II, III e IV do Provimento 18/2012 - CNJ 6Conforme artigo primeiro da Lei nº 8.935/94 7CNJ, último acesso em 20 de junho de 2013.
Quando iniciávamos as lições básicas de geometria nos primeiros anos do ensino secundário, modernamente denominado "ensino fundamental", nossa saudosa professora de desenho geométrico apresentava a clássica pergunta: "Como se chama a menor distância entre dois pontos?" Até o menos aplicado dos alunos respondia: "a reta". Hoje, caro leitor, com base nessa tradicional questão, indagamos: "Como se chama a menor distância entre dois cartórios de Registro Civil?". A resposta é: Central de Informações do Registro Civil (CRC). Isso mesmo! Em Agosto de 2012 a atuante Associação dos Registradores de Pessoas Naturais de São Paulo (Arpen-SP) obteve parecer favorável1, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, para a proposta relativa à adoção de um regramento administrativo na implantação, em âmbito estadual, de um sistema de gerenciamento de banco de dados, denominado Central de Informações do Registro Civil (CRC), cujo objetivo é integrar todas as Serventias de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo, possibilitando pesquisar, via internet, os dados registrais referentes ao nascimento, casamento e óbito das pessoas naturais, e solicitar a expedição de certidão eletrônica ou em papel. Ou seja, a distância entre duas Serventias de Registro Civil, no Estado de São Paulo, se resume a alguns "clicks" na página virtual da Central de Informações do Registro Civil2. A recente implantação deste democrático instrumento de acesso à informação reflete o espírito ousado e inovador do atual Corregedor Geral, des. dr. José Renato Nalini, cujo papel, à frente da Corregedoria, é marcado pela adoção de inúmeras medidas de informatização dos serviços de registro civil, instituindo mecanismos facilitadores de consulta (agora disponíveis a qualquer cidadão, mediante acesso à rede mundial de computadores) e de sistemas integrados entre as Serventias, imprimindo maior agilidade e transparência, promovendo uma verdadeira "inclusão digital" de todos os Registradores Civis do Estado de São Paulo. Talvez o leitor, leigo, se pergunte: "Como essa informatização pode repercutir na vida do cidadão comum?" Para responder essa questão é preciso partir de algumas premissas básicas: - Não há ninguém que possa enfrentar a vida moderna sem utilizar os serviços de um Registrador Civil. Logo ao nascer um filho os pais devem comparecer perante um Registrador Civil para promover seu registro de nascimento. - Ao longo de sua trajetória de vida, você poderá casar-se, divorciar-se, ter filhos ou algum membro de sua família poderá falecer. Se isso ocorrer, invariavelmente, você deverá comparecer ao respectivo Serviço de Registro Civil para proceder ao registro/averbação ou solicitar a respectiva certidão. - Considere, ainda, que muitas vezes, a Serventia de Registro Civil onde foi lavrado o assento de nascimento, casamento ou óbito poderá não pertencer à mesma Comarca onde você, atualmente, reside e a obtenção de uma certidão atualizada exigiria o seu deslocamento até a respectiva Serventia para solicitar, "no balcão", a certidão atualizada. - Considere, por fim, que o Estado de São Paulo possui 645 municípios espalhados por uma área territorial de 248.209,3 km23. Portanto, as despesas e tempo despendidos com o deslocamento à respectiva Serventia foram substituídos pela possibilidade do cidadão comum requerer e receber em seu endereço a certidão atualizada de um determinado registro, sem ter que percorrer quilômetros de distância, marco que representa um avanço extraordinário em direção ao tão almejado princípio da eficiência do serviço público, vez que o usuário pode, a partir de agora, baixar a certidão para seu computador ou solicitar ao Oficial de Registro Civil do local onde reside, que a materialize em papel de segurança. O leitor, mais exegeta, poderia criticar essa iniciativa, sob o argumento de que os cidadãos que não tivessem acesso à rede mundial de computadores estariam excluídos dessa inovação. Porém, a proposta da ARPEN-SP, aprovada pela Corregedoria Geral da Justiça, contemplou também essa parcela de usuários, que poderá comparecer em qualquer Serviço de Registro Civil mais próximo e requerer a certidão atualizada de qualquer outro ofício, esteja ele na Capital, no interior ou no litoral do Estado, podendo retirar em até dois dias úteis, a respectiva certidão, que será expedida eletronicamente, com assinatura digital do Oficial de Registro Civil, e terá a mesma validade e será revestida da mesma fé pública que a certidão eletrônica. Ademais, além de aproximar os serviços de Registro Civil dos usuários, a criação dessa Central vai ao encontro da previsão contida no artigo 37, da lei Federal 11.977/09 (lei Minha Casa Minha Vida), verbis: "Os serviços de registros públicos de que trata a Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, observados os prazos e condições previstas em regulamento, instituirão sistema de registro eletrônico"( destaquei). Logo, a inovação tecnológica introduzida no Registro Civil paulista atende aos ditames do legislador Federal (conforme lei 11.977/2009), aos princípios constitucionais (conforme Emenda Constitucional 19/98) e, sobretudo, às expectativas da sociedade, notadamente no que toca ao acesso a um serviço público ágil, eficiente e próximo de todo e qualquer cidadão, contemplando os princípios da racionalidade, economicidade e desburocratização. Dentro desse cenário, merece destaque o relevante papel prestado pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP), que