Abandono afetivo: Quando a ausência emocional também fere direitos
Lei 15.240/25, que reconhece o abandono afetivo como ilícito civil.
terça-feira, 4 de novembro de 2025
Atualizado às 14:39
O governo Federal sancionou a lei 15.240/25, que reconhece o abandono afetivo como ilícito civil no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. Em uma sociedade ainda marcada pela crença de que ser pai ou mãe se resume a garantir o sustento material, a nova legislação representa um avanço significativo na proteção integral de crianças e adolescentes.
Embora seja um passo importante, o abandono afetivo ainda não configura crime. A nova norma estabelece parâmetros mínimos de cuidado e presença que passam a integrar o dever legal dos pais e responsáveis, transformando em obrigação jurídica aquilo que antes era considerado apenas um dever moral.
A lei também define o conceito de assistência afetiva, que envolve orientação nas principais escolhas educacionais e culturais, apoio emocional em momentos de sofrimento e presença física quando solicitada pela criança ou adolescente. Mas ela não exige amor, vínculos emocionais e sentimentos.
O que é abandono afetivo?
O abandono afetivo configura-se como a omissão de um dever moral e jurídico: o de cuidar emocionalmente, estar presente e demonstrar afeto. Diferente do abandono material, que se refere à ausência de suporte financeiro, o abandono afetivo atinge o campo das relações humanas e pode comprometer o desenvolvimento psicológico e social das crianças e adolescentes.
Vale pontuar aqui, que a infância é o período mais sensível do desenvolvimento humano. É nela que se constroem as bases da autoestima, da confiança e da capacidade de se relacionar. Quando uma criança cresce privada da presença e do carinho de um dos pais, ela carrega marcas profundas. A ausência afetiva gera sentimentos de rejeição, insegurança e desvalorização que podem se manifestar na vida adulta como dificuldades emocionais e até transtornos psíquicos. Em outras palavras, a falta de amor não é apenas uma carência: é uma forma de violência.
Há algum tempo, no Brasil, havia um movimento crescente para que o abandono afetivo fosse reconhecido judicialmente. A Justiça entendeu que, embora não se possa obrigar alguém a amar, é possível responsabilizar civilmente quem se omite de forma consciente e injustificada do dever de cuidado. O STJ já decidiu que o dever de afeto integra o dever de cuidado e que a sua violação pode gerar indenização por dano moral. Afinal, cumprir a pensão alimentícia não é o bastante quando a criança cresce sem convivência, atenção ou apoio emocional.
Mas a judicialização do afeto não deve ser o único caminho. O Estado tem papel fundamental na prevenção do abandono afetivo. Políticas públicas que fortaleçam os vínculos familiares, programas de educação parental e campanhas sobre o papel emocional da paternidade e maternidade podem transformar comportamentos e valores sociais. Também é essencial oferecer apoio psicológico e acompanhamento familiar em situações de separação ou vulnerabilidade, para evitar que conflitos entre adultos recaiam sobre as crianças.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é claro ao estabelecer que toda criança tem direito à convivência familiar e comunitária e que é dever dos pais assegurar não apenas o sustento, mas também o cuidado moral e afetivo. O art. 22 do ECA explicita que a responsabilidade parental vai além da dimensão material. Desse modo, negar afeto é descumprir um dever legal e ético.
A falta de demonstração de carinho, atenção e empatia é, sim, uma forma de violência silenciosa - uma ferida que não aparece no corpo, mas que compromete o futuro emocional de quem a sofre. Reconhecer o abandono afetivo como uma violação de direitos é um passo essencial para construir uma sociedade mais justa e humana, em que o amor e o cuidado deixem de ser vistos como atos de escolha, e passem a ser compreendidos como responsabilidades indispensáveis à formação de qualquer ser humano.


