Migalhas de Peso

O pioneirismo digital do Judiciário brasileiro

Em breve, haverá o lançamento do InovaSTF, um laboratório que reúne profissionais de diversas especialidades em busca de soluções criativas e de baixo custo para o Judiciário.

25/9/2020
Rodrigo Fux , Caroline Somesom Tauk e Clarissa Somesom Tauk

Como advertia o jurista italiano, professor da Universidade de Roma, Cesare Vivante, “Altro Tempo, Altro Diritto”. A era digital chegou e o sistema jurisdicional deve acompanhar a evolução da sociedade para se desincumbir de sua obrigação perante o cidadão. O Poder Judiciário brasileiro, sem dúvida, lidera esse movimento se comparado aos demais sistemas ao redor do mundo.

No decorrer da 318ª sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o ministro Luiz Fux reforçou este movimento em seu discurso de posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal – STF, elencando os cinco eixos prioritários de trabalho. Dentre seus principais compromissos de gestão, destaca-se o incentivo ao acesso à justiça digital.

A partir de um conceito macro de um Juízo 100% digital com a criação de um grande Centro de Inteligência do Poder Judiciário, serão priorizados, dentre outros, o Programa Justiça 4.0, a eliminação de cartas precatórias, a ampliação das audiências telepresenciais, a implementação do Portal Único do Advogado, a criação do Sistema Nacional de Penhora On-line e o fomento a soluções alternativas de conflitos em plataformas eletrônicas (On-line Dispute Resolution – ODR).

Em breve, haverá o lançamento do InovaSTF, um laboratório que reúne profissionais de diversas especialidades em busca de soluções criativas e de baixo custo para o Judiciário. Além disso, será desenvolvida a Plataforma Digital do Poder Judiciário, com funcionamento em nuvem, visando interligar os sistemas eletrônicos dos tribunais do país.

Tudo isso para racionalizar os recursos orçamentários e dar uma melhor resposta jurisdicional ao cidadão em tempo razoável.

A tendência de utilização da tecnologia no Judiciário é observada em diversos países, como Estônia, Canadá e Reino Unido. A diferença para o caso brasileiro é que, em razão da nossa atual situação de litigância, o emprego adequado dos meios tecnológicos para a solução de conflitos tem se mostrado essencial e, justamente por isso, vem ocorrendo de forma mais acelerada do que em muitos países economicamente desenvolvidos.

Os números não mentem. O Brasil possui o maior número de processos em tramitação do mundo, próximo a 80 milhões. O segundo país com maior volume de processos em tramitação é a Índia, com cerca de 30 milhões e uma população muito maior que a nossa. Outro dado expressivo é que, em 2019, o Supremo Tribunal Federal proferiu 115.603 decisões, sendo a Corte Constitucional que mais julga processos em todo o mundo. A comparação com demais países, como a Suprema Corte dos Estados Unidos (que julga cerca de 100 casos por ano), revela, de um lado, a capacidade produtiva dos nossos ministros, mas, de outro, reforça a necessidade de soluções inovadoras para auxiliá-los no mister de julgar. A alta produtividade pode ser atribuída, também, ao uso da tecnologia, como a ampliação do Plenário Virtual, um sistema que funciona 24 horas por dia e permite que os ministros o acessem de forma remota, com seus votos disponíveis em tempo real.

Experiências tecnológicas recentes, iniciadas na gestão do ministro Dias Toffoli, têm sido construídas de forma colaborativa, descentralizada e com foco na identificação das necessidades dos usuários. Duas merecem destaque: o sistema Sinapses, inicialmente desenvolvido pelo Tribunal de Justiça de Rondônia e atualmente transformado em uma plataforma de inteligência artificial para a justiça brasileira, bem como a plataforma online de conciliação e mediação, com foco na desjudicialização.

O STF vem desenvolvendo, ainda, o primeiro sistema de inteligência artificial em uma Suprema Corte no mundo, o robô “Victor”, cuja tarefa é de analisar os Recursos Extraordinários que chegam e identificar quais possuem repercussão geral como requisito de admissibilidade.

É claro que, na mesma proporção em que se investe em tecnologia, em especial sistemas de inteligência artificial, deve-se investir em mecanismos que visem a sua adoção de forma ética, segura e com design centrado no ser humano, a exemplo da proteção dos dados utilizados e da auditoria e transparência quanto ao uso dos sistemas.

Como se vê, o Judiciário brasileiro avança, inova, se reinventa. O ministro Luiz Fux intensifica esse movimento disruptivo propondo ambiciosos projetos. As inovações são pioneiras e relevantíssimas, mas jamais substituirão a função do Judiciário, de garantidor dos direitos e garantias erigidos na Constituição e nas leis do nosso país. O Direito nunca deve ser sacrificado e a tecnologia nao é um fim em si mesma. Na era digital, queremos um Judiciário que use a tecnologia como instrumento eficiente de realização de Justiça.

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*Rodrigo Fux é advogado, doutorando e mestre em Processo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.





*Caroline Somesom Tauk é mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Juíza Federal no RJ e Juíza Auxiliar no STF.





*Clarissa Somesom Tauk é juíza de Direito da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.

Rodrigo Fux

Advogado, doutorando e mestre em Processo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Caroline Somesom Tauk

Juíza federal no RJ. Mestre em Direito Público (UERJ). Doutoranda em Direito Civil (USP). Visiting Shcolar em Columbia Law School (NY/EUA). Coordenadora da Especialização em Direito Digital da Escola Nacional de Formação de Magistrados - ENFAM.

Clarissa Somesom Tauk

Juíza auxiliar da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais em São Paulo (SP).

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