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STF torna réus integrantes do Núcleo 4 da trama golpista

Por unanimidade, ministros receberam denúncia da PGR contra sete acusados.

6/5/2025

Nesta terça-feira, 6, por unanimidade, a 1ª turma do STF tornou réus os sete integrantes do chamado "Núcleo 4" da trama golpista investigada no contexto do governo do então presidente Jair Bolsonaro. 

Eles foram denunciados por organizar ações coordenadas de desinformação, para disseminar notícias falsas sobre o processo eleitoral e promover ataques virtuais a instituições democráticas e autoridades públicas.

Os denunciados, agora réus, são:

Segundo a PGR, há indícios de que estruturas estatais, como a Abin - Agência Brasileira de Inteligência e o próprio Palácio do Planalto, tenham sido utilizadas de forma indevida para fomentar instabilidade social e intimidar opositores do plano golpista.

Eles respondem por cinco crimes: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; tentativa de golpe de Estado; dano qualificado por uso de violência ou grave ameaça; e deterioração de patrimônio tombado.

Voto do relator

Ministro Alexandre de Moraes, ao votar pelo recebimento, reforçou a consistência da denúncia da PGR. Para o ministro, a peça acusatória não é inepta, como alegado por algumas defesas, mas sim detalhada e amparada por provas que exigirão, agora, demonstração inequívoca dos fatos pela acusação.

"Como bem recordou a ministra Cármen Lúcia, a excelência e o detalhamento das sustentações orais demonstram que a denúncia possibilita o amplo exercício da defesa. Mas, a partir do recebimento da denúncia, quem alega deve comprovar fato por fato, sem margem razoável de dúvida", afirmou Moraes.

O ministro ressaltou que a narrativa apresentada descreve minuciosamente a atuação de um núcleo infiltrado na Abin - Agência Brasileira de Inteligência, utilizado indevidamente para fins de contrainteligência política e desinformação.

Segundo Moraes, a denúncia revela que a estrutura era composta por policiais Federais e oficiais de inteligência cedidos à Abin, sob comando do então diretor-geral Alexandre Ramagem, já denunciado no núcleo 1 da investigação.

Entre os envolvidos, destaca-se o policial federal Marcelo Adaújo Bormevetti e o sargento do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues. O grupo teria utilizado ferramentas como o sistema First Mile — capaz de rastrear em tempo real dispositivos móveis — para monitorar e perseguir opositores políticos.

Moraes apontou que, a partir dos dados obtidos, os membros do grupo executavam ações de campo e produziam desinformação, posteriormente disseminada por perfis falsos ou cooptados em redes sociais. Essa produção de conteúdo falso era então "lavada" pelo núcleo político da organização, que reverberava os ataques como se fossem notícias espontâneas, ganhando assim cobertura da imprensa.

"A origem ilícita acabava desaparecendo, como uma espécie de lavagem de notícias fraudulentas", explicou Moraes.

Ainda segundo o ministro, a denúncia revela que essa célula de contrainteligência foi instalada já no início do mandato de Jair Bolsonaro, em 2018, e agiu contra diversos alvos que contrariavam os interesses do grupo. Um exemplo citado foi o de um fiscal do Ibama que, após desagradar o então presidente, tornou-se alvo de ações articuladas pela estrutura clandestina.

Confira trecho do voto:

Presença não é requisito

Para Moraes, a denúncia não trata de atos isolados, mas de uma atuação coordenada entre núcleos distintos de uma suposta organização criminosa que visava desestabilizar as instituições democráticas.

O ministro rebateu argumentos da defesa que alegavam ausência física de alguns réus nos atos golpistas, afirmando que a responsabilização coletiva se ampara no art. 29 do CP, que prevê o concurso de agentes.

Moraes comparou a situação à de um homicídio encomendado, em que o mandante responde mesmo sem estar presente na cena do crime. Ele destacou que há diferentes formas de participação criminosa, incluindo financiamento, articulação política e disseminação de desinformação.

Veja:

Nem boas, nem más

O relator também ressaltou que as redes sociais, embora não sejam boas nem ruins por si mesmas, podem ser usadas de forma maléfica, especialmente quando instrumentalizadas para propagar desinformação.

Moraes apontou o uso indevido de órgãos estatais, como a Abin, nesse processo, destacando que essas ações contribuíram para transformar a mentira em arma política.

