Dez anos de Projeto Constituição nas Escolas: Um pouco da nossa trajetória e um olhar para o futuro
sexta-feira, 23 de maio de 2025
Atualizado em 22 de maio de 2025 15:19
O PCnE - Projeto Constituição nas Escolas, no ano passado, completou dez anos de história: alcançamos uma década de trabalho voluntário promovendo aulas sobre nossa Carta Magna em escolas públicas de São Paulo, sempre de maneira acessível, democrática e sem juridiquês, para alunos do ensino médio.
Somos uma ONG sem fins lucrativos. Recentemente, uma nova gestão assumiu a presidência do Projeto, formada por dois ex-alunos (autores deste texto) que, no passado, receberam uma aula do PCnE, ingressaram na faculdade, se formaram e que hoje são advogados. Com a retomada da Coluna aqui no Migalhas, achamos importante contar um pouco sobre a trajetória do Constituição nas Escolas, nos reapresentar para a comunidade de leitores do Migalhas e lançar um olhar para o futuro.
O Projeto foi criado em 2014 por um grupo de advogados(as) e professores da PUC-SP. Desde então, inúmeros(as) voluntários(as) dedicaram seu tempo e esforço para fazer o Projeto acontecer. Aqui, nos cabe fazer algumas menções honrosas, com o risco de cometermos alguma injustiça e nos esquecermos de alguém: Felipe Neves (nosso fundador), Camila Monzani, Isabel Cortellini, Paula Boni, Bruno Ferola, Júlia Trindade, Sérgio Ferraz e Opice, Mariana Quintanilha, Lucas Kanaguchi, Maria Araujo, Paula Piva, Marcos Mitidieri, Maria Paula Molinar, Gabriela Altit, Paola Pantaleão, Felipe Menezes Maida, Nicolaus Torrens, Victor Andrade, Gregory Strozzi, Tiffanye Esteves, dentre tantos outros(as).
O PCnE, ao longo de seus dez anos de história, impactou mais de 15.000 alunos da rede pública. Além disso, o Projeto foi objeto de inúmeras matérias jornalísticas1 e recebeu alguns reconhecimentos. Em 2016, o fundador do Projeto, Felipe Neves, foi selecionado para participar do YLAI - Young Leaders of the Americas Initiative (YLAI), organizado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos da América2. Além disso, em parceria com a Fundação Obama, o projeto foi apresentado ao ex-presidente americano em sua visita ao Brasil, em 2018.
Mais recentemente, em 2024, o PCnE alcançou uma grande conquista: foi selecionado para participar do Programa de Combate à Desinformação do STF, uma iniciativa que visa enfrentar os efeitos negativos provocados pela desinformação, a qual afeta principalmente a confiança nas instituições e coloca em risco a efetivação de direitos e garantias fundamentais3.
A Constituição é a norma fundamental que rege todo o nosso ordenamento jurídico, mas, apesar de sua importância e relevância, grande parte da população segue desconhecendo o seu conteúdo. Começamos nossas aulas, geralmente, fazendo duas perguntas: (i) quem já ouviu falar sobre a Constituição, seja nas redes sociais, na televisão, em casa, etc.; e (ii) quem sabe explicar, sem noção de certo ou errado, o que é a Constituição. São muitos os que respondem a primeira pergunta, mas, infelizmente, são poucos os que sabem responder a segunda.
E essa realidade não é de hoje. Segundo uma pesquisa realizada pelo DataSenado, em 2013, quase metade dos entrevistados declarou não ter nenhum conhecimento (7,8%) ou ter conhecimento baixo sobre a Constituição (35,1%)4. Nesse mesmo sentido, em uma pesquisa que realizamos em 2017, consultando mais de 2000 alunos, levantamos que: (i) apenas 4% conhecem mais de 10 artigos da Constituição Federal; (ii) 83% não sabem quantos artigos têm a Constituição Federal; (iii) 91% não sabem o que são cláusulas pétreas; e (iv) mais de 70% não sabem o que é uma PEC5.
Em nossas aulas, sempre enfatizamos que não é preciso querer cursar direito ou, então, conhecer cada um dos 250 artigos da Carta Magna. Acreditamos que é possível construir uma sociedade mais justa, igualitária e consciente se cada cidadão tiver uma noção básica sobre: (i) os direitos e garantias fundamentais, previstos no art. 5º, assegurados a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país; (ii) a organização do Estado brasileiro (o que é competência da União, dos Estados, dos Municípios, o que faz o presidente, o governador, o deputado, o senador, um ministro, o vereador); (iii) seus direitos sociais, políticos e coletivos; (iv) os requisitos necessários para se candidatar a um cargo; (v) outras formas de participação (como o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular, etc.); (vi) a tripartição dos poderes (o que faz o executivo, o legislativo, o judiciário, o que é o STF e qual a sua importância, o que é e o que faz a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Congresso, compreender o sistema de freios e contrapesos, etc.); (vii) o processo legislativo (como um projeto de lei é aprovado, o que é uma PEC, o que são cláusulas pétreas, etc.); dentre outros assuntos que tratamos, de maneira independente e sem ideologia partidária, em sala de aula.
