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Juiz manda Anvisa analisar pedido de farmácia para manipular cannabis

Magistrado considerou ilegal a restrição imposta pela RDC 327/19 às farmácias de manipulação e reconheceu o direito condicionado à análise técnica da agência.

18/7/2025

Farmácia de manipulação poderá produzir medicamentos à base de cannabis, desde que observadas as exigências sanitárias aplicáveis e mediante autorização da Anvisa. A decisão é do juiz Federal Joaldo Karolmenig de Lima Cavalcanti, da 6ª vara Federal de Pernambuco.

Para o magistrado, a agência extrapolou seu poder regulamentar ao proibir a manipulação por esse tipo de estabelecimento, criando distinções sem respaldo legal entre farmácias com e sem manipulação.

Nesse sentido, frisou que a decisão não trata de autorizar "a manipulação da cannabis, mas sim a possibilidade da ANVISA analisar se a empresa preenche os requisitos para manipular, sem considerar as previsões contidas nos arts. 15 e 53 da RDC 327/2019, por serem essas ilegais".

Confira a redação dos artigos 15 e 53 da RDC 327/19, editada pela Anvisa:

Art. 15. É vedada a manipulação de fórmulas magistrais contendo derivados ou fitofármacos à base de Cannabis spp.

(...)

Art. 53. Os produtos de Cannabis devem ser dispensados exclusivamente por farmácias sem manipulação ou drogarias, mediante apresentação de prescrição por profissional médico, legalmente habilitado.

Juiz determina que Anvisa analise pedido de farmácia de manipulação para produzir farmacos à base de cannabis.(Imagem: Freepik)

Entenda o caso

A empresa autora, que atua na manipulação de fórmulas e medicamentos, ajuizou ação contra a Anvisa e a União com pedido de autorização para manipular produtos derivados da cannabis, como o canabidiol (CBD), mediante apresentação de receita médica.

Alegou que a RDC 327/19 impõe uma restrição desproporcional e ilegal às farmácias de manipulação, permitindo a dispensação apenas por farmácias sem manipulação e drogarias.

A Anvisa, por sua vez, sustentou que a manipulação desses produtos é vedada por razões técnicas e sanitárias, conforme previsão da Portaria SVS/MS 344/98 e da própria RDC 327/19. Afirmou que nenhuma farmácia pode fabricar ou manipular cannabis, apenas dispensar os produtos industrializados mediante autorização especial.

A União, por sua vez, alegou ilegitimidade para figurar no polo passivo.

Na fase instrutória, foi realizada perícia técnica por farmacêutico industrial, que se mostrou favorável ao pleito da farmácia. O perito concluiu que, se respeitadas as boas práticas de manipulação e os critérios técnicos da Anvisa, a produção de óleo de cannabis é segura para uso medicinal, podendo inclusive oferecer vantagens terapêuticas por permitir formulações personalizadas.

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Restrição indevida e violação à isonomia

Ao julgar o mérito, o juiz considerou que a Anvisa agiu além de sua competência regulamentar ao vedar a manipulação de produtos de cannabis apenas para farmácias de manipulação, sem base legal que sustentasse tal distinção.

“Ora, se a própria lei não distinguiu os tipos de farmácia para fins de dispensação de medicamentos, não cabe à administração pública o fazer. Tal ato também ofende os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, previstos no art. 170 da Constituição, na medida em que cria reserva de mercado sem suporte na lei, prejudicando o exercício das atividades econômicas desempenhadas pelas farmácias de manipulação."

Segundo o magistrado, as leis 5.991/73 e 13.021/14 autorizam a dispensação e comercialização de medicamentos por ambos os tipos de farmácia, não havendo qualquer vedação à manipulação quando respeitados os requisitos legais e sanitários.

“Entendo que a ANVISA extrapolou seu poder regulamentar ao criar diferenciações entre farmácias com e sem manipulação (RDC 327/19), sem respaldo na legislação federal aplicável (Leis 5.991/73, 6.360/76 e 13.021/14), fato que caracteriza desrespeito ao livre exercício da atividade econômica e abusividade.”

A decisão ressalta que não cabe à Anvisa restringir ou inviabilizar o exercício da atividade econômica, mas sim regulá-la e fiscalizá-la. Assim, o juiz determinou que a autarquia analise o pedido da farmácia com base nas normas aplicáveis, desconsiderando os arts. 15 e 53 da RDC 327/19.

“Por fim, friso que não autorizo a manipulação da cannabis, mas sim a possibilidade da ANVISA analisar se a empresa preenche os requisitos para manipular, sem considerar as previsões contidas nos arts. 15 e 53 da RDC nº 327/2019, por serem essas ilegais, conforme acima exposto.”

Leia a decisão.

Veja a versão completa

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