manterá e operará, perpétua e gratuitamente, a Central de Informações do Registro Civil. Além da ARPEN-SP, estão envolvidos nessa empreitada todas as Serventias de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo, que concentrarão informações dos registros lavrados nos Livros A (Nascimento), B (Casamento), B-auxiliar (Casamento religioso para efeitos civis), C (Óbito) e E (Interdição, Ausência, Emancipação, transcrições de nascimento, casamento e óbito), no banco de dados, de modo a manter o adequado e eficiente funcionamento da CRC, com a constante e permanente atualização, permitindo que todas as demais Serventias a ele possam ter acesso, exceto no que toca aos registros com sigilo legal, que permanecerão restritos à serventia em que foram lavrados. Tal inovação permitirá a maior agilidade dos demais atores da Administração Pública, especialmente do Poder Judiciário, vez que as requisições judiciais relativamente à existência de assentamentos referentes aos atos de registro civil das pessoas naturais, também, será feita por meio da Central de Informações do Registro Civil, dispensando-se a expedição de ofícios e a publicação de editais. Por fim, convém anotar que, de acordo com o Provimento CG 19/2012, que dispõe sobre a instituição, gestão e operação da Central de Informações do Registro Civil (CRC), a inserção dos registros será feita de forma escalonada, dos mais recentes para os mais antigos, de modo que o sistema estará inteiramente alimentado com todos os registros lavrados, a partir de 1/1/76, até a data limite de 31/12/14. Assim, caro leitor, o serviço de Registro Civil no Estado de São Paulo conseguiu reduzir gastos, otimizar o tempo dos usuários e, sobretudo, encurtar distâncias, na obtenção de certidões de Registro Civil, representando um marco histórico revolucionário graças ao uso da informática e da rede mundial de computadores. Com a devida vênia aos ensinamentos de nossa querida e saudosa professora de álgebra, a menor distância entre dois pontos, hoje se chama "CRC". Alerto, contudo, caro leitor, que essa "revolução digital" só foi possível graças à visão arrojada do nosso atual Corregedor Geral da Justiça, a quem pedimos vênia para encerrar este artigo com um de seus preciosos ensinamentos: "Precisa haver autoconhecimento, capacidade para interpretar a realidade, domínio de si, autocontrole, autoridade. Mas não dispensa questionar verdades indiscutíveis, rever rotinas imemoriais, aceitar o novo e o diferente. Ousar. É preciso ser aberto, flexível, privado de preconceitos, mas pleno de ousadia.4" Convido nosso leitor a permanecer conosco e aguardar nosso próximo artigo, que continuará a ter por objeto centrais eletrônicas compartilhadas. Aguardem. __________ 1Processo 2005/526 e Parecer 186/2012-E 2sistema.arpensp.org.br 3Biblioteca Virtual, último acesso em 11 de junho de 2013. 4"Ética geral e profissional". José Renato Nalini. Revista dos Tribunais, 2012, p. 631
Cumprindo o compromisso assumido em nosso penúltimo artigo, hoje trataremos da origem do registro de imóveis no Brasil, trazendo um breve resumo da evolução legislativa e dos primeiros sinais dos princípios registrais que regulam a matéria. Vamos lá... No começo tudo era público. O local onde você está agora pertencia à Coroa Portuguesa. O imóvel onde está situado o seu local de trabalho, aqueles onde você nasceu, cresceu, estudou, tudo era "terra lusa". Isso porque, somos uma "descoberta" dos portugueses que, ao chegarem aqui, adquiriram o título originário da posse de toda a extensão territorial. Posteriormente a Coroa Portuguesa cedeu os direitos possessórios de parte das terras aos moradores das capitanias hereditárias, por meio de cartas de sesmarias. Ou seja, a partir de então, alguns agraciados recebiam o direito de possuir a terra pública. Mas, onde estava a publicidade de tais "direitos"? Como saber quem era "detentor da posse" e quem não era? Onde ficavam arquivados tais atos? Qual área havia sido cedida e qual permanecia integralmente sob o domínio público? Em 1850, Dom Pedro Segundo tentou resolver essas questões por meio da lei 601, que dispunha sobre as terras devolutas no Império e as que eram possuídas por titulo de sesmaria, bem como aquelas decorrentes do simples título de posse mansa e pacífica, determinando que fossem medidas e demarcadas e que fossem legitimadas aquelas adquiridas por "occupação primaria", ou havidas "do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente". Ainda, segundo transcrição literal do artigo 10 da referida lei, o "Governo" deveria prover "o modo pratico de extremar o dominio publico do particular". No artigo 13, estabeleceu-se que: "O mesmo Governo fará organizar por freguezias o registro das terras possuidas, sobre as declaracões feitas pelos respectivos possuidores, impondo multas e penas áquelles que deixarem de fazer nos prazos marcados as ditas declarações, ou as fizerem inexactas". Mas as perguntas feitas nos parágrafos anteriores continuavam sem resposta. Onde e quem teria a incumbência de promover tais registros? Somente em 1854, por meio do Decreto nº 1.834, no capítulo intitulado "Do registro das terras públicas" é que se encarregou, ninguém mais, ninguém menos que o "Vigário" de cada freguesia para receber declarações para o registro de terras. Surgem aí os primeiros sinais do princípio da territorialidade, vez que, ao Vigário foi atribuída a incumbência de registrar apenas as terras de "sua freguesia". Embora sanada a competência e abrangência territorial, havia outras questões a serem dirimidas: Iniciava-se ali a cadeia filiatória? O registro ali realizado