Confira:

Palavrões e rataria

Ministro Alexandre de Moraes ironizou a linguagem utilizada pelos investigados, repleta de palavrões.

Sugeriu que os xingamentos funcionariam como um "código Morse" da organização criminosa, ainda a ser decifrado pela Polícia Federal.

Moraes também citou trechos das conversas, em que os acusados falavam em reuniões com a "rataria", termo pejorativo para aliados próximos.

Ministro Flávio Dino, em tom de brincadeira, chegou a questionar se não caberia acusação por crime ambiental, ao que Moraes respondeu mencionando a possibilidade de readequação da denúncia durante o processo penal.

Assista:

Potencial lesivo

Dino também destacou o caráter inovador do julgamento do "Núcleo 4" da trama golpista, ao considerar as fake news como meio de execução de crimes.

Para o ministro, o uso de desinformação não deve ser minimizado, pois representa um meio doloso e eficaz de lesão a bens jurídicos relevantes, como a ordem democrática e a segurança institucional.

Dino enfatizou que o STF avança ao analisar não apenas a presença de violência ou grave ameaça, mas também o grau de danosidade dos instrumentos utilizados, numa necessária releitura da execução penal diante da realidade digital.

Confira:

Ao votar favoravelmente ao recebimento da denúncia apresentada pela PGR, Dino afirmou que há "suporte probatório e indiciário suficiente" para dar seguimento à ação penal, destacando a complexidade dos fatos e a diversidade das condutas envolvidas.

Para o ministro, a instrução processual revelará respostas diferenciadas aos réus, que poderão ir desde absolvições até condenações — parciais ou totais — dependendo do envolvimento de cada um. "Não haverá solução única para todas essas circunstâncias", observou.

Ao tratar da materialidade dos crimes, Flávio Dino ressaltou que houve mobilização de integrantes das Forças Armadas e das forças policiais fora dos canais institucionais, o que confere, em sua visão, "consistência e coerência" aos indícios apresentados.

O ministro também rechaçou a tese de ausência de violência e grave ameaça, ao afirmar que a participação de agentes da Abin foi indevida e juridicamente insustentável. Segundo Dino, a ABIN "não investiga pessoas nem atua em investigações criminais" e, por isso, ordens nesse sentido seriam manifestamente ilegais.

Em outro ponto da manifestação, Flávio Dino estabeleceu uma relação entre a desinformação e a prática de violência simbólica. Classificou as fake news como instrumentos de envenenamento social e as comparou a "formas modernas de asfixia da verdade".

Segundo o ministro, essa prática deve ser compreendida como uma modalidade de violência gravíssima, com potencial destrutivo comparável ao dos crimes de gênero. "Fake news matam moralmente, psicologicamente, criam danos mentais e assassinam reputações", advertiu.

Veja trechos do voto:

Susto nos gregos

Ainda, ministro Flávio Dino analisou os rumos da democracia contemporânea, marcada por embates virtuais incessantes e um estado de conflito contínuo.

Ao evocar a imagem da ágora grega, o ministro afirmou que filósofos como Aristóteles "teriam pesadelos" com o cenário atual, onde o debate público tornou-se permanente e os ciclos eleitorais parecem não ter fim.

Para Dino, a virtualização da política distorceu os princípios clássicos da deliberação democrática, criando uma arena em que os palanques nunca são desmontados.

Veja o momento:

Indícios fortes

Acompanhando o relator, ministro Luiz Fux votou para receber a denúncia contra o Núcleo 4. 

O ministro ressaltou que, nesta fase inicial do processo penal, o papel do Supremo é verificar a existência de indícios verossímeis que justifiquem o prosseguimento da ação.

"Ainda estamos numa fase embrionária, em que se avalia a verossimilhança do que foi narrado", destacou Fux. Reforçou que o julgamento de mérito ocorrerá apenas após a produção de provas e a instrução criminal adequada.

Sublinhou a importância de que esses indícios sejam, mais adiante, conjugados com provas plenas, assegurando o devido processo legal.

Durante o voto, o ministro também apontou a necessidade de que órgãos de controle e de aposentadoria de servidores públicos envolvidos — em especial, os vinculados ao sistema de Justiça — contribuam com o Judiciário no enfrentamento dos atos criminosos. Fux fez referência à possibilidade de tipificações mais graves, como crimes praticados contra a Justiça Eleitoral, que também estão previstos na legislação de proteção ao Estado Democrático de Direito.

