Processos administrativos sancionadores no âmbito da lei 9.613/1998: A multiplicidade de atores no combate à lavagem de dinheiro
terça-feira, 21 de outubro de 2025
Atualizado em 20 de outubro de 2025 10:49
Poucos órgãos da administração pública brasileira estiveram tão em voga nos últimos anos quanto o COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras. No âmbito político, o órgão transitou entre o Ministério da Justiça, Ministério da Economia e Banco Central, além de uma breve tentativa de recolocá-lo sob a alçada do Ministério da Fazenda por meio de medida provisória que perdeu a validade sem ser votada pelo Poder Legislativo1.
Já na esfera jurídica, o COAF tem se visto no centro dos Temas 990 e 1.404 do STF e sido objeto de uma série de divergências entre os tribunais superiores, em especial acerca das regras para compartilhamento de informações e produção de relatórios sob encomenda dos órgãos de investigação2. De todo modo, é certo que os dados compartilhados pelo COAF subsidiam uma ampla gama de ações penais, exercendo papel instrumental na apuração de imputações de lavagem de dinheiro.
O papel primário do Conselho é bem conhecido. Entidades listadas no art. 9º da lei 9.613/1998 comunicam ao COAF operações que entendem suspeitas (COS) ou que envolvam uma alta quantidade de recursos em espécie (COEs). O órgão, identificando indícios de lavagem de dinheiro a partir de uma matriz de risco, elabora RIFs - Relatórios de Inteligência Financeira a serem difundidos para as autoridades competentes.
Pouco se fala, contudo, sobre as atividades de regulamentação e do próprio COAF, e menos ainda sobre as atribuições regulatórias de outros órgãos na prevenção à lavagem de dinheiro, bem como sobre os procedimentos empregados para fiscalizar e sancionar entidades violadoras das normas aplicáveis. São esses assuntos que abordaremos adiante.
O COAF como regulador e supervisor: instrumentos de fiscalização e processo sancionador
Ao passo que o art. 9º da lei antilavagem contém um rol aberto de pessoas e entidades sujeitas às obrigações previstas no art. 10 e art. 11 do diploma legal, como a identificação de clientes e a manutenção de registros de transações, o art. 14, § 1º, dispõe que o COAF será o responsável por expedir as instruções necessárias à regulamentação de tais obrigações - mas somente para aquelas entidades sem órgão fiscalizador ou regulamentador próprio.
Dentre as pessoas obrigadas listadas no art. 9º, o COAF atua como órgão de regulamentação e fiscalização de uma gama reduzida de atividades, que se restringem ao fomento comercial ou mercantil (factoring); comércio de joias, pedras e metais preciosos; comércio de bens de luxo ou alto valor; e promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas ou artistas (3).
Até o dia 30 de junho de 2025, o COAF mantinha o cadastro de 7.557 pessoas supervisionadas atuantes no setor de comércio de bens de luxo ou alto valor, 5.204 no comércio de joias, metais e pedras preciosas, 5.027 no setor de factoring e 579 envolvidos na negociação de atletas e artistas3.
Nessas áreas, é o próprio Conselho que estabelece políticas de governança e avaliação de risco, define as diretrizes para identificação dos clientes e registro das operações e especifica quais operações ou situações suspeitas devem ser comunicadas. No âmbito do fomento mercantil, por exemplo, a resolução COAF 41/22 determina que devem ser comunicadas operações ou situações que envolvam pagamento em espécie acima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), enquanto o valor é de apenas R$ 30.000,00 (trinta mil reais) nos setores de comércio de joias, conforme a resolução 23/12.
lém disso, o órgão é responsável por garantir que suas normas estão sendo cumpridas. Em termos práticos, essa fiscalização se dá por meio da COFIR - Coordenação-Geral de Fiscalização e Regulamentação, subordinada à DISUP - Diretoria de Supervisão e que se utiliza de duas ferramentas básicas: as AVECs - Avaliações Eletrônicas de Conformidade e as Averiguações Preliminares, que podem ser Amplas (APA) ou Objetivas (APO)4.
A AVEC consiste em um formulário eletrônico automatizado de fiscalização, que é disponibilizado pelo COAF e deve ser preenchido pela própria entidade obrigada, com o posterior recebimento de um feedback enviado pelo órgão indicando medidas a serem adotadas, com ou sem acompanhamento do Conselho. O descumprimento dessas recomendações pode levar à instauração de uma averiguação preliminar contra a entidade obrigada5.
As APO - averiguações preliminares objetivas são voltadas a acompanhar o cumprimento de deveres específicos, em situações de baixