ABC do CDC

A teoria do risco do negócio – A base da responsabilidade objetiva do fornecedor - Parte 3

O texto aborda o CDC e como a responsabilidade objetiva garante proteção ao consumidor diante de defeitos inevitáveis em produtos de produção em massa, sem exigir prova de culpa.

29/5/2025

Hoje continuo a análise da teoria do risco do negócio, que é a base da responsabilidade objetiva estabelecida no CDC.

Vimos que em produções massificadas, seriadas, é impossível assegurar como resultado final que o produto ou o serviço não terá vício/defeito. Para que a produção em série conseguisse um resultado isento de vício/defeito, seria preciso que o fornecedor elevasse seu custo a níveis altíssimos, o que inviabilizaria o preço final do produto e do serviço e desqualificaria a principal característica da produção em série, que é a ampla oferta para um número muito maior de consumidores.

Dessa maneira, sem outra alternativa, o produtor tem de correr o risco de fabricar produtos e serviços a um custo que não prejudique o benefício. Mas, recebe de faturamento o valor de todos os produtos vendidos/serviços fornecidos.

Está, pois, justificada a estipulação de uma responsabilidade objetiva do fornecedor.

Mas ainda existe um outro reforço dessa justificativa e que formatará por completo o quadro qualificador que obrigou o sistema normativo a adotar a responsabilização objetiva. É o relacionado não só à dificuldade da demonstração da culpa do fornecedor, assim como ao fato de que, efetivamente, muitas vezes, ele não tem mesmo culpa de o produto ou serviço terem sido oferecidos com vício/defeito.

Essa é a questão: o produto e o serviço são oferecidos com vício/defeito, mas o fornecedor não foi negligente, imprudente nem imperito. Se não tivéssemos a responsabilidade objetiva, o consumidor terminaria fatalmente lesado, sem poder ressarcir-se dos prejuízos sofridos (como era no regime anterior). No exemplo que eu dei na semana passada: aqueles 100 consumidores que adquiriram os liquidificadores com vício/defeito, muito provavelmente, não conseguiriam demonstrar a culpa do fabricante.

Explicando melhor: no regime de produção em série - característica da produção em massa - o fabricante, produtor, prestador de serviços etc. não podem ser considerados, por via de regra, negligentes, imprudentes ou imperitos.

Como se sabe, o negligente é aquele que causa dano por omissão (ex.: o motorista que não coloca óleo no freio do automóvel e, por causa disso, numa brecada, o freio falha, causando um acidente); o imprudente é quem causa dano por ação (ex.: o motorista que, dirigindo seu carro, passa o sinal vermelho de trânsito, atingindo outro veículo); e o imperito é o profissional que não age com a destreza que dele se espera (ex.: o médico que não fecha de forma adequada a parte do corpo da pessoa que sofreu a cirurgia).

Ora, o produtor contemporâneo, em especial aquele que produz em série, não é negligente, imprudente ou imperito. Ao contrário, numa verificação de seu processo de fabricação, percebe-se que no ciclo de produção trabalham profissionais que avaliam a qualidade dos insumos adquiridos, técnicos que controlam cada detalhe dos componentes utilizados, engenheiros de qualidade que testam os produtos fabricados, enfim, no ciclo de produção como um todo não há, de fato, omissão (negligência), ação imprudente ou imperícia. No entanto, pelas razões já expostas, haverá produtos e serviços viciados/defeituosos.

Vê-se, só por isso, que, se o consumidor tivesse de demonstrar a culpa do produtor, não conseguiria. E, na sistemática do CC anterior (art. 159), o consumidor tinha poucas chances de se ressarcir dos prejuízos causados pelo produto ou pelo serviço.

Além disso, ainda que culpa houvesse, sua prova como ônus para o consumidor levaria ao insucesso, pois o consumidor não tinha e não tem acesso ao sistema de produção e, também, a prova técnica posterior ao evento danoso tinha pouca possibilidade de demonstrar culpa.

Poder-se-ia dizer que antes - por incrível que possa parecer - o risco do negócio era do consumidor. Era ele quem corria o risco de adquirir um produto ou serviço, pagar seu preço (e, assim, ficar sem seu dinheiro) e não poder dele usufruir adequadamente ou, pior, sofrer algum dano. É extraordinário, mas esse sistema teve vigência até 10 de março de 1991, em flagrante injustiça e inversão lógica e natural das coisas.

Com a lei 8.078, o risco integral do negócio é do fornecedor.

Registre-se, por fim, apenas, corroborando tudo o que foi dito, que o CDC intitula a Seção II do Capítulo IV (arts. 12 a 17) como “Da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço”, porque a norma, dentro do regramento da responsabilidade objetiva, é dirigida mesmo ao fato do produto ou serviço em si, conforme já tivemos oportunidade de demonstrar. É o “fato” do produto e do serviço causadores do dano o que importa.

O estabelecimento da responsabilidade de indenizar nasce do nexo de causalidade existente entre o consumidor (lesado), o produto e/ou serviço e o dano efetivamente ocorrente.

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor. Para acompanhar seu conteúdo nas redes sociais: Instagram: @rizzattonunes, YouTube: @RizzattoNunes-2024, e TikTok: @rizzattonunes4.