Cumpre rememorar que o art. 205 da Constituição dispõe que: "a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
Com esse objetivo, todos os anos organizamos, desde 2017, um evento anual chamado Olimpíadas Constitucionais Antônio Carlos Malheiros, que consiste em uma competição com perguntas e respostas sobre a Constituição Federal. Selecionamos alunos que receberam nossa aula para participar, estudar os principais artigos da nossa Carta Magna, formar seus próprios posicionamentos (de maneira embasada), e, por fim, para concorrer a bolsas de estudos em cursinhos pré-vestibulares, computadores, tablets, Kindles, dentre outros prêmios. Os autores deste texto foram vencedores da 2ª e da 1ª edição, respectivamente.
Desde 2021, a Olimpíada recebe o nome do desembargador Antônio Carlos Malheiros, uma singela homenagem ao professor que foi um dos primeiros incentivadores e apoiadores do Projeto. Para maiores informações sobre como participar, basta acessar nosso site6 e acompanhar nossas redes sociais7. Nada disso seria possível sem o apoio do Escritório Lobo de Rizzo Advogados e da Anglo Vestibulares, parceiros de longa data do Projeto e aos quais renovamos nossos sinceros agradecimentos.
Larissa Neves, uma das vencedoras da 2ª Olimpíada, realizada em 2018, hoje formada pela Universidade Mackenzie e advogada do Magazine Luiza, compartilha que: "O Projeto me proporcionou não só conhecimento cívico, mas coragem para sonhar alto. Se hoje sou advogada, é porque alguém acreditou no poder da educação e criou esse espaço transformador". Contamos um pouco mais sobre a sua trajetória - e a história do PCnE - no documentário "Art. 205: 10 anos atuando pelo acesso à educação", disponível no Youtube8.
Já Maria Gabriela, participante da 3ª Olimpíada, realizada em 2019, hoje estudante de Direito na Universidade Mackenzie e estagiária na empresa Pravaler, relata que: "Fazer parte do Projeto foi um divisor de águas na minha vida. Eu era uma estudante de escola pública comum, vida simples, sonhos universitários baseados na sobrevivência, mas o Projeto me abriu os olhos pra mais. Quando recebemos a aula na minha escola foi o momento que desmistifiquei o Direito como algo incompreensível e inalcançável, e minha curiosidade de saber mais sobre definiu a minha escolha de vida, tanto profissional como acadêmica, que teve todo apoio do Projeto".
Por fim, Vitória Chiati, vencedora da 3ª Olimpíada e também estudante de Direito na Universidade Mackenzie, assistente jurídica no Cepeda Advogados, nos contou que: "Sempre acreditei na educação como um instrumento poderoso de transformação, e o projeto me mostrou isso de um jeito muito especial. O Projeto foi um divisor de águas na minha vida, pois me permitiu ser a primeira da minha família a ingressar no ensino superior, em uma boa faculdade e com bolsa de estudos integral. Essa oportunidade transformadora me deu a chance de começar a mudar a história da minha família".
É com a missão de promover uma educação cívica por meio do ensino da nossa Constituição Federal, formando jovens mais conscientes de seus direitos e deveres, que o PCnE, por meio de seus voluntários, busca ser referência nacional em educação constitucional, impactando positivamente a formação cidadã nas escolas públicas brasileiras. Temos o compromisso com a transformação social, transparência nas ações, inclusão de todos os públicos e respeito à diversidade, de modo que nosso olhar para o futuro se volta à expansão do Projeto, ao fortalecimento de parcerias e à continuidade de uma atuação que inspire e empodere alunos(as) como a Larissa, Maria Gabriela, Vitória e tantos outros jovens da nova geração.
Assim, buscaremos trazer a esta coluna no Migalhas temas relevantes que contribuam para reflexões sobre a importância da democracia, da nossa Constituição Federal, o incentivo à participação cidadã e a valorização da educação como uma ferramenta poderosa de transformação. Afinal, como bem ensinou Paulo Freire: "A educação não transforma o mundo. A educação muda as pessoas. E as pessoas transformam o mundo".
1 As reportagens estão destacadas em nosso site. Disponível aqui.
2 Para mais informações: disponível aqui. (Acesso em 16/5/25, às 11h15).
3 Para maiores informações: disponível aqui. (Acesso em 16/5/25, às 11h25).
4 Para maiores informações sobre a pesquisa: disponível aqui. (Acesso em 16/5/25, às 11h50).
5 Apresentamos esses resultados aqui na nossa Coluna. Disponível aqui. (Acesso em 16/5/25, às 12h).
6 Disponível aqui.
7 Disponível aqui.
8 Disponível aqui. (Acesso em 16/5/25, às 14h58).