atribuía o título de propriedade ao possuidor? Para o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 79.828-5, as duas respostas são negativas. No aludido acórdão transcreveu-se os ensinamentos do ilustre jurista Teixeira de Freitas, que bem elucidam a questão acerca do registro Paroquial. Segundo Teixeira de Freitas: "Com esse registro nada se predispõe, como pensam alguns, para o cadastro da propriedade imóvel, base do regime hypotecário germânico. Teremos uma simples descrição estatística, mas não uma exacta conta corrente de toda a propriedade immovel do paiz, demonstrando sua legitimidade e todos os seus encargos. O systema cadastral é impossível entre nós". (Consolidação das Leis Civis, 1896, 3ª. Edição, pag. 533/4, nota 24). Mas, se o registro do Vigário só tinha finalidade estatística, quando houve a implantação efetiva do registro de imóveis no Brasil? Respondo: somente onze anos depois, com o decreto 3.453/1.865, que regulamentou a lei 1.237/1854, foi determinado que, no prazo de três meses a contar de sua publicação, fosse instalado em todas as comarcas do Império um registro geral de imóveis. Inicialmente, suas atribuições não eram aquelas hoje reguladas pelo artigo 167 da lei 6.015/73, vez que basicamente regulava o registro de hipoteca. Contudo, naquela época, sob a rubrica de "Sua Majestade, o Imperador", passou-se a contemplar, pelo menos o princípio da publicidade, conforme parágrafos primeiro e segundo do artigo 80 do referido Decreto. O aludido dispositivo estabelecia que era obrigação do Registrador: passar as certidões requeridas e mostrar às partes, sem prejuízo da regularidade do serviço, os livros do registro, dando-lhes com urbanidade os esclarecimentos verbais, que pedirem. E quem era o Registrador, à época? Segundo o artigo sétimo do referido Decreto, o registro geral foi atribuído aos tabeliães especiais que existiam à época, ao tabelião da cidade ou vila principal de cada comarca, que fosse designado pelos Presidentes das Províncias, precedendo informação do Juiz de Direito. De acordo com o artigo 9º, esses oficiais eram exclusivamente sujeitos aos Juízes de Direito. Extrai-se, portanto, desse último dispositivo, os primeiros sinais da função correcional hoje atribuída aos Juízes Corregedores. Devemos ainda ao decreto 3.453/1865, a criação dos chamados: Indicadores Reais, Indicadores Pessoais, os Livros de Registro Geral (dentre eles: Protocolo, Inscrição Especial, Geral, Transcrições das transmissões, Transcrições de ônus reais etc.). Por meio da regulamentação da Ordem dos Serviços, insculpida no capítulo IV do aludido Decreto, "o numero de ordem do Protocollo é que determina a prioridade do titulo, ainda que os outros titulos sejão registrados" (artigo 46). Vê-se aí a contemplação do princípio da prioridade. Temas como o da prenotação e emolumentos já eram objeto daquela norma. O princípio da especialidade, segundo o artigo 121, consistia na determinação do valor da responsabilidade e na designação dos imóveis dos responsáveis que ficariam especialmente hipotecados. Porém, não obstante todos esses princípios, a função essencial dos Registros Públicos, qual seja, o estabelecimento da propriedade privada, só ocorreu em 1916. Isso porque, somente em 1º de janeiro de 1917, com a entrada em vigor do Código Civil (art. 1.906) é que se estabeleceu que a propriedade privada adquirir-se-ia pela transcrição do título de transferência no Registro de Imóveis, atribuindo-se a fé pública de tal ato, daí a parêmia: "Quem não registra não é dono". Surgem então os três efeitos fundamentais dos registros de imóveis: o constitutivo, comprobatório e publicitário. Para regular a nova ordem jurídica, sucedeu-se ao Código Civil/1916 o decreto 12.343, de 3/1/1917, que deu instruções para a execução dos atos dos registros instituídos pelo Código Civil, atribuindo-se ao Registro de Imóveis a inscrição e transcrição ou averbação:  dos títulos translativos da propriedade (art. 531), para aquisição (art. 530, n. I) ou extinção (art. 589, § 1º) do domínio, dos constitutivos de direitos e ônus reais (arts. 674, 676 e 810), para sua eficácia contra terceiros, e do ato da instituição do bem de família (arts. 71 e 73. ) dos julgados e sentenças: I, nas ações divisórias, pondo termo à "indivisão", e, nos inventários, adjudicando bens a credores da herança (art. 532, ns. I e II); II, declaratórias da posse por usucapião (arts. 550 e 698); III, das do desquite, nulidade ou anulação do casamento (art. 267, ns. I e II), ou restabelecimento da sociedade conjugal (art. 323), e separação do dote (art. 309, parágrafo único). das convenções antenupciais (art. 261). das arrematações ou adjudicação em hasta publica (art. 4.532, n. III), e demais atos subordinados ao registro, como solenidade da sua forma extrínseca1.  Após, seguiram-se a lei 4.827, de 7/2/1924; o decreto 18.527, de 10/12/1928 e o decreto 4.857, de 9/11/1939, que dispôs que sobre a execução dos serviços relativos aos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil, cujo artigo primeiro trazia a seguinte redação: "Os serviços concernentes aos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil, para autenticidade, segurança e validade dos atos jurídicos, ficam sujeitos no regime estabelecido neste decreto". Por fim, tivemos, ainda, a edição do decreto-lei 1.000/1969 até chegarmos à vigente lei 6.015, de 31/12/1973, cuja matéria sobre registro de imóveis está regulada nos artigo 167 e seguintes, dividindo os atos praticados no Registro de Imóveis em dois grandes grupos: registro e averbação.  