Meio de campo

A lei das sociedades desportivas de Portugal e a lei da SAF - Parte 3

Encerrando a série, o artigo analisa deveres, sanções e critérios de idoneidade previstos na lei portuguesa das sociedades desportivas, destacando aspectos de transparência e fiscalização.

18/6/2025

Neste último artigo da série (que complementa os dois textos anteriores), abordam-se determinados aspectos da lei das sociedades desportivas portuguesa (lei 39/23, de 4/8) inseridos em capítulos denominados “disposições comuns”, “fiscalização, regulação e supervisão”, “contraordenações” e “disposições finais e transitórias”.

O art. 26º dispõe sobre a publicidade da sociedade desportiva e determina a publicação na respectiva página na internet do contrato social consolidado, das contas dos últimos três anos, da composição dos órgãos de administração e de fiscalização, dos contatos oficiais, dos dados relevantes relacionados ao cumprimento de deveres de transparência e de determinadas comunicações com os sócios.

Dentre os deveres previstos na lei, inclui-se o dever atribuído à pessoa ou entidade que passar a deter participação qualificada no capital social ou se tornar a maior acionista da sociedade desportiva, de informar o fato à própria sociedade empresária e à federação desportiva, que deverão publicar o conteúdo em suas páginas na internet. Ademais, a pessoa ou entidade enquadrada deverá identificar o beneficiário efetivo (final) da participação, mesmo que se sujeite a lei estrangeira (ou seja, mesmo que seja domiciliado ou residente no exterior).

As sociedades desportivas são fiscalizadas – mediante a realização de inquéritos, inspeções, sindicâncias e auditorias externas –, pelo Instituto Português do Desporto e Juventude, sem prejuízo do disposto no Código das Sociedades Comerciais, no Código dos Valores Mobiliários e demais legislações aplicáveis.

Os titulares de ações e os administradores de sociedades desportivas devem ser pessoas com idoneidade. Considera-se idoneidade, segundo a lei, a aptidão para o exercício de determinada função, aferida pela probidade, por características pessoais, pelo modo de atuação e pela situação profissional e financeira. O art. 32º discorre sobre avaliação de idoneidade, apreciação de idoneidade e presunção de idoneidade.

A lei estabelece que será idônea a pessoa que, cumulativamente, preencher os seguintes requisitos:

“a) Seja maior não afetada por qualquer incapacidade de exercício;

b) Não seja devedora de qualquer sociedade desportiva;

c) Não tenha sido condenada por sentença transitada em julgado por crimes em matéria de dopagem, pelos crimes previstos no regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva e no regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, até cinco anos após o cumprimento da pena;

d) Não tenha sido sancionada por crimes praticados contra o património de sociedades desportivas ou clubes desportivos, até cinco anos após o cumprimento da pena, salvo se sanção diversa lhe tiver sido aplicada por decisão judicial;

e) Não tenha sido condenada por sentença transitada em julgado por crimes de corrupção, recebimento indevido de vantagem, branqueamento de capitais, associação criminosa, terrorismo, furto, abuso de confiança, burla, extorsão, infidelidade, abuso de cartão de garantia ou de crédito, usura, emissão de cheque sem provisão, falsificação de documento, insolvência dolosa, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, abuso sexual de crianças, tráfico de pessoas ou auxílio à imigração ilegal, até cinco anos após o cumprimento da pena”.

A pessoa que pretender adquirir participação qualificada deverá demonstrar capacidade econômica para o investimento e procedência dos meios.

O art. 33º prevê que a sociedade desportiva que não estiver com a situação tributária e contributiva regularizada por um período superior a três meses seguidos ou seis intercalados, no mesmo ano civil, ficará sujeita a sanções desportivas, aplicáveis pela respectiva federação.

Aliás, o art. 28º estabelece que o regime fiscal das sociedades desportivas consta de lei especial (lei 103/1997, de 13/9)1, aplicando-se, nas omissões, as leis tributárias gerais portuguesas.

O capítulo VIII, denominado contraordenações, é dividido em: coimas, que se referem a sanções pecuniárias decorrentes de inobservâncias da lei; sanções acessórias, que envolvem, dentre outras, a inibição ao exercício de funções administrativas na sociedade desportiva; medidas cautelares, abrangendo, por exemplo, a suspensão preventiva de atividade ou função; responsabilidades pelas contraordenações, em que se identificam responsáveis ou se atribuem responsabilidades pelas ilicitudes; e outros subcapítulos que versam sobre elementos pessoais, formas de infração, cumprimento do dever violado, prescrição, custas e impugnação judicial.

Assim se conclui a série de textos sobre a lei portuguesa, que oferece interessante material de análise, estudo e comparação com o modelo brasileiro.


1 Disponível aqui. Acesso em 17/6/25.

Veja a versão completa

Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.