CPC na prática

O recente julgamento da ADI 7600/DF e o marco legal de garantias

Desafios da execução judicial ganham nova luz com o marco legal das garantias, que agiliza a localização e excussão de bens, equilibrando eficiência e direitos fundamentais.

17/7/2025

Já tivemos a oportunidade de assinalar que o arsenal de instrumentos introduzido em nosso sistema executivo há duas décadas não evitou que os índices de congestionamento da execução no Poder Judiciário nacional ainda se mostrassem lamentáveis.

Os relatórios do Justiça em Números, do CNJ, contextualizam bem o cenário, demonstrando altos índices de estoque de execuções frustradas.

A causa da baixa performance na execução é indicada, pelo próprio CNJ, como sendo a dificuldade de localização de bens do devedor: "Há de se destacar, no entanto, que há casos em que o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente".

Nesse cenário, com base em dados fornecidos pelo próprio CNJ, a crise da execução civil não será solucionada com os genéricos debates acadêmicos.

O contexto exige um conjunto de atos processuais que permita atingir-se rapidamente o patrimônio do devedor. Sem essa premissa sendo instrumentalizada com êxito nos casos concretos, dificilmente o sistema executivo poderá ser considerado mais eficiente em nosso país.

Nesse contexto, foi muito bem-vinda a lei 14.711/23. Essa lei, chamada de marco legal das garantias, trouxe importantes novidades quanto à localização e execução de determinados bens oferecidos como garantia em operações comerciais.

Na medida em que, no Brasil, muitas ações de execução se mostram frustradas em virtude da dificuldade de localizar o devedor e/ou os seus respectivos bens que possam ser penhorados, o marco legal das garantias certamente objetivou conferir mais agilidade na satisfação dos valores devidos aos credores. A lei, portanto, teve o claro enfoque de facilitar a localização e a excussão de garantias.

Um destaque foi a possibilidade da execução extrajudicial do crédito hipotecário, com semelhanças ao procedimento da execução ligada à alienação fiduciária de imóvel dado em garantia. Ou seja, a execução ocorre, primariamente, através de atos do cartório de registro de imóveis.

O marco legal das garantias também previu a possibilidade da contratação de um agente especializado de garantia, o qual pode auxiliar na otimização de atos necessários para melhor performance na localização e excussão de bens dos devedores.

A lei também adota a possibilidade de uma negociação, regida perante o cartório de protestos, previamente à efetivação dos protestos de títulos; em sintonia, aqui, com a dinâmica da busca de uma solução consensual de conflitos.

A lei também previu a possibilidade da execução extrajudicial de bens móveis regidos pela alienação fiduciária em garantia; de modo que a busca e apreensão do móvel dado em garantia, por exemplo, pode ser realizada através de atos do cartório de títulos e documentos.

Neste particular, em especial quanto ao art. 8º- C do decreto-lei 911/1969, com a redação conferida pelo marco legal das garantias, o STF, ao apreciar a ADI 7.600/DF, entendeu que:

“O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedentes os pedidos das ADI 7.600, 7.601 e 7.608, conferindo interpretação conforme à Constituição aos §§ 4º, 5º e 7º (expressão “apreendido o bem pelo oficial da serventia extrajudicial”) do art. 8º- C do decreto-lei 911/1969, com a redação conferida pela lei 14.711/23, de modo que, nas diligências para a localização do bem móvel dado em garantia em alienação fiduciária e em sua apreensão, devem ser assegurados os direitos à vida privada, à honra e à imagem do devedor, a inviolabilidade do sigilo de dados, a vedação ao uso privado da violência, a inviolabilidade do domicílio, a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade, fixando a seguinte tese de julgamento: “1. São constitucionais os procedimentos extrajudiciais instituídos pela lei 14.711/23 de consolidação da propriedade em contratos de alienação fiduciária de bens móveis, de execução dos créditos garantidos por hipoteca e de execução da garantia imobiliária em concurso de credores. 2. Nas diligências para a localização do bem móvel dado em garantia em alienação fiduciária e em sua apreensão, previstas nos § § 4º, 5º e 7º do art. 8º-C do decreto-lei 911/1969 (redação da lei 14.711/23), devem ser assegurados os direitos à vida privada, à honra e à imagem do devedor; a inviolabilidade do sigilo de dados; a vedação ao uso privado da violência; a inviolabilidade do domicílio; a dignidade da pessoa humana e a autonomia da vontade”. Tudo nos termos do voto do relator, ministro Dias Toffoli, vencidos a ministra Cármen Lúcia, que julgava procedentes as ações diretas para reconhecer a inconstitucionalidade dos arts. 6º, 9º e 10 da lei 14.711/23, e, parcialmente, o ministro Flávio Dino, que acompanhava o voto do relator e, ainda, declarava a inconstitucionalidade do art. 8º-E, caput e parágrafo único, do decreto-lei 911/1969 (incluído pela lei 14.711/23). Falaram: pelo interessado Congresso Nacional, o Dr. Mateus Fernandes Vilela Lima, advogado do Senado Federal; pelo amicus curiae Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR, o Dr. Maurício Zockun; pelo amicus curiae Federação Brasileira de Bancos, a Dra. Gabriela Maira Patrezzi Diana; pelo amicus curiae Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento – ACREFI, o Dr. Saul Tourinho Leal; e, pela Advocacia-Geral da União, o Dr. Rodrigo Rebello Horta Gorgen, advogado da União. Plenário, sessão virtual de 20/6/25 a 30/6/25.”

Nesse contexto, adotou-se critérios para uma leitura constitucional de dispositivos do marco legal de garantias, sem deixar-se de prestigiar a tendência de procedimentos mais céleres para a localização de bens do devedor.

A pedra de toque do nosso sistema processual, sem qualquer espécie de dúvida, está no tema das execuções frustradas, de modo que iniciativas que possam facilitar, sem prejuízo do devido processo legal e das demais garantias constitucionais, a localização e a excussão de bens do devedor, são muito bem-vindas e podem/devem ser estudadas e prestigiadas.  

Veja a versão completa

Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).