Fico muito curioso, curiosidade por vezes não satisfeita, quando vejo a reiteração de expressões cujo significado é desconhecido ou mal interpretado pela maioria dos que as utilizam. A repetição se alastra e até muda muitas vezes de sentido, pois é aplicada em situações diversas daquelas que lhe deram origem.
Existem fatos batizados por expressões que deturpam e assumem uma extensão muito maior do que a sua exata acepção. Estou me referindo especificamente ao termo bully, que é o ato de intimidar, oprimir, tiranizar, conforme registram os dicionários inglês-português.
Quais condutas, comportamentos e ações podem representar os verbos acima? Não há nenhuma lei, norma interna das escolas ou outra qualquer regra que nos possa esclarecer caso a caso se o fato narrado constitui bully.
Assim sendo, nós caímos em uma subjetividade quase absoluta. Salvo os casos de flagrante agressão e violação da dignidade alheia, é impossível com clareza saber-se se determinado ato passou os limites de uma brincadeira, de uma gozação ou galhofa para penetrar no campo da ofensa pessoal, capaz de ferir e abalar a autoestima ou manchar a imagem perante terceiros do atingido. Aí entra uma dupla questão subjetiva. Primeiro quanto às vítimas, umas poderão sentir-se magoadas, feridas e outras não, por considerarem mera brincadeira aquilo que foi ofensivo para as primeiras. Ademais, há um aspecto subjetivo que envolve a intenção do autor das “brincadeiras”. Desejou ele fazer graça, divertir-se sem nenhuma intenção de achincalhar ou menosprezar o próximo.
A estas duas vertentes da questão do bully, soma-se a temporal. Parece-me que anos atrás a a sua incidência era menor. As pessoas especialmente crianças, jovens e seus pais eram menos sensíveis e mais tolerantes. O que hoje atinge a sensibilidade outrora era encarado com humor e retribuído na mesma moeda sem dramaticidade e reações belicosas.
Dou-me como exemplo. Sempre fui gordo, gordinho ou gordão. Desde os primórdios de minha já longa existência, e que mais se alongue, sempre fui gordo e assim chamado. Mas não era só, por ter uma alergia de pele, passaram na Faculdade a chamarem-me de “zé coceira”. Por fim, lembro-me de ser chamado de “macaquinho”. Fosse eu preto poderia achar-me vítima de racismo. Mas não. Esse apelido não foi outorgado por merecimento, mas sim por hereditariedade: meu pai era o “macacão”.
Pois bem, chamais senti que minha dignidade pessoal ou minha honra estivessem sido atingidas. Talvez hoje, esses apodos criassem uma crise para os envolvidos, seus pais e escolas onde estudassem.
Houve no Externado e Ginásio Paraiso onde estudei o primário e o ginásio, um episódio hilário, foi assim foi considerado por mim e pelos meus pais. Eu não era um primor de aluno bem-comportado, muito ao contrário. As minhas indisciplinas em certa ocasião obrigaram determinada professora a colocou-me para fora da sala no meio da aula. Essa não foi a primeira vez. Mas foi a primeira que a minha expulsão se deu pela janela. Ela quis encurtar o meu trajeto. Como é óbvio fui alvo de apupos e gozações dos colegas, aumentados pelas dificuldades físicas do “gordo” cumprir a ordem.
Não me senti vítima de “bully”.