CPC na prática

Os arts. 369 e 372 do CPC/15, o Tema 1238 do STF e o Princípio da Proibição da Prova Ilícita

STF reafirma: Provas ilícitas são vedadas em qualquer instância, inclusive processos administrativos. Tema 1238 reforça o due process of law como pilar da efetividade processual.

15/5/2025

O STF, com o Tema de Repercussão Geral 1238, revisitou o importantíssimo ponto da proibição da prova ilícita, conforme ementa do ARE 1316369 RG: “Repercussão geral em recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Administrativo. Processo administrativo. Condenação imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, em face de empresa do ramo de gases industriais e medicinais, por suposta formação de cartel. 2. Com fundamento no art. 323-A do RISTF, é possível conferir maior alcance para a decisão a ser tomada no Plenário Virtual, evitando-se o estreitamento da deliberação a um aspecto preliminar, relativo ao reconhecimento da existência de repercussão geral da matéria. 3. A experiência desta Suprema Corte permite que se avance nas discussões, para reafirmar a jurisprudência consolidada sobre o tema, no sentido da inadmissibilidade, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário. 4. Não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito de judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes. 5. Impossibilidade de valoração e aproveitamento, em desfavor do cidadão, de provas declaradas nulas em processos judiciais. Precedentes. 6. Jurisprudência do Tribunal no sentido da admissibilidade, em processos administrativos, de prova emprestada do processo penal, desde que produzida de forma legítima e regular, com observância das regras inerentes ao devido processo legal 7. Repercussão geral reconhecida. 8. Flagrante ilicitude das provas utilizadas no julgamento realizado pelo CADE. Acórdão recorrido reconhece que a condenação imposta no âmbito administrativo baseou-se em provas que tiveram origem, direta ou indiretamente, em interceptações telefônicas declaradas ilícitas pelo Superior Tribunal de Justiça. 9. Não há espaço para acolher as teses defendidas pela autarquia, as quais conduziriam a um indevido aproveitamento de provas ilícitas em processo de fiscalização inaugurado para apuração de suposta formação de cartel. Acolher semelhante raciocínio corresponderia a um grave atentado contra a literalidade do art. 5º, inciso LVI, da Constituição da República, que preconiza a inadmissibilidade, no processo, de provas obtidas com violação a normas constitucionais ou legais. Além disso, ensejaria uma afronta ao entendimento sedimentado nesta Corte, que estabelece limites rígidos para o uso de prova emprestada em processos administrativos. 10. Reafirmação da jurisprudência consolidada do Tribunal. Não provimento ao recurso extraordinário. 11. Fixação da tese: “São inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário”.

Este acórdão se relaciona com o conceito de efetividade processual, o qual não pode se confundir com a mera obtenção de celeridade, na medida em que um processo que seja rápido, mas que não respeite o due process of law, não estará em conformidade com o espírito do moderno processo civil, o qual também almeja garantir o respeito às garantias constitucionais. Respeitar o devido processo legal, portanto, é elemento essencial em toda a sistemática do moderno processo civil. 

A Magna Carta, em seu art.5º, LIV, prescreve que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.  E certamente o devido processo legal é princípio base para todo o sistema processual, encerrando em seu conceito o dever de respeitar as garantias processuais que são conferidas pela Constituição Federal e pelas regras ordinárias às partes, entre elas o direito ao contraditório e à ampla defesa, conferindo-se, ainda, tratamento igualitário aos litigantes. 

A correta aplicação do due process of law permite a obtenção de um processo efetivo, pautado pelo respeito à segurança, mas também voltado à celeridade. O devido processo legal encerra em seu conceito a diretriz de que ninguém será privado de sua liberdade e/ou de seus bens sem a observância de procedimento previamente previsto em lei, bem como sem a garantia da ampla defesa, do contraditório, da motivação das decisões judiciais, do direito à prova e do devido tratamento igualitário entre as partes do processo.

O direito de provar o quanto se alega também é expressão do devido processo legal e é garantia do adequado acesso à justiça (art.5º, XXXV e LIV, da Magna Carta). 

Mas o direito à produção da prova não pode ser absoluto, devendo ser limitado pela proibição ao uso da prova ilícita (art.5º, LVI, da Magna Carta). E isso como respeito ao próprio devido processo legal e em nome da adequada efetividade do processo.

Atualmente, a proibição da prova ilícita está refletida no art.5º, LVI, da Magna Carta, e no art. 369 do CPC; regras estas que estampam importante restrição ao livre exercício do direito à prova no processo civil brasileiro. 

O sistema probatório brasileiro adota a liberdade dos meios de prova, de tal sorte que todo e qualquer instrumento de prova pode ser admitido no processo (arts. 155 do CPP e 369 do  CPC). Mas o próprio art. 369 do CPC apresenta um grande limitador a essa liberdade probatória, o qual é justamente o da proibição ao uso da prova ilícita. 

O art. 157 do CPP nos apresenta uma definição de prova ilícita, a qual seria aquela que viola disposições legais e/ou constitucionais. 

Sobre o mandamento constitucional do art. 5º, LVI, Nelson Nery Jr. observa que sua aplicabilidade atinge o processo civil, penal e administrativo; sendo certo que sua inobservância gera nulidade processual. 

Nesse contexto, fundamental é o Tema de Repercussão Geral 1238, no qual o STF proclamou a tese de que são inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário.

E essa tese se relaciona, também, com o art. 372 do CPC, o qual prevê a possibilidade do empréstimo da prova, desde que respeitado o princípio do contraditório.

Há muito se debate sobre a validade do uso da prova emprestada no processo civil, de modo que a positivação de tal instituto ratifica posição já sinalizada na doutrina e na jurisprudência. 

Por prova emprestada se entende aquela que foi produzida em outro processo, cujos efeitos a parte pretende que sejam apreciados e considerados válidos por magistrado que preside um processo diverso.  

Para Nelson Nery Jr, a questão mais importante para a admissão da prova emprestada é a observância do contraditório em relação aos litigantes. Na mesma direção segue Luiz Guilherme Marinoni, para quem a observância do contraditório na produção da prova é fundamental para que esta possa emprestar os seus efeitos a outros autos.  

A questão do uso da prova emprestada tem fundamental importância quando se estuda a problemática das provas ilícitas no processo civil, razão pela qual o Tema de Repercussão Geral 1238, apreciado pelo STF, tem extrema relevância. 

É bem de se ver que a aplicação do art. 372 do CPC não deve prescindir de uma profunda análise do caso concreto, não só observando se a prova nos autos originais foi constituída e produzida à luz do devido processo legal, mas também se verificando, em especial, se a mesma atendeu ao quanto disposto nos arts. 369 do CPC e 5, LVI, da Magna Carta.

Havendo ilicitude detectada, tal qual definido pelo STF no julgamento do ARE 1316369 RG, não é possível se permitir o empréstimo de prova. 

Proteger o due process of law – e os princípios a ele inerentes - é elemento essencial da efetividade processual. 

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).