Jorge Messias critica pejotização: "corrói o pacto social de 1988"
Em audiência pública no STF, AGU criticou a precarização travestida de modernidade e defendeu a dignidade do trabalho como núcleo da Constituição.
Da Redação
segunda-feira, 6 de outubro de 2025
Atualizado às 09:48
Em audiência pública realizada no STF nesta segunda-feira, 6, em que se discute a "pejotização" das relações de trabalho, o advogado-geral da União, Jorge Messias, fez um discurso contundente em defesa da dignidade do trabalhador e da proteção social prevista na Constituição de 88.
Conduzida pelo ministro Gilmar Mendes, a sessão reuniu representantes do governo, juristas e entidades de classe para discutir os limites e impactos desse modelo de contratação.
Messias iniciou sua fala classificando a pejotização como um fenômeno que corrói as estruturas da proteção social brasileira.
"A 'pejotização' à brasileira, na verdade, tem se revelado uma verdadeira cupinização dos direitos trabalhistas brasileiros, porque ela corrói, por dentro, silenciosamente, as estruturas que sustentam a proteção social, fragilizando os alicerces sobre os quais se ergueu o Pacto Constitucional do Trabalho Digno e da Seguridade Social previstos na Constituição Federal de 1988."
Messias citou a canção "Construção", de Chico Buarque, para ilustrar a exaustão e a invisibilidade do trabalhador submetido à precarização.
"Como disse Chico Buarque em sua fortíssima canção Construção, 'cada passo deu como se fosse o último'. A pejotização faz do trabalho essa travessia exaustiva, onde o esforço humano é consumido até o limite e o trabalhador é substituído sem deixar vestígios."
Veja trecho:
"Não é modernização, é vulnerabilidade"
O chefe da AGU diferenciou a pejotização legítima, fruto da livre iniciativa e da autonomia empresarial, da "pejotização abusiva", que, segundo ele, disfarça vínculos empregatícios e fragiliza direitos trabalhistas.
"A pejotização, quando desvirtua a realidade, não cria liberdade, cria vulnerabilidade. Não emancipa, isola. Não valoriza o trabalho, precariza a vida."
Messias alertou que, sob o discurso da flexibilidade e da modernização, muitas empresas vêm adotando estratégias de desresponsabilização patronal, transferindo riscos e encargos para o trabalhador, que passa a viver sem garantias básicas como férias, 13º salário, FGTS e proteção previdenciária. "Não há autonomia quando o mercado impõe a pejotização como condição para o emprego."
Impactos sociais e fiscais
Jorge Messias também apresentou dados que revelam impactos sociais e fiscais do modelo. Segundo levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego, 40% dos trabalhadores em situação irregular estavam vinculados a arranjos de pejotização em 2022. A maior parte deles, 55%, recebe até R$ 6 mil por mês, e o fenômeno tem se expandido para ocupações de baixa renda.
Messias ainda citou estimativas que apontam prejuízos superiores a R$ 60 bilhões à Previdência Social e R$ 24 bilhões ao FGTS entre 2022 e 2024, devido à evasão de contribuições decorrente dessas formas contratuais.
"É o pacto social de 1988 que se esvai gota a gota em nome de uma falsa modernidade."
Defesa da Justiça do Trabalho
Em sua manifestação, Messias reforçou o papel essencial da Justiça do Trabalho na defesa da verdade material das relações laborais.
"É nessa jurisdição que o princípio da primazia da realidade cumpre seu papel constitucional, impedindo que o direito seja manipulado como instrumento de exclusão."
Messias defendeu que o STF estabeleça critérios objetivos e balizas claras para diferenciar a contratação legítima da fraude, seguindo a lógica já adotada em julgamentos como o da terceirização (ADPF 324 e Tema 725). Ele argumentou que a Corte deve reafirmar que a liberdade econômica não pode ser usada como justificativa para o esvaziamento de direitos fundamentais.
"Não é escolha, é imposição"
Um dos pontos mais fortes de sua fala foi o reconhecimento de que, para grande parte dos trabalhadores, a pejotização não é uma opção, mas uma imposição. "Não há liberdade real quando a única alternativa é abrir um CNPJ para manter o sustento da família", afirmou.
"O discurso da liberdade contratual não pode ser utilizado como biombo para a precarização."
O AGU concluiu defendendo um modelo de desenvolvimento que una eficiência produtiva e justiça social, e que tenha como pilar o trabalho digno e protegido.
"O trabalho vence todas as coisas. É pelo trabalho digno, e não pela precarização, que se ergue uma nação justa, produtiva e solidária", finalizou, citando a expressão latina labor omnia vincit.

