Migalhas Notariais e Registrais

Diferença entre georreferenciamento, certificação da poligonal no Incra e retificação de área

Apresenta a distinção entre três institutos jurídicos diversos e complementares entre si: o georreferenciamento, a certificação da poligonal do imóvel no Incra e o procedimento de retificação de área no registro de imóveis.

25/8/2025

Neste breve artigo, em ordem lógica e cronológica, pretende-se definir o que é georreferenciamento, certificação da poligonal no INCRA e retificação de área realizada no cartório de registro de imóveis.

O georreferenciamento é a técnica que determina a localização, forma e dimensão de um imóvel por meio de coordenadas geográficas obtidas via GPS, levantamento topográfico e/ou imagens de satélite, em geral sendo vinculada a um sistema oficial. Essa técnica assegura a identificação precisa do imóvel, fundamental para sua regularização e prevenção de conflitos de limites.

De sua vez, a certificação da poligonal no INCRA é um cadastro que atesta que os limites georreferenciados de um imóvel rural não se sobrepõem a outros previamente inscritos no mesmo cadastro administrativo. Trata-se de cadastro autodeclaratório, visto que criado unilateralmente pelo proprietário ou possuidor de um imóvel, a partir da inserção de suas coordenadas geodésicas no SIGEF - Sistema de Gestão Fundiária do INCRA por um profissional técnico credenciado. A certificação não reconhece domínio nem constitui um direito à retificação da área cadastrada, o que é atribuição jurídica do registro imobiliário.

Por fim, a retificação de área é o nome dado ao procedimento1 e à averbação realizados no registro de imóveis. Assim, os atos concatenados para fins de realização de uma demarcação de um imóvel no registro imobiliário constituem um “procedimento” de retificação realizado diretamente em cartório2. De sua vez, o ato registral decorrente do deferimento do pedido feito neste processo extrajudicial é justamente a “averbação” de retificação de área. Portanto, o processo de retificação de área visa especificar na matrícula do imóvel a área física real ou factual, obtida por levantamento topográfico interno (intra muros) e materializada no registro de imóveis mediante a averbação homônima.

Conforme já tivemos a oportunidade de explicar em artigo científico sobre o tema: “No dia a dia cartorário não é incomum chamar a averbação de retificação de área (prevista no art. 213, II, da LRP) de ‘averbação de georreferenciamento’ ou ‘averbação de geo’. No entanto, tecnicamente, a ‘retificação de área’ vale-se da técnica de ‘georreferenciamento’ para ser realizada, mas essas duas não se confundem”.3

Outrossim, alguns pontos devem ser ainda esclarecidos. Existe certa divergência acerca da obrigatoriedade do georreferenciamento para os imóveis urbanos, sendo que possivelmente a maioria dos oficiais de registro de imóveis ainda não o exige, embora haja regulamento específico da ABNT estabelecendo sua obrigatoriedade. É certo que o georreferenciamento de imóveis rurais é compulsório para os imóveis cuja área for igual ou superior àquela prevista na legislação (atualmente 25 hectares), havendo divergência de entendimento entre os registradores de imóveis quanto à obrigatoriedade do georreferenciamento para  os imóveis rurais com área inferior4, mesmo que também se aplique o regulamento da ABNT nestes casos, o qual exige a obtenção das coordenadas geodésicas para os atos a serem realizados nos registros públicos, independentemente do tamanho da área do imóvel.5

Como se percebe, o georreferenciamento é pré-requisito, em relação aos imóveis rurais (salvo aqueles com áreas inferiores a 25 hectares), para a realização da certificação da poligonal no INCRA. De igual modo, a certificação da poligonal no INCRA é pré-requisito, nestes casos, para a realização do procedimento e averbação de retificação de área. Embora estejam no mesmo contexto, é importante sabermos que eles não se confundem.

Em suma, para aqueles que entendem que todos os imóveis, urbanos e rurais, devem obrigatoriamente ser georreferenciados, a técnica de georreferenciamento sempre será um pré-requisito, verdadeira conditio sine qua non, para a retificação de área perante o cartório de registro de imóveis. Para os registradores de imóveis que defendem que certos imóveis não precisam de georreferenciamento (v.g., todos os imóveis urbanos e alguns imóveis rurais), bastando uma planta e memorial descritivo simples indicando os rumos ou metragem do perímetro do bem de raiz, a retificação de área prescindirá do georreferenciamento.

Atualmente, nos casos específicos dos imóveis rurais com área igual ou maior que 25 hectares, além de ser obrigatório o georreferenciamento, também deverá o imóvel estar certificado no INCRA, para só então ser realizada a retificação de área em cartório.

Com efeito, é preciso ter um conhecimento prévio destes conceitos, para evitar confusão semântica e entender o funcionamento do procedimento e da averbação de retificação de área que possui regulamentação nos arts. 212 e 213 da lei 6.015/1973 (LRP - Lei de Registros Públicos) e agora, inclusive, no art. 440-AX do Código Nacional de Normas.