Não podemos deixar de anotar, ainda, a importante redação do artigo 1.227 do Código Civil, que estabelece, peremptoriamente, que os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis.  Importa destacar que a consagração desses direitos está diretamente ligada à fundamental atividade registral executada pelo Registrador de Imóveis, que torna tais direitos válidos, eficazes e, sobretudo, confiáveis contribuindo para a circulação de riquezas de nosso país.  Somente pela atividade desempenhada por esse profissional é possível, diversamente do que ocorria sob o comando da Coroa Portuguesa, distinguir a terra pública da privada, como instrumento de proteção aos detentores dos direitos reais, desempenhando importante caráter social, vez que resguarda de modo eficiente, por meio da prevenção jurídica, as situações que envolvam os direitos nele inscritos, dotando-os da segurança necessária à estabilização das relações jurídicas, entre particulares e entre estes e o Estado. Por estas razões dedicamos este artigo ao estudo da evolução histórica da atividade registral e seus princípios, demonstrando ao nosso leitor os motivos de seu avanço, com vistas a iluminar e despertar um maior interesse sobre o tema, partindo da gênese de sua criação até chegarmos ao seu atual e fundamental papel social. __________ 1A indicação desses artigos refere-se ao Código Civil de 1916.
terça-feira, 28 de maio de 2013

Casamento homoafetivo

Questão tormentosa foi a edição da resolução 175, de 14 de maio de 2013. O problema não está no tema em si - "casamento Homoafetivo" - na medida em que a questão está há muito pacificada pela ADI 4277/DF e pela ADPF 132/RJ que reconheceram a inconstitucionalidade da distinção de tratamento legal às uniões estáveis hetero e homoafetivas. Portanto, há muito é consagrada a plena e absoluta isonomia das entidades familiares mencionadas. O problema também não está na questão da ideologia, lembrando o pensamento do professor Tercio Sampaio Ferraz Junior de que a teoria da argumentação jurídica coloca a decisão como um "sistema de procedimentos regulados em que cada agente age de certo modo, porque os demais agentes estão seguros de poder esperar dele certo comportamento". Discorre o mestre das Arcadas que a ideologia organiza os valores "hierarquizando-os, constituindo uma pauta de segundo grau que lhes confere um uso estabilizado. A ideologia é, então, uma espécie de valoração última e total, que sistematiza os valores", sempre impermeável à outra ideologia (Ferraz Jr, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 4ª ed., 2003. São Paulo: Atlas, p. 344-346). É louvável a resolução 175 que vem premida de bons propósitos, pois busca uniformizar a atividade registral civil obrigando os oficiais de registro civil a habilitarem casamentos homoafetivos e a realizarem conversão de união estável em casamentos homoafetivos. Até aí nada a questionar, pois a uniformidade em si é bastante benévola segundo o paradigma da segurança jurídica. Não seria razoável que o cidadão de determinado Estado ou localidade tivesse que mudar de domicílio para alcançar seus direitos individuais e sociais em questão. Porém, é bom lembrar que a atividade registral, contrariamente à atividade notarial, adota o princípio do bloqueio de legitimação, segundo o qual o oficial, na qualidade de agente administrativo, só realiza atos vinculados, ou seja, pautados em lei e sob estrito princípio da legalidade. Entre os grandes problemas existentes até a edição da resolução, estava o fato de não haver a menor previsão na lei 6.015/73 e nem nas Normas de Serviço ou Consolidações Normativas dos Estados que as possuem, regulando ou determinando o referido registro. Isso deixava o oficial registrador civil impossibilitado de praticar o ato ante a ausência legislativa e sem decisão judicial ou administrativa autorizadora, lembrando que, ao contrário dos agentes políticos (juízes e promotores), os oficiais somente podem fazer o que a lei, as normas ou decisões expressamente dispõem (para os Estados que as possuem). Como dito acima, a resolução do CNJ é em si bem intencionada, mas acabou sendo simplista demais em se tratando de atividade registral. Vejamos dois dos vários problemas: Se o objetivo maior era uniformizar a questão no Brasil, infelizmente, não atingiu esse desiderato. Por exemplo: no Estado de São Paulo a conversão de união estável em casamento, quer homo ou heteroafetiva, é requerida pelas partes diretamente ao oficial que os habilita e, independentemente de qualquer autorização judicial ou celebração, lavram o assento no Livro B (Item 87, NSCGJ-SP, Capítulo XVII), desde que não haja impedimento para o casamento. Ainda nesse exemplo, no Rio Grande do Sul é feito um pedido ao oficial de registro civil que, após autuar o requerimento, remete ao juiz corregedor, que após análise do pedido, no fim das contas determina a lavratura do assento no Livro B-Auxiliar (Consolidação Normativa Notarial Registral, arts. 148 a 157). Portanto, caro leitor, repare que os procedimentos são totalmente diferentes e os registros de atos idênticos são lavrados em livros diferentes. Como isso é possível? Tudo poderia ter sido uniformizado pelo CNJ que, aliás, já uniformizou, com absoluta perfeição, questões muito mais intrincadas, bastando lembrar a resolução 155, de 16 de julho de 2012. No presente caso bastaria, antes da deliberação em plenário, que o expediente tivesse sido submetido à análise técnica existente no próprio CNJ. Agora, imagine nos Estados da Federação em que não existam normas de serviço, consolidação normativa ou outra determinação da Corregedoria Geral do Estado. Com a simples edição da resolução 