Plano de saúde cobre congelamento de óvulos?
Congelar óvulos é mais do que um desejo pessoal - em muitos casos, é uma necessidade médica urgente.
quarta-feira, 9 de julho de 2025
Atualizado às 09:40
Um direito silencioso, mas poderoso
Congelar óvulos é mais do que um desejo pessoal - em muitos casos, é uma necessidade médica urgente. Mulheres diagnosticadas com câncer, endometriose ou que precisam adiar a maternidade por tratamento de saúde enfrentam não só o desafio clínico, mas também o jurídico: o plano de saúde pode se recusar a custear o procedimento. Este artigo mostra que a resposta nem sempre é "não" - e que o Direito pode ser um aliado fundamental.
O que é congelamento de óvulos e por que ele é tão relevante?
O congelamento de óvulos (ou criopreservação) é um método de preservação da fertilidade que consiste em coletar os óvulos e armazená-los em nitrogênio líquido, a -196ºC. O procedimento é indicado principalmente para:
- Mulheres com doenças que ameaçam a fertilidade (câncer, endometriose, lúpus);
- Pacientes que passarão por tratamentos com alto risco de infertilidade;
- Casos de preservação eletiva da fertilidade (por opção pessoal).
Quando o plano de saúde é obrigado a cobrir o congelamento de óvulos?
Apesar de a fertilização in vitro não ter cobertura obrigatória segundo a ANS, o congelamento de óvulos não é sinônimo de reprodução assistida em todos os casos.
Quando há indicação médica para preservar a fertilidade, o congelamento se enquadra como tratamento preventivo.
Fundamento legal:
- Lei 9.656/1998, art. 10, §12: proíbe limitação de cobertura a doenças listadas na CID.
- Art. 35-C e 35-F: reforçam a obrigação de cobertura integral para procedimentos relacionados ao tratamento da doença coberta.
Jurisprudência-chave (2025):
"A criopreservação de óvulos é, no caso dos autos, medida preventiva da infertilidade. [.] Inaplicável o Tema 1067 do STJ, pois a paciente era fértil. [.] Demanda julgada procedente."
(TJ/SP, Apelação Cível: 1008502-47.2024.8.26.0008, julgado em 13/1/2025)
Casos típicos em que a Justiça garante o direito
1. Mulheres com endometriose profunda
- A doença pode exigir cirurgia que prejudique ou elimine a reserva ovariana;
- O congelamento é recomendado antes da intervenção.
2. Pacientes oncológicas
- Quimioterapia e radioterapia são sabidamente agressivas à fertilidade;
- A criopreservação é, aqui, parte do tratamento - não um "luxo".
3. Homens em tratamento contra câncer
- O mesmo direito se aplica ao congelamento de espermatozoides quando há risco de infertilidade.
Quais documentos são necessários para pedir o procedimento ao plano?
Ter a documentação adequada é crucial para acelerar o pedido - e também para embasar uma possível ação judicial. Veja o checklist:
Checklist de documentação
- Laudo médico detalhado justificando o risco de infertilidade;
- Solicitação formal do congelamento de óvulos, emitida pelo especialista;
- Exames que comprovem diagnóstico da doença (endometriose, câncer etc.);
- Negativa por escrito do plano de saúde (se houver);
- Contrato do plano e carteirinha;
- Receituário médico com os medicamentos para estimulação ovariana.
E se o plano negar o congelamento de óvulos?
Negativas administrativas são comuns, mas não são definitivas.
O que fazer na negativa:
- Solicite a recusa por escrito;
- Guarde os documentos médicos e a prescrição do procedimento;
- Consulte um advogado especialista em Direito à Saúde;
- É possível ingressar com ação judicial com pedido de liminar.
Liminar: o tempo é essencial
Em casos como tratamentos oncológicos, a liminar permite realizar o procedimento imediatamente, evitando prejuízos irreversíveis.
Ação judicial para custeio de congelamento: como funciona?
A ação é uma obrigação de fazer, com pedido de tutela de urgência. A petição destaca que:
- O congelamento não visa fertilização assistida, mas prevenção da infertilidade;
- Há prescrição médica clara e risco documentado;
- A negativa do plano fere o direito à saúde e ao planejamento familiar (art. 196 da Constituição).