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1 A retificação de área, como gênero, é um “procedimento”. No entanto, sob a acepção do processo civil também podemos conceituá-la como um “processo”, espécie de procedimento, visto que garantido o contraditório a partir das notificações, editais e direito de impugnação (art. 213, §§ 2º a 6º e § 17, da LRP). Conforme ensina Miguel Calmon Dantas, “Pode-se conceber o procedimento como um gênero, de que o processo seria uma espécie. Neste sentido, processo é o procedimento estruturado em contraditório, no qual as partes têm o direito fundamental de se manifestar e influenciar a decisão, garantindo a ampla defesa e o devido processo legal” (DANTAS, Miguel Calmon. Direito fundamental à processualização: ln: GOMES JR., Luiz Manoel; WAMBlER, Luiz Rodrigues; DIDlER JR. Fredie (org.) Constituição e processo. Salvador: Editora JusPodivm, 2007, p. 418).

2 O procedimento extrajudicial de retificação de área, realizado no cartório de registro de imóveis, é o equivalente à ação judicial demarcatória, promovida perante o Poder Judiciário.

3 MALLMANN, Jean. “Lei” de georreferenciamento urbano: a partir de agora o registrador de imóveis deve exigir o geo em todos os trabalhos técnicos? Revista de Direito Imobiliário. v. 94. ano 46. p. 247-274. São Paulo: Ed. RT, jan.-jun. 2023, p. 250, grifo nosso.

4 A divergência da práxis cartorial atualmente diz respeito à exigência da realização da técnica de georreferenciamento para imóveis com área inferior a 25 hectares. Como referido, nosso entendimento é o de que sempre será necessário o georreferenciamento, independentemente do tamanho do imóvel. Por outro lado, pela legislação vigente, não há obrigatoriedade de realização da certificação da poligonal no INCRA quando a área for inferior a 25 hectares. Atualmente, portanto, é obrigatória a certificação da poligonal no INCRA apenas para os imóveis com área igual ou superior a 25 hectares, sendo facultativa a certificação para os imóveis com áreas menores. Vale destacar que o art. 10, VII, do Decreto n. 4.449, de 30 de outubro de 2002, alterado pelo Decreto n. 9.311/2018, estabelece que a certificação da poligonal no INCRA passará a ser obrigatória para todos os imóveis rurais objeto de retificação, desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de propriedade após 22 (vinte e dois) anos da data da entrada em vigor do decreto presidencial. Assim, perpassada a data-limite de 20/11/2025, inclusive os imóveis rurais com área inferior a 25 hectares terão de ser certificados compulsoriamente perante o INCRA. Pela redação original do decreto esse prazo já iria ter se esgotado em 2018 (porém, foi prorrogado pelo Dec. 7.620/2011) e em 2022 (novamente prorrogado pelo Dec. 9.311/2018, que fixou o prazo atual). Desse modo, não havendo nova prorrogação, todos os imóveis rurais serão obrigados a ser certificados no INCRA a partir de 20 de novembro de 2025.

5 A Norma Brasileira de Regulação aplicável às plantas e memoriais descritivos prevê expressamente a obrigatoriedade de realização de georreferenciamento para todos os imóveis, urbanos e rurais, objeto de retificação perante o registro imobiliário. Conforme ABNT NBR 17047:2022: “Item 6.1. O levantamento cadastral territorial para registro público deve estar apoiado à Rede de Referência Cadastral Municipal (RRCM) ou, na inexistência desta, deve estar apoiado ao Sistema Geodésico Brasileiro (SGB). [...] Item 8.1 Os vértices da parcela ou do imóvel devem ser registrados com coordenadas geodésicas (latitude e longitude), utilizando como referencial o Sistema Geodésico de Referência vigente no Brasil”. De sua vez, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 1990) estabelece, em seu art. 39, VIII, a obrigatoriedade de que os serviços fornecidos observem as normas específicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Com efeito, “A NBR 17047:2022 estabelece que os vértices dos imóveis (urbanos e rurais) devem ser registrados com coordenadas geodésicas, utilizando como referencial o Sistema Geodésico de Referência vigente no Brasil. Desse modo, tratando-se naturalmente de relação de consumo, a referida NBR deve ser aplicada aos profissionais técnicos que realizem georreferenciamento, sendo, pois, objeto de qualificação pelo Oficial de Registro de Imóveis” (MALLMANN, Jean. “Lei” de georreferenciamento urbano: a partir de agora o registrador de imóveis deve exigir o geo em todos os trabalhos técnicos? Revista de Direito Imobiliário. v. 94. ano 46. p. 247-274. São Paulo: Ed. RT, jan.-jun. 2023, p. 250).

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é Membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Advogado, parecerista e árbitro. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Ex-assessor de ministro STJ. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC). Fundador do IBDCont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual). Membro da ABDC (Academia Brasileira de Direito Civil), IBDfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família),do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário) e do IBERC.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.