175, vai ser possível que no mesmo município, em que exista mais de um ofício de registro civil, que determinado oficial resolva remeter ao juiz para análise e lavrar o assento em determinado livro e outro oficial resolva remeter previamente ao Ministério Público e ao juiz, que atuam em matéria registral sob a ótica administrativa. Outro oficial pode praticar o ato de plano. Quanta confusão! Para não ficar muito cansativo, vamos a outro problema, já que a resolução tem apenas três artigos, observando que o último disciplina a entrada em vigor. Disciplina o artigo 2º "A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao juiz corregedor para as providências cabíveis". Primeiro, o comando normativo não determina o sujeito da comunicação. Quem deve comunicar? Segundo, é difícil imaginar que o próprio oficial que se recusa a praticar o ato comunique a sua própria inobservância ao juiz corregedor que, no caso, é o juiz corregedor permanente ou diretor do foro, dependendo do Estado. Em terceiro lugar, em matéria de casamento não existe tal obrigação, até porque todo o assunto está previsto nos artigos 198 e seguintes da LRP e que costuma ser chamado de "procedimento de dúvida registral". Isso significa, também sem mais delongas, que o artigo 2º cria uma obrigação para o oficial que ele não tem nem mesmo em matéria de casamento, que é o paradigma do sistema nesse assunto. Ou seja, a união estável homo ou heteroafetiva passou, em tese, a ter uma proteção que não é dada ao casamento, em dissonância, portanto, com o artigo 226, § 3º, da Constituição Federal, como já mencionado. Para concluir, elogiamos que a resolução do CNJ é benéfica, porém, lembramos que a atividade registral e notarial é de técnica apurada e que sempre convém uma análise um pouco mais detida antes de qualquer edição normativa, já que o objetivo maior no caso, parece e deve ser, a proteção do usuário do serviço.
"Eu El Rei faço saber aos que este Alvará virem: que sendo-me presente em consulta da Mesa do meu Desembargo do Paço a informação, a que ella mandou proceder pelo Juiz de Fóra da Villa de Cuyabá da Capitania de Mato Grasso, acerca da necessidade de se crear na mesma Villa mais um Tabellião do Publico, Judicial e de Notas, por não ser o bastante o que alli há para acudir às diversas incumbencias do seu cargo (...)E este valerá como carta passada pela Chancellaria, posto que por ella não há de passar e seu effeito haja de durar mais de um anno, sem embargo da Ordenação em contrário. Dado no Palacio do Rio de Janeiro aos 27 de Julho de 1818. REI com guarda"1. Assim surgia mais um tabelionato no Brasil, em pleno século XIX, por determinação da Coroa Portuguesa. De lá pra cá muito se avançou, quer na forma de nomeação do tabelião, quer na importância da atividade notarial na vida de cada cidadão. A criação da atividade notarial no Brasil começa quando D. João III resolve dividir a terra brasileira em faixas, que partiam do litoral até a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas. Essas enormes faixas de terras, conhecidas como Capitanias Hereditárias, foram doadas para os nobres e pessoas de confiança do rei, denominados Donatários, que tinham a função de administrar, colonizar, proteger e desenvolver a região e o poder de escolher e nomear os tabeliães. Porém, ante o fracasso da empreitada (com exceção às capitanias de Pernambuco e São Vicente), em 1549, o Rei de Portugal criou um novo sistema administrativo para o Brasil, denominado Governo-Geral, cabendo-lhe as funções outrora atribuídas aos donatários. Em 1822, quando o Brasil tornou-se independente de Portugal, ainda vigoravam entre nós as Ordenações Filipinas (1603-1916). Aliás, no primeiro parágrafo do Título LXXVIII do Primeiro Livro dessas Ordenações2 ficou estabelecido que: "Em qualquer cidade, villa ou lugar, onde houver casa deputada para os Tabelliães de notas, starão nela pela manhã e à tarde, para que as partes, que os houverem mister para fazer alguma scriptura, os possam mais prestes achar". Em 11 de outubro de 1827 é editada a lei estabelecendo que "Todos os officios de Justiça, ou Fazenda, serão conferidos, por titulos de serventias vitalicias, as pessoas, que para elles tenham a necessária idoneidade, e que os sirvam pessoalmente; salvo o accesso regular, que lhes competir por escala nas repartições, em que o houver" ficando revogadas "todas as leis, alvarás, decretos, e mais resoluções em contrario"3. (grifamos) Surge, entre nós, a ideia de atribuição vitalícia das serventias que se mantém até os dias atuais. Como bem ressaltado por Luis Paulo Aliende Ribeiro4: "os cargos de tabelião eram providos por doação, com investidura vitalícia, podendo ser obtidos por compra e venda ou de sucessão causa mortis, sem preocupação com preparo ou aptidão para o exercício da função". Se a vitaliciedade atravessou os séculos e permanece hígida em nosso ordenamento, o mesmo não se diga a respeito da forma de ingresso e da aptidão do Tabelião. Hoje, graças ao comando constitucional, a delegação da atividade só se concede àquele que se sagrar aprovado ao cabo de (concorrido e seletivo) concurso público de provas e títulos5 prestigiando-se a atividade notarial (e a sua natureza pública) que passa a ser desempenhada por profissional com formação jurídica, competente para estar à frente da função, contribuindo, ainda mais, para a garantia da segurança jurídica dos atos ali praticados e para a tranquilidade dos usuários que necessitam formalizar juridicamente suas vontades. Aliás, registre que os concursos públicos para o ingresso na atividade notarial (e registral) realizados nos últimos