Marizalhas

Sem esquecimento, sem anistia

A anistia não pode significar esquecimento: crimes contra a democracia devem permanecer na memória coletiva.

23/9/2025

Tema dos mais atuais, discutido em todos os meios sociais, segmentos profissionais, na imprensa e no Parlamento é a anistia que se quer seja concedida aos destruidores do 8 de janeiro e àqueles que tramaram contra a Democracia.

Eu gostaria de abordar um aspecto do instituto que não se refere à sua inadequação constitucional ou inconveniência política. Quero focar uma das consequências do perdão, em relação aos fatos e pessoas perdoadas. Sou contrário à aplicação do instituto nos recentes eventos do país, mas permito-me fazer breves digressões, não sobre os fatos ou sobre as pessoas, mas sobre uma das consequências do instituto.

Trata-se do esquecimento. O ato de perdoar implica em afastar do espírito qualquer ressentimento, censura, rancor, mágoa, enfim, qualquer sentimento negativo eventualmente gerado pela conduta do perdoado. A renúncia à punição, sob o aspecto objetivo, coloca uma pá de cal sobre o ocorrido, impedindo que provoque consequências jurídicas.

Há, no entanto, um aspecto que não pode ser deixado de lado. Refere-se exatamente ao esquecimento daquilo que foi perdoado. Dizem ser da essência do perdão tentar que se apague da memória a ação lesiva. Memória individual e coletiva. 

Parece que esse esquecimento é uma complementação do próprio perdão. Embora sob o aspecto individual, para que alguém perdoe não é necessário que afaste de sua lembrança a ofensa e o ofensor, mas sim que não detenha rancor, mágoa, desejo de vingança ou algum outro sentimento negativo. Segundo a religião e a psicologia o perdão conduz à paz interior e permite que aflorem tendências às ações construtivas e harmoniosas.

No plano individual, o perdoar traz sim, em tese, as consequências acima expostas. No entanto, quando se trata de uma anistia para ações coletivas, que causaram danos à sociedade, como as recentes, há algumas diferenças. Em primeiro lugar não há uma individualização de vítimas, pois é a coletividade ou um segmento específico que foi atingido, ou entes abstratos como a democracia, as instituições ou a nação. Ademais, por não ser a conduta a ser perdoada agressão à pessoa determinada, a medida não mais se situa no âmbito pessoal, pois não se trata de um ato de vontade individual. A lei que perdoa é fruto de uma decisão colegiada do Congresso Nacional.

Os sentimentos ínsitos ao perdão individual não estão presentes no perdão coletivo. Nesse sentido, os representantes do povo estão perdoando em seu nome, o que afasta o cunho de misericórdia, ausência de ressentimento, mágoa, que são sentimentos pessoais daquele que perdoa. 

Em sendo assim, não cabe a anistia para quem praticou ações que ocasionaram lesões à paz social e às instituições, e não podem implicar em esquecimento, ao contrário devem estar vivas na memória dos cidadãos. Anistia-se os praticantes das condutas, mas não os crimes praticados.

Os atos de vandalismo e os de ameaça à democracia não podem ser apagados da memória pois são crimes de lesa-pátria, que devem ser permanentemente lembrados para evitar-se repetições futuras.

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Colunista

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado.