Migalhas Notariais e Registrais

Retificação de área e o provimento CNJ 195/25 - Desmembramento e unificação - Parte 5

Jean Mallmann trata da retificação de área com desmembramento ou unificação à luz do provimento CNJ 195/25. Essencial para quem atua com registros, georreferenciamento e imóveis rurais. (Clique aqui)

29/9/2025

Trata sobre o regramento acerca da realização da retificação de área cumulada com desmembramento ou unificação no registro de imóveis, conforme art. 440-AX, §§ 4º a 6º, do CNN/CN/CNJ-Extra (incluído pelo Prov. CNJ 195/25 - Provimento do IERI-e).1

Sobre a temática retificação de área e desmembramento ou unificação, houve salutar normatização pelo provimento do IERI-e, simplificando questões acerca de certificação da poligonal no INCRA, exigindo-se, porém, o respeito do princípio da continuidade registral.

Art. 440-AX. [...]

§ 4º. Havendo necessidade de retificação da área global do imóvel rural e tendo o requerente apresentado pedido concomitante de desmembramento, cujas poligonais desmembradas estejam georreferenciadas e certificadas no Incra, deverá o oficial, nesta ordem: 

I - realizar a averbação de retificação administrativa da área global; e 

II - posteriormente, realizar averbação de desmembramento, com posterior averbação de encerramento da matrícula anterior, abrindo tantas matrículas quantas forem as parcelas desmembradas. 

§ 5º. Na hipótese do § 4º deste artigo, é dispensada a certificação pelo Incra da área global objeto do memorial descritivo (art. 176, § 5º, da Lei n. 6.015/1973), desde que as parcelas desmembradas tenham sido certificadas pelo Incra e correspondam integralmente ao somatório da área global, conforme mapa e memorial descritivo elaborados por profissional técnico habilitado, caso em que os prazos de eficácia da prenotação em relação ao desmembramento ficarão suspensos enquanto o procedimento de retificação extrajudicial estiver em curso. 

§ 6º. Aplica-se à unificação ou fusão de imóveis, no que couber, a regra procedimental prevista nos §§ 4.º e 5.º deste artigo.

Quando o requerente tem por finalidade realizar o desmembramento do seu imóvel, mas para que isso seja feito há a necessidade de previamente fazer a retificação da área original, deve-se tomar em conta a marcha procedimental seguinte: (i) o registro de imóveis fará dois protocolos (um para a retificação e demais averbações de saneamento eventualmente necessárias, se for o caso; e outro para o desmembramento); (ii) realizada a retificação de área e outras averbações, finaliza-se o primeiro protocolo; (iii) ato contínuo, começa a correr o prazo do segundo protocolo, relacionado com o pedido de desmembramento, o qual estava sobrestado, realizando-se, então, nesta ordem, a averbação de desmembramento, a averbação de encerramento da matrícula e a abertura das matrículas referentes a cada um dos imóveis decorrentes do desmembramento.

Orienta-se que, nestes casos, não se encerre e abra uma matrícula após a retificação de área, a fim de não criar uma “matrícula natimorta”, aberta tão somente para ser logo em seguida encerrada por conta dos desmembramentos.2

Além disso, conquanto o ato normativo preveja a criação de duas prenotações separadas (uma para a retificação e outra para os desmembramentos), é de bom alvitre que o registrador de imóveis faça os atos de modo continuado, entregando conjuntamente os atos praticados ao requerente, visto que o pedido principal deste é justamente ver seu imóvel desmembrado. Assim, será possível a realização de atos registrais mais céleres, com menor burocracia e atendendo a manifestação de vontade do usuário do serviço.

A desburocratização e a padronização do procedimento podem ser percebidas pelo disposto no § 5º do art. 440-AX, que somente exige a certificação da poligonal no SIGEF/INCRA do resultado final pretendido pelo requerente, sem a necessidade de que o agrimensor realize primeiro a certificação da área global, depois cancele essa certificação e, só então, faça a certificação da poligonal no INCRA das áreas desmembradas. Tal itinerário na plataforma do INCRA, no mais das vezes, acabava por levar bastante tempo, o que agora deixa de ser um problema com o procedimento normatizado. Isso porque a única certificação da poligonal exigida pelo registro de imóveis será aquela decorrente do desfecho do pedido do requerente, ou seja, o desmembramento do imóvel.