Fux elogiou a denúncia da PGR, que classificou como técnica e minuciosa, "sem nenhuma mácula", e considerou "abominável" qualquer tentativa de classificá-la como inepta.

Segundo o ministro, a peça acusatória detalha com precisão o envolvimento dos réus, demonstrando, inclusive, domínio parcial dos fatos em relação a alguns dos acusados, o que é suficiente, nesta etapa, para justificar a abertura da ação penal.

Veja o voto:

Mentira como commodity

Ministra Cármen Lúcia alertou para o uso da mentira como instrumento político de ataque à democracia.

Segundo S. Exa., a desinformação se transformou em uma "commodity", usada deliberadamente para enfraquecer instituições e corroer a confiabilidade institucional.

A ministra classificou a mentira como um "veneno político" amplificado por redes sociais e novas tecnologias, destacando que o tema preocupa tribunais constitucionais em todo o mundo.

Assista:

Ao votar pelo recebimento da denúncia contra o Núcleo 4, a ministra destacou a gravidade do fenômeno das mentiras digitais e o papel simbólico e destrutivo desempenhado por esse tipo de desinformação contra as instituições democráticas.

"Quando a mentira se põe a serviço dos ódios, as consequências são muito pouco humanas e nunca serão democráticas".

Para S. Exa., o uso deliberado de fake news nesse contexto equivale a envenenar a sociedade com conteúdo tóxico, comparável à contaminação de uma "caixa d’água de desumanidades".

Cármen Lúcia ressaltou que a tentativa de subverter o regime democrático teve início muito antes do dia 8 de janeiro, sendo este apenas a "explosão material" de um processo previamente articulado.

A ministra relembrou os meses de tensão institucional que antecederam os atos, em especial o período eleitoral e a transição de governo, marcados por ameaças e instabilidades. "Foi um dezembro extremamente tenso para quem estava nas instituições, especialmente no TSE e no STF", disse.

S. Exa. frisou que a legitimidade do processo democrático se revela, sobretudo, quando os derrotados aceitam os resultados das eleições. "Democrata não é quem sabe ganhar, é quem sabe perder", declarou, sublinhando que a tentativa de deslegitimar o pleito representa uma afronta à CF e ao esforço histórico da sociedade brasileira para superar ditaduras e consolidar a democracia.

No tocante à denúncia, Cármen Lúcia destacou que os comportamentos dos acusados foram esmiuçados e demonstram, ainda que indiciariamente, participação relevante na articulação dos atos golpistas. "Não é papel menor, não é de pouca gravidade e não é sem violência", pontuou, rejeitando qualquer tentativa de minimizar a relevância da atuação do Núcleo 4.

Confira:

Democracia apresentativa

Durante a sessão, ministra Cármen Lúcia opinou a respeito da crise do modelo tradicional de representação política.

Para S. Exa., a sociedade já opera em outra lógica democrática, marcada pelo protagonismo direto dos cidadãos e impulsionada pelas tecnologias digitais.

"O cidadão não quer mais se fazer representar, ele quer se apresentar", afirmou, ao defender que estamos testemunhando o declínio da democracia representativa e o nascimento do que chamou de "democracia apresentativa".

Assista:

Conjunto probatório robusto

Ministro Cristiano Zanin também votou favoravelmente ao recebimento da denúncia contra os sete acusados que compõem o Núcleo 4.

Ao se manifestar, o ministro destacou a robustez do conjunto probatório já apresentado, que inclui documentos, relatórios policiais, áudios e gravações, além do uso de ferramentas tecnológicas invasivas.

Segundo o ministro, o material reunido pela PGR aponta para a produção coordenada de grande volume de desinformação, com conteúdos falsos e fraudulentos, em um esforço articulado para enfraquecer as instituições democráticas. "Tudo a indicar a materialidade dos crimes que foram descritos na denúncia que estamos aqui examinando", afirmou.

Zanin enfatizou que a denúncia evidencia não apenas o envolvimento de civis, mas também de agentes públicos que, segundo ele, atuaram para "minar as instituições democráticas e também influenciar o comportamento de pessoas com vistas a permitir a realização de um golpe de Estado".

Para o ministro, os elementos descritos são suficientes para justificar a abertura da ação penal.

Confira:

Veja a versão completa

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