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Alienação fiduciária, hipoteca e o mito do preço vil

Eficiência e segurança na execução de garantias imobiliárias ganham clareza com a lei 9.514/97, decisões do STJ/STF e modernização da hipoteca pela lei 14.711/23.

16/9/2025

A busca por eficiência, segurança e equilíbrio na execução de dívidas com garantia imobiliária é um antigo desafio no Brasil. Regras claras e aplicadas de modo previsível são essenciais se queremos um mercado imobiliário com crédito abundante, acessível e barato.

1. De onde viemos

Ao longo do século XX, o credor hipotecário nunca encontrou um bom caminho para a recuperação do seu crédito: ou percorriam uma longa e excruciante execução em juízo, ou se arriscavam pela polêmica e jamais bem compreendida excussão extrajudicial.

O resultado foi o crescente anacronismo dessa garantia milenar e sua paulatina substituição pela AF - alienação fiduciária, trazida pela lei 9.514/1997, mais eficaz por seu procedimento extrajudicial radicalmente distinto do sistema geral previsto no CPC.

A nova garantia mergulhou no caldeirão cultural do Brasil, provocando, como era de se esperar, discussões judiciais tonitruantes e interpretações contra legem. A principal controvérsia resumia-se a esta pergunta: a lei 9.514/1997 prevalece sobre o art. 53 do CDC, pelo qual são nulas “as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas” nas alienações fiduciárias em garantia?

Foram anos de incerteza, até que o STJ, atento à relevância social e econômica da garantia, julgou, em 2022, o Tema 1.095, com tese vinculante pela qual a “lei 9.514/1997, por se tratar de legislação específica”, afasta a aplicação do CDC1:

Em 2023, outro passo importante rumo à segurança jurídica: o STF, ao julgar o Tema 982, fixou tese de repercussão geral pela qual declarou ser "constitucional o procedimento da lei 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal".

Ainda em 2023, a lei 14.711/232, além de atualizar diversas regras aplicáveis à lei 9.514/1997, finalmente modernizou a hipoteca, tornando similares os procedimentos extrajudiciais das duas garantias, e mantendo certas diferenças3.

Embora os avanços tenham sido notáveis, eles não foram suficientes para aplacar uma importante discussão: na execução das garantias, a arrematação do imóvel por menos do que 50% do seu valor caracteriza preço vil e invalida o leilão extrajudicial?

Se para você a resposta é óbvia, saiba que uma parte do Judiciário discorda. Antes e depois do Tema 1.095 do STJ, os julgamentos a esse respeito não foram uniformes nem mesmo no próprio STJ:

Para superar tamanha insegurança jurídica, pavimentando a melhoria do sistema, o primeiro passo é termos as coisas claras, entendendo o singular mecanismo da execução extrajudicial dessas garantias.

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Coordenação

Alexandre Junqueira Gomide é doutor e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Especialista e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Fundador e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM. Diretor de Relações Institucionais do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Advogado, professor e parecerista.

André Abelha é mestre em Direito Civil pela UERJ. Fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registral no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Professor na pós-graduação em Direito Imobiliário da Puc-Rio e em outras instituições. Sócio do escritório Longo Abelha Advogados.