anos em nosso país, são um exemplo da materialização dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, sobretudo, eficiência. Além da forma de ingresso e da exigência de uma indiscutível aptidão técnica, muito se avançou quanto à estreita relação entre o Poder Judiciário e a atividade notarial. Consta dos valiosos documentos reunidos por Sérgio Jacomino6 que, em 30 de junho de 1829, o Imperador mandou "proceder contra o juiz" que "incompetentemente procedera a nomeação de um tabelião da villa de Macahé". Hoje, porém, conforme determinação da lei 8.935/94 a relação entre o Poder Judiciário e os Notários é extremamente próxima, cabendo aquele, por força do texto constitucional, atuar na fiscalização da atividade notarial. Além dessa atribuição, cabe ao Poder Judiciário, propor à autoridade competente (Poder Executivo) a extinção do serviço notarial ou de registro e anexação de suas atribuições a outro da mesma natureza, quando verificada a "absoluta impossibilidade de se prover por concurso público a titularidade" dele, "por desinteresse ou inexistência de candidatos" ou, ainda, por meio do Juiz Corregedor, fixar os dias e horários em que serão prestados os serviços notariais e de registro (art. 4º); resolver as dúvidas levantadas pelos interessados e que lhe serão encaminhadas pelos notários e registradores (art. 30, XIII); fixar as normas técnicas de obrigatória observância naqueles serviços (art. 30, XIV); aplicar aos notários e oficiais de registro, em caso de infrações disciplinares, assegurada ampla defesa, as penalidades previstas de repreensão, multa, suspensão e perda da delegação (art. 34 c/c. 31, 32 e 33), além de tantas outras atribuições previstas na lei 8.935/94. Ademais, conforme já tivemos a oportunidade de destacar em nosso primeiro artigo, enquanto o Poder Judiciário atua na "solução dos litígios", o Tabelião de Notas atua na "prevenção" destes, prestando assessoramento jurídico às partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento. Para tanto, o Tabelião de Notas deve ser exímio conhecedor do Direito, fundamentalmente do Direito Civil, Tributário e Penal, pois a trasladação da vontade das partes pode, sem dúvida alguma, ter reflexos ilícitos, revestidos de autenticidade pela escritura pública. Dessa forma, o Tabelião de Notas, por meio do Princípio da Imediação, fará entrevistas com as partes, da mesma forma que o Juiz de Direito faz audiência com as partes e eventuais testemunhas, fará ainda aconselhamentos do melhor instrumento para os atos e negócios apresentados, atuando com imparcialidade e independência. Portanto, as atribuições do notário vão além de lavrar "alguma scriptura", transcendendo os limites antes estabelecidos nas longínquas Ordenações Filipinas. Hoje, o perfil do Notário pressupõe a necessidade de uma exímia formação jurídica, de amplos conhecimentos voltados à gestão administrativa e de pessoal, para bem conduzir as atividades de seu tabelionato, garantindo ao usuário um atendimento qualificado pela eficiência, urbanidade e presteza. A escolha do profissional, antes subordinada ao retrógrado e injusto interesse dos nobres e autoridades políticas, sucumbiu à necessidade de se prestigiar o ingresso pelo mérito (em seu sentido mais puro). Isso porque, em razão da evolução das necessidades sociais, o modelo de atividade notarial hoje adotado, caracterizado pela indiscutível aptidão técnica dos tabeliães aprovados em rigoroso concurso público, somada à liberdade de gestão administrativa para planejar, organizar, controlar e dirigir os seus respectivos Ofícios atende à função fundamental de garantir a segurança jurídica e econômica dos atos praticados, prestando serviço de qualidade, eficiência, urbanidade e, sobretudo, segurança jurídica a toda a sociedade. Por isso, o Registralhas rende sua singela homenagem a esse profissional, trazendo um breve histórico da atividade notarial desde os mandos (e desmandos) da Coroa Portuguesa, passando pelos curiosos dos atos da Real Majestade, até alcançar a excelência dos serviços hoje prestados a todos os cidadãos. Observe-se que nenhuma menção foi feita à evolução histórica dos registros na medida em que as atividades são consagradas pelo mesmo texto constitucional, porém, com total distinção estrutural e histórica, a merecer um tratamento próprio em edição futura na nossa coluna. Aguardem e permaneçam conosco, nessa curiosa incursão sobre os temas relativos aos tabelionatos e registros públicos no Brasil. Até o próximo Registralhas! __________ 1ALVARÁ - DE 27 DE JULHO DE 1818, assinado por Joaquim José da Silveira, cujo texto foi extraído do site, fruto de valioso estudo histórico realizado pelo Registrador Sérgio Jacomino, Oficial do Quinto Ofício de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo.  2A edição de 1870 das Ordenações Filipinas está integralmente digitalizada e disponível para consulta no site da Universidade de Coimbra, último acesso em 16/5/2013. 3Conforme texto publicado em, último acesso em 16/5/2013 4Luis Paulo Aliende Ribeiro, in Regulação da Função Pública Notarial e de Registro, Ed. Saraiva, 2009 p. 28 5Conforme parágrafo terceiro do artigo 236 da Constituição Federal 6Disponíveis no site https://www.quinto.com.br/
Inicialmente, externamos nossa grande satisfação pelo pronto apoio do site Migalhas ao nosso mais novo projeto que visa a constante busca do aprimoramento do saber jurídico das atividades notarial e registral que, afetuosamente, denominamos de Registralhas, em homenagem a esse importante informativo eletrônico, que se transformou numa fundamental ferramenta aos operadores do Direito, fomentando a discussão e reflexão sobre temas jurídicos, políticos e econômicos de interesse de toda a comunidade, e numa necessidade cotidiana do operador do Direito que quer se manter atualizado. Quinzenalmente, traremos aos nossos leitores a análise de temas relativos ao Direito Notarial e Registral, questões práticas, visão jurisprudencial, ingresso na atividade, doutrina especializada, atualidades, curiosidades e principalmente, um canal de discussão e entretenimento. Neste primeiro artigo, nossa preocupação será destacar a efetivação do Direito por meio da atividade notarial e de registro, antes porém, alocaremos o Direito Notarial e Registral dentro do ordenamento jurídico, destacando a importância do papel do registrador e do notário nas relações jurídicas, com breves esclarecimentos acerca do alcance de cada uma dessas atividades, sua natureza jurídica e a legislação pertinente. A atividade notarial e registral possui matriz constitucional, cujo artigo 236 da Constituição Federal estabelece que tais serviços são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Vale dizer, trata-se de uma função pública, destinada a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, cujo exercício é realizado em caráter privado e seu ingresso se dá por meio de concurso público de provas e títulos, realizado pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador, conforme estabelecido no artigo 15 da lei Federal 8.935/94. Aliás, a lei 8.935/94 surgiu do comando previsto no parágrafo primeiro do artigo 236 da Constituição Federal, direcionado ao legislador Federal para que fosse criada uma norma jurídica que regulamentasse as atividades, disciplinasse a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definisse a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. Assim, para o amplo conhecimento da atividade registral e notarial rogamos ao nosso leitor a análise acurada desta lei Federal, que se convencionou chamar de "lei dos cartórios". De acordo com a lei 8.935/94, o notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do Direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. Mas afinal, qual a diferença entre a atividade notarial e de registro? Várias são as distinções entre as duas funções, porém diante do escopo do presente artigo, apontaremos apenas aquela que reputamos a principal: o notário extrai a vontade negocial das partes, reduzindo-a a termo, instrumentalizando-a e autenticando-a, para que possa valer para o futuro, e pode fazer tudo o que a lei não proíbe (princípio da autonomia privada dos usuários), enquanto o registrador, destinatário dos atos praticados pelos notários, examina a validade destes, para que possa atribuir a publicidade erga omnes e os efeitos deles esperado. E submete-se ao bloqueio de legitimação, ou seja, só faz o que a lei autoriza (princípio da legalidade). Aliás, mostra-se difícil conjugar atividades tão dispares na mesma lei! Esta distinção é extraída da leitura dos artigos da lei 8.935/94, que delimitou a cada um desses operadores do Direito, atribuições para o exercício de sua função pública. Inicialmente, a aludida lei Federal destacou as atribuições do tabelião de notas, atribuindo-lhe o dever de formalizar juridicamente a vontade das partes; intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo e autenticar fatos (art. 6º, da lei 8.935/94). Com efeito, o notário é o profissional de Direito, dotado de fé pública, que exerce sua atividade com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios. Ou seja, enquanto o Poder Judiciário atua na "solução dos litígios", o tabelião de notas atua na "prevenção" destes, prestando assessoramento jurídico às partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento. Aliás, no que toca à importância da retidão da conduta do notário, convém transcrever aqui os ensinamentos do Ilustre Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Dr. Ricardo Dip, extraído de sua obra "Prudência Notarial", para quem: "A eminente dignidade do notário - que é garantia das liberdades dos particulares - responde ao binômio de aptidão jurídica e da idoneidade moral e não está, pois, submetida ao fato performativo de mandatos que se apartem do que é iníquo por sua própria natureza ou ilegal segundo as disposições determinativas, porque a invenção da "norma do caso" supõe sempre uma indeclinável ordem de fins, indicada em norma universal, e que nutre todo o discurso prático ou prudencial". A função pública notarial deve ser exercida, portanto, com independência e imparcialidade jurídicas, com a audiência das partes, o aconselhamento jurídico, a qualificação das manifestações de vontade, a documentação dos fatos, atos e negócios jurídicos e os atos de autenticação, devendo o Notário guardar sigilo sobre os documentos e os assuntos de natureza reservada a respeito dos quais, durante a averiguação notarial, na fase prévia à formalização instrumental, tomou conhecimento em razão do exercício de sua atividade (art. 30, da lei 8.935/94). Ao lado dos tabeliães de Notas, estão ainda os tabeliães de registro de contratos marítimos e tabeliães de protesto de títulos. O tabelião de registro de contratos marítimos compete lavrar os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações a que as partes devam ou queiram dar forma legal de escritura pública, registrar os documentos da mesma natureza, reconhecer firmas em documentos destinados a fins de direito marítimo e expedir traslados e certidões (art.10, da lei 8.935/94). Com relação ao tabelião de protesto de títulos, a lei Federal 9.492/1997 tratou de regulamentar os serviços concernentes a