Diferença entre congelamento e fertilização assistida
Importante:
- A fertilização assistida não tem cobertura obrigatória (conforme o Tema 1067 do STJ).
- Mas o congelamento, quando feito para preservar fertilidade devido a doença, tem caráter preventivo e terapêutico.
Congelamento de óvulos x Fertilização in vitro: entenda a diferença jurídica e por que isso muda tudo
Ao discutir a cobertura do plano de saúde, é essencial distinguir três procedimentos com finalidades distintas:
1. FIV - Fertilização in vitro
É o processo laboratorial em que os óvulos e espermatozoides são fertilizados fora do corpo, formando embriões que são, então, transferidos ao útero.
Entendimento do STJ (Tema 1.067 - Recurso Repetitivo):
"Salvo disposição contratual expressa, os planos de saúde não são obrigados a custear a fertilização in vitro."
(STJ - Tema 1.067, julgado em 15/10/2021)
A decisão baseou-se na lei 9.656/98, que exclui expressamente técnicas de reprodução assistida como obrigação de cobertura, e nas resoluções ANS 192/09 e 428/17, que deixam claro que a inseminação e a FIV não são obrigatórias, salvo se contratualmente previstas.
2. Inseminação artificial
É o procedimento mais simples, em que o sêmen é introduzido diretamente no útero. Também está excluído da cobertura mínima obrigatória pela mesma base legal acima.
3. Congelamento de óvulos ou espermatozoides (criopreservação)
É a coleta e armazenamento dos gametas para uso futuro, antes que um tratamento médico comprometa a fertilidade.
Aqui está a diferença crucial:
Quando indicado por necessidade médica preventiva (por exemplo, antes de cirurgia para endometriose ou tratamento oncológico), o congelamento não se confunde com reprodução assistida, mas sim com medida de preservação da saúde reprodutiva.
Jurisprudência recente e favorável ao consumidor
Caso 1 - Endometriose profunda
"O congelamento de óvulos, no caso, não é técnica de reprodução assistida, mas sim medida preventiva diante do risco de infertilidade causado por cirurgia."
TJ/SP, apelação cível 1008502-47.2024.8.26.0008, julgado em 13/1/2025
Caso 2 - Câncer (linfoma não-Hodgkin)
"Medida que visa preservar a fertilidade da paciente, que poderá ser afetada com o início da quimioterapia. [.] O procedimento de congelamento de óvulos não se equipara à inseminação artificial."
TJ/PR, recurso inominado 0018499-66.2023.8.16.0014, julgado em 5/3/2024
Base legal reforçada pela lei 14.454/22, que estabeleceu que o rol da ANS é apenas referência mínima, e não exaustiva.
Por que a diferenciação é vital?
- A rejeição automática do plano de saúde baseada no Tema 1.067 não se aplica ao congelamento com finalidade médica preventiva.
- Muitas operadoras confundem ou alegam indevidamente que congelamento é "FIV disfarçada", o que já foi refutado judicialmente.
Atenção estratégica:
Se o relatório médico demonstrar que a paciente ainda é fértil, mas pode perder essa condição com o avanço da doença ou com o tratamento, então a criopreservação é uma extensão do tratamento - e não do planejamento familiar.
Essa distinção muda completamente o enquadramento jurídico e legitima a exigência de cobertura pelo plano de saúde.
Passo a passo: como solicitar o congelamento de óvulos ou esperma pelo plano de saúde
Nem sempre o plano informa seus direitos com clareza. Por isso, siga este roteiro completo para proteger sua saúde e seus direitos.
1. Converse com seu médico assistente
O primeiro passo é conversar com o médico que acompanha o seu tratamento. Ele é o profissional responsável por:
- Avaliar a real necessidade do congelamento de gametas;
- Emitir o relatório médico com CID e justificativa técnica detalhada;
- Especificar o risco de infertilidade decorrente da doença ou tratamento (ex: endometriose, câncer).
Dica prática: peça que o relatório mencione expressamente que o congelamento de óvulos/espermatozoides é parte essencial do tratamento de preservação da fertilidade, e não reprodução assistida.
2. Solicite o pedido formal ao plano de saúde
Com o relatório em mãos, protocole formalmente junto ao plano o pedido de cobertura do procedimento. O ideal é fazer isso de forma documentada (via protocolo em área do cliente, e-mail ou presencial).
