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Último voto

Barroso vota para descriminalizar o aborto até 12 semanas; Gilmar pede destaque

Voto sobre o tema foi último ato do ministro antes da aposentadoria.

Da Redação

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Atualizado às 21:50

Ministro Luís Roberto Barroso votou nesta sexta-feira, 17, para descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação. Em último ato antes de deixar o STF, S. Exa. acompanhou voto da ministra Rosa Weber na  ADPF 442.

Em voto sucinto e redigido com linguagem simples (íntegra abaixo), afirmou que "ninguém é a favor do aborto em si", mas que o tema deve ser tratado como questão de saúde pública, e não de Direito Penal.

Barroso destacou que a criminalização penaliza, sobretudo, as meninas e mulheres pobres, que não podem recorrer ao sistema público de saúde para obter informações, medicação ou procedimentos adequados. Observou, ainda, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo adota como política pública a criminalização da interrupção da gestação nas primeiras semanas.

"As mulheres são seres livres e iguais, dotadas de autonomia, com autodeterminação para fazerem suas escolhas existenciais. Em suma: têm o direito fundamental à sua liberdade sexual e reprodutiva. Direitos fundamentais não podem depender da vontade das maiorias políticas. Ninguém duvide: se os homens engravidassem, aborto já não seria tratado como crime há muito tempo."

A manifestação se deu em sessão virtual extraordinária agendada pelo presidente do Supremo, ministro Edson Fachin, a pedido de Barroso.

Logo após o ministro depositar seu voto, o julgamento foi novamente suspenso por pedido de destaque de Gilmar Mendes.

 (Imagem: Gustavo Moreno/STF)

Barroso vota pela discriminalização do aborto até 12 semanas.(Imagem: Gustavo Moreno/STF)

Em seu voto, Barroso defendeu que o tema deve ser tratado como questão de saúde pública e não de direito penal.

Ele afirmou que ninguém é "a favor do aborto", mas que o Estado deve atuar para evitar que ele aconteça, oferecendo educação sexual, acesso a contraceptivos e apoio a mulheres em situação de vulnerabilidade. O debate central, segundo ele, não é ser contra ou a favor do aborto, mas se o Estado deve prender mulheres que passam por essa situação.

Para o ministro, a criminalização não reduz o número de abortos, apenas os torna inseguros, afetando principalmente as mulheres pobres, que não têm acesso a serviços de saúde adequados. Ele lembrou que a maioria dos países democráticos permite a interrupção da gravidez nas primeiras semanas e ressaltou que as mulheres têm direito à autonomia e à liberdade reprodutiva.

Barroso afirmou ainda que é legítimo, por motivos religiosos ou morais, ser contra o aborto, mas que isso não justifica punir penalmente quem o realiza. Para ele, é possível ser contra o aborto e, ao mesmo tempo, contra a criminalização, porque o papel do Estado em uma sociedade democrática é respeitar as escolhas individuais e não impor convicções morais.

O processo

A ação em discussão foi apresentada pelo Psol em 2017 e pede que o STF reconheça como inconstitucional a criminalização da interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação.

Até então, a única a proferir voto era a ministra Rosa Weber. Relatora original do processo, ela se manifestou em 2023, uma semana antes de se aposentar, quando era presidente da Corte. S. Exa manifestou-se pela descriminalização. 

Como o voto já foi proferido, seu sucessor, ministro Flávio Dino, não participará da deliberação quando o caso for retomado.

Tema sensível

Durante sua presidência no STF, ministro Barroso decidiu não pautar o processo, por entender que ste debate ainda não está amadurecido na sociedade brasileira: "as pessoas ainda não têm a exata consciência do que está sendo discutido".

Em coletiva após anunciar sua aposentadoria, o ministro reiterou essa preocupação.

"Já vivemos um momento com muitos temas delicados acontecendo ao mesmo tempo e os riscos de uma decisão divisiva criar um ambiente ainda mais turbulento no país. Um juiz não faz apenas o que quer ou gostaria de fazer. Tem de ter algumas preocupações institucionais."

Íntegra do voto

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO:

Acompanho o voto da Relatora, por seus bem lançados fundamentos. Minha posição na matéria é conhecida e já a manifestei ao julgar o Habeas Corpus nº 124.306, bem como em artigos doutrinários.

Sintetizo aqui, em linguagem simples e objetiva, minha visão e sentimento sobre o tema.

1. Ninguém é a favor do aborto em si. O papel do Estado e da sociedade é o de evitar que ele aconteça, dando educação sexual, distribuindo contraceptivos e amparando a mulher que deseje ter o filho e esteja em circunstâncias adversas. Deixo isso bem claro para quem queira, em boa-fé, entender do que se trata verdadeiramente.

2. A discussão real não está em ser contra ou a favor do aborto. É definir se a mulher que passa por esse infortúnio deve ser presa. Vale dizer: se o Estado deve ter o poder de mandar a Polícia, o Ministério Público ou o juiz obrigar uma mulher a ter o filho que ela não quer ou não pode ter, por motivos que só ela deve decidir. E, se ela não concordar, mandá-la para o sistema prisional.

3. A interrupção da gestação deve ser tratada como uma questão de saúde pública, não de direito penal.

4. Pesquisas endossadas pela Organização Mundial da Saúde documentam que a criminalização não diminui o número de abortos, mas apenas impede que ele seja feito de forma segura. Vale dizer: a criminalização é uma política pública que não atinge o objetivo de reduzir o número de ocorrências. A maneira adequada de lidar com o tema é fazer com que o aborto seja raro, mas seguro.

5. A criminalização penaliza, sobretudo, as meninas e mulheres pobres, que não podem recorrer ao sistema público de saúde para obter informações, medicação ou procedimentos adequados. As pessoas com melhores condições financeiras podem atravessar a fronteira com o Uruguai, Colômbia, ir para a Europa ou valer-se de outros meios aos quais as classes média e alta têm acesso.

6. A propósito, praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo adota como política pública a criminalização da interrupção da gestação nas primeiras semanas. Isso inclui 39 países europeus e outros pelo globo, como Alemanha, Austrália, Canadá, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal e Reino Unido. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte decidiu que cabe a cada Estado-membro da Federação decidir, sendo que a maioria deles permite.

7. As mulheres são seres livres e iguais, dotadas de autonomia, com autodeterminação para fazerem suas escolhas existenciais. Em suma: têm o direito fundamental à sua liberdade sexual e reprodutiva. Direitos fundamentais não podem depender da vontade das maiorias políticas. Ninguém duvide: se os homens engravidassem, aborto já não seria tratado como crime há muito tempo.

8. A tradição judaico-cristã condena o aborto. Deve-se ter profundo respeito pelo sentimento religioso das pessoas. É, portanto, plenamente legítimo ter posição contrária ao aborto, não o praticar e pregar contra a sua prática. Mas será que a regra de ouro, subjacente a ambas as tradições - tratar o próximo como desejaria ser tratado -, é mais bem cumprida atirando ao cárcere a mulher que passe por esse drama? Pessoalmente, entendo que não. Portanto, sem renunciar a qualquer convicção, é perfeitamente possível ser simultaneamente contra o aborto e contra a criminalização.

9. Em suma: numa sociedade aberta e democrática, alicerçada sobre a ideia de liberdade individual, não é incomum que ocorram desacordos morais razoáveis. Vale dizer: pessoas esclarecidas e bem-intencionadas têm posições diametralmente opostas. Nesses casos, o papel do Estado não é o de escolher um lado e excluir o outro, mas assegurar que cada um possa viver a sua própria convicção.

É como voto.

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