Na prática, o profissional técnico emitirá uma planta e um memorial descritivo externos à plataforma do SIGEF para a realização da retificação de área e, por outro lado, expedirá plantas e memoriais descritivos produzidos dentro da plataforma SIGEF, em relação aos desmembramentos.

Neste sentido, por exemplo, se um imóvel cuja área corresponde a 500 hectares (ha) vai ser desmembrado em três parcelas (três novos imóveis), deve ser realizada a prévia retificação de área deste imóvel, sendo que a soma dos imóveis individuais deverá corresponder à área somada do imóvel que lhes deu origem. Assim, em uma situação hipotética, se o imóvel W tem 500 ha (imóvel originário), seria possível desmembrar as parcelas em imóvel X com 100 ha; imóvel Y, 200 ha; e imóvel Z, 200 ha (imóveis desmembrados). Diante desta situação, bastaria que o requerente apresentasse a planta e o memorial descritivo da respectiva retificação de área produzidos diretamente pelo profissional técnico, sem a certificação da poligonal no SIGEF/INCRA, no que tange ao imóvel original (W); bem como as plantas e os memoriais descritivos certificados no SIGEF/INCRA dos imóveis objeto do parcelamento (X, Y e Z)

No caso de imóveis rurais a serem certificados no SIGEF, conquanto haja dois protocolos para fins de contagem dos prazos procedimentais no registro de imóveis (um para retificação de área e outro para o desmembramento, aplicando-se sucessivamente os prazos do art. 188 e 205 da LRP), para fins de emissão de nota devolutiva devem ser considerados como se fossem um único protocolo (fazendo constar da nota a numeração de ambas as prenotações). O motivo? Caso a retificação de área (primeiro protocolo) seja deferida e existam exigências legais a serem cumpridas para a realização do desmembramento (segundo protocolo), sendo lavrados os atos registrais de retificação e não vindo o requerente a conseguir cumprir as exigências de desmembramento, o registrador ficaria com uma matrícula com descrição do imóvel georreferenciado sem a certificação da poligonal no SIGEF/INCRA, em desrespeito ao disposto na legislação. Por esse motivo, a qualificação registral dos protocolos, neste caso específico, deve ser feita conjuntamente, visto que o cumprimento do requisito de certificação da poligonal no Incra somente ocorre se ambos os procedimentos forem deferidos e, por conseguinte, todos os atos registrais forem realizados.

O § 6º, por fim, estende a aplicação das regras procedimentais também para a unificação, fusão ou remembramento de imóveis. Em outras palavras, se o requerente tem por finalidade realizar a unificação de seus imóveis, mas precisa previamente fazer a retificação de área de todos ou alguns dos imóveis que vão se aglutinar, a exigência de certificação da poligonal no SIGEF/INCRA deve ser feita tão somente para o resultado final pretendido: o imóvel unificado. Para isso, por óbvio, deve a soma das áreas pretensamente unificadas corresponderem ao imóvel remembrado.

Deixando mais claro: o profissional técnico emitirá as plantas e memoriais descritivos externos à plataforma do SIGEF para a realização das retificações de área referente a cada imóvel contíguo e, de seu turno, expedirá uma planta e memorial descritivo produzido dentro da plataforma SIGEF, no tocante à unificação.

Assim, por exemplo, se três imóveis vão ser unificados em um único imóvel cuja área corresponde a 500 hectares (ha), a prévia retificação de área dos imóveis individuais deverá corresponder a este somatório. Assim, em uma situação hipotética, o imóvel X poderia ter 100 ha; o imóvel Y, 200 ha; e o imóvel Z, 200 ha (imóveis originários). Se estes imóveis forem unificados, gerando o imóvel W, este deverá ter a área de 500 ha (imóvel unificado). Diante desta situação, bastaria que o requerente apresentasse as plantas e memoriais descritivos das respectivas retificações de área produzidas diretamente pelo profissional técnico, sem a certificação da poligonal no SIGEF/INCRA, no que tange aos imóveis originários (X, Y e Z), bem assim a planta e o memorial descritivo certificado no SIGEF/INCRA do imóvel unificado (W).

Questão essencial para os agrimensores é atentarem-se que, mesmo em relação às plantas e memoriais descritivos feitos fora da plataforma do SIGEF, o levantamento topográfico e a geomensura deve respeitar a Norma Técnica de Georreferenciamento de Imóveis Rurais definido pelo INCRA, de modo a corresponder com o mesmo trabalho técnico que seria feito em caso de inserção na plataforma do SIGEF. Desse modo, os profissionais técnicos devem, dentre outros cuidados, realizar seus trabalhos constando coordenadas latitude, longitude e altitude, com sistema de referência SIRGAS 2000, valendo-se dos mesmos padrões de acurácia e cartografia exigidos pelo Manual Técnico do INCRA. 

Neste sentido, por exemplo, se o agrimensor fizer um trabalho técnico em coordenadas UTM para a retificação de área e outro em coordenadas latitude, longitude, altitude para o desmembramento ou unificação, por óbvio, a área somada pode ser bem diferente, haja vista que aquele modelo estabelece um levantamento como se os imóveis fossem horizontais, numa projeção reta, enquanto a segunda leva em consideração o relevo da Terra e os acidentes geográficos existentes na área georreferenciada. Logo, se não se utilizar do mesmo sistema de projeção fixado para a certificação no INCRA evidente que as áreas da retificação de área e dos desmembramentos/unificação não irão corresponder e será impossível o deferimento do procedimento pela autoridade registral.

Sob este ponto, cabe ainda um adendo. O registrador de imóveis deve ter o cuidado para compreender que há possibilidade de ocorrência de pequenas diferenças no somatório das áreas, sem que isso enseje uma falha do levantamento georreferenciado realizado pelo agrimensor. A pequena diferença de área ao desmembrar ou unificar imóveis dentro ou fora do SIGEF ocorre devido ao modo como o sistema realiza os cálculos geodésicos e atualiza automaticamente os perímetros das parcelas vizinhas. O SIGEF utiliza critérios técnicos do Sistema Geodésico Local para conferir as áreas, e a inserção de novos vértices nos perímetros durante o desmembramento ou unificação pode gerar pequenas variações na soma das áreas das parcelas desmembradas em relação à área original certificada. Além disso, o sistema corrige automaticamente os perímetros das parcelas vizinhas sem alterar seus números de certificação, o que também pode contribuir para essas pequenas diferenças. Assim, pequenas variações do tamanho das áreas posteriormente a parcelamentos ou remembramentos são normais, dentro das tolerâncias técnicas previstas, e não configuram erro ou necessidade de retificação dos trabalhos técnicos.

_______________________

1 Este é o quinto artigo de uma série dividida em 7 partes relacionados ao art. 440-AX do Prov. CNJ 195/2025, que dispõe sobre o procedimento de retificação de área, com os seguintes temas: (i) abertura de nova matrícula após a retificação; (ii) forma de anuência dos confrontantes; (iii) assinaturas eletrônicas no procedimento de retificação de área; (iv) hipóteses de dispensa da anuência dos confrontantes; (v) retificação de área cumulada com desmembramento ou unificação; (vi) critérios para deferimento e indeferimento da retificação de área; e (v) grilagem de terras e controle da malha imobiliária pelo oficial de registro de imóveis.

2 Sobre a abertura de nova matrícula após a retificação de área, ver Parte I desta série de artigos.

Veja a versão completa

Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é Membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Advogado, parecerista e árbitro. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Ex-assessor de ministro STJ. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC). Fundador do IBDCont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual). Membro da ABDC (Academia Brasileira de Direito Civil), IBDfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família),do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário) e do IBERC.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.