Inclua:
- Relatório médico (com CID, assinatura e CRM do profissional);
- Laudos de exames (se houver);
- Requisição do procedimento;
- Cópia do contrato e da carteirinha do plano.
3. Peça número de protocolo e prazo de resposta
Segundo a ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, os planos devem responder a solicitação de cobertura em até:
- 72 horas úteis para procedimentos eletivos;
- 24 horas para situações de urgência com risco de infertilidade.
Dica jurídica: sempre anote ou tire print do número de protocolo e a data/hora do pedido. Isso é fundamental para ações futuras.
4. E se o plano de saúde negar o pedido?
Caso receba uma resposta negativa, solicite:
- A negativa por escrito, com os fundamentos utilizados;
- Nome, cargo e matrícula de quem forneceu a informação;
Negativas genéricas ou sem justificativa médica são abusivas e contrárias ao art. 6º, III, do CDC (direito à informação clara).
5. Registre reclamação nos canais de defesa do consumidor
Antes de acionar judicialmente, você pode e deve registrar o ocorrido nos canais oficiais:
- SAC do plano - para tentar reverter a negativa (peça novo protocolo);
- PROCON - registre sua reclamação com todos os documentos;
- ANS - site oficial;
- Protocole sua denúncia usando o número do processo e os documentos.
A ANS pode multar o plano de saúde por negativa indevida e forçar a cobertura do procedimento.
6. Organize toda a documentação para eventual ação judicial
Se a resposta continuar negativa, ou se houver urgência médica, é o momento de procurar um advogado especialista em saúde e plano de saúde.
Para isso, organize seu dossiê pessoal com:
- Relatório médico completo;
- Todos os protocolos e números de atendimento;
- Resposta (ou negativa) do plano de saúde;
- Comprovação de que houve solicitação formal;
- Documentos pessoais e contrato do plano.
7. Atenção à evolução do quadro clínico da paciente
O ideal é que o médico assistente atualize o quadro da paciente ou do paciente durante o processo. Por exemplo:
- Indicar perda de reserva ovariana (via exame de hormônio antimülleriano);
- Evolução rápida da doença (ex: câncer invasivo ou endometriose grave);
- Previsão de cirurgia com risco de esterilidade.
Essas informações são determinantes para reforçar a urgência e a necessidade do procedimento.
Resumo do passo a passo em lista rápida:
- Agende consulta com médico assistente;
- Solicite relatório médico detalhado com CID e justificativa;
- Protocole o pedido no plano de saúde com documentação completa;
- Guarde protocolos e peça negativa por escrito se houver;
- Registre reclamação na ANS e no PROCON;
- Organize toda a documentação para ação judicial;
- Mantenha o relatório clínico atualizado com evolução da doença.
Perguntas frequentes (FAQ)
1. Congelamento de óvulos é considerado tratamento ou reprodução assistida?
Quando há doença com risco de infertilidade, é considerado tratamento preventivo.
2. Preciso estar doente para ter direito à cobertura?
Sim. A cobertura judicial ocorre somente em casos com risco comprovado à fertilidade.
3. Quanto tempo os óvulos podem ficar congelados?
Por tempo indeterminado, desde que conservados adequadamente.
4. O que acontece se o plano negar e eu não puder esperar?
O ideal é buscar uma liminar com urgência. A demora pode tornar o direito inócuo.
5. Vale a pena entrar com ação mesmo sem garantia de vitória?
Sim, se houver laudo médico e urgência. Embora não haja garantia, a jurisprudência é amplamente favorável.
Informação é poder - e ação é proteção
O congelamento de óvulos pode representar não só um ato de autocuidado, mas uma necessidade médica urgente. Se você recebeu um diagnóstico que ameaça sua fertilidade, você tem direitos - mesmo que o plano de saúde tente dizer o contrário.
A negativa não é o fim da linha. Com apoio jurídico especializado, é possível transformar a recusa em acesso.
Fale com um advogado especializado e tire suas dúvidas
Se você está passando por essa situação, fale agora com um advogado especialista em Direito à Saúde. Ele pode analisar seus documentos, avaliar a viabilidade da ação e garantir que sua saúde - e seus sonhos - sejam preservados com responsabilidade.