essa atividade, que tem por finalidade tutelar os interesses públicos e privados, por meio da protocolização, da intimação, do acolhimento da devolução ou do aceite, do recebimento do pagamento, do título e de outros documentos de dívida. Além destes atos, compete ao tabelião de protesto lavrar e registrar o protesto ou acatar a desistência do credor em relação ao mesmo, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas a todos os atos praticados. Assim como existem distinções entre as atividades dos tabeliães, tal circunstância também ocorre com os registradores, que são divididos em: oficiais de registro de imóveis; oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas e oficiais de registro de distribuição. Enquanto o notário é o profissional habilitado para receber declarações relativas a negócios entre vivos ou disposições patrimoniais para depois da morte, o registrador é o profissional encarregado de ofício ou serviço de interesse geral, tais como o registro de nascimento, de casamento, de uma compra e venda de imóvel, de um contrato de sociedade, etc. Diante da diversidade de atividades exercidas por cada registrador, destacamos, inicialmente, o papel desempenhado pelos oficiais de registo de imóveis, cuja finalidade é estabelecer o direito de propriedade imobiliária, garantindo-se a sua publicidade a toda a coletividade, por meio da expedição de certidões, bem como de manter em arquivo o histórico completo do imóvel, acerca da atual e das pretéritas titularidades, bem como eventuais ônus que sobre ele recai. Compete ao registrador de imóveis, ainda, o dever de examinar os títulos a ele apresentados, promovendo a sua qualificação e apurando a viabilidade de seu ingresso no fólio real. A lei Federal 8.935/94 garante o poder/dever ao registrador de imóveis de recusar o registro/averbação do título, devolvendo ao interessado, caso constate a existência de defeitos ou vícios, que impossibilitem o seu registro ou averbação. Isto porque, ao exercer a função pública delegada pelo Estado de atribuir efeitos declaratórios, constitutivos e publicitários aos atos por eles praticados, decorrente do registro/averbação dos títulos, deve o registrador atuar com absoluto zelo no desempenho de suas atribuições, vez que seu ato transformará situações jurídicas, seja na constituição, modificação ou extinção de direitos reais. Já o registrador de títulos e documentos possui competência residual, por expressa previsão legal insculpida no parágrafo único do artigo 127 da lei Federal 6.015/73, que estabelece caber ao registro de títulos e documentos a realização de quaisquer registros não atribuídos expressamente a outro ofício, dentre eles podemos destacar: o envio de notificações extrajudiciais, que visam dar ciência inequívoca ao notificado acerca de certo ato ou fato que afetará as relações jurídicas havidas entre as partes, o penhor comum sobre coisas móveis; o contrato de parceria agrícola ou pecuária; o mandado judicial de renovação do contrato de arrendamento para sua vigência, quer entre as partes contratantes, quer em face de terceiros ou ainda quaisquer documentos, para sua conservação. Trocando em miúdos, a atividade visa notificar o particular (pessoa física ou jurídica) para a prática de atos e conservar documentos que não se sujeitem ao repositório de outros registros. O Registro Civil das Pessoas Jurídicas, por sua vez, é competente para inscrever: os contratos, os atos constitutivos, o estatuto ou compromissos das sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, bem como o das fundações e das associações de utilidade pública, as sociedades civis que revestirem as formas estabelecidas nas leis comerciais, salvo as anônimas, os atos constitutivos e os estatutos dos partidos políticos e os atos de competência das juntas comerciais (p. ex.: sociedades empresárias). Além destes títulos, o registrador civil das pessoas jurídicas também detém o dever de registrar os jornais, periódicos, oficinas impressoras, empresas de radiodifusão e agências de notícias a que se refere o art. 8º da lei 5.250, de 9/2/1967. Quanto ao registro civil das pessoas naturais, podemos defini-lo como um repositório dos atos e fatos que interferem a órbita da vida civil de cada cidadão, como o nascimento, casamento, interdição, emancipação, ausência, adoção, opção de nacionalidade, morte presumida e óbito. Por fim, de acordo com o inciso VII, do artigo 5º da lei 8.935/94, o registro de distribuição foi criado com a finalidade de proceder à distribuição equitativa dos serviços da mesma natureza, de modo a reparti-los igualmente a cada um dos demais registradores existentes e igualmente competentes para recepciona-los, ressalvado o Registro de Imóveis e de Registro Civil das Pessoas Naturais, vez que segundo a redação do artigo 12 da lei 8.935/94, estes ficam sujeitos às normas que definirem as circunscrições geográficas. Convém esclarecer que, no município de São Paulo, há o Serviço Central de Protesto e Títulos e o Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos de São Paulo, que visam a mera distribuição prévia e equitativa, entre todos os tabelionatos de protesto e registro de títulos e documentos apresentados, mas não guardam nenhuma relação com o ofício de distribuição a que alude o parágrafo anterior. Esta, queridos leitores, é a primeira Migalha, ou melhor, Registralha, que teve por objetivo, mostrar que "cartório", ou melhor, "Ofício de Registro e Tabelionato" é questão complexa, necessária para o exercício de cidadania e cada vez mais parte integrante na consecução do que se tem chamado de Justiça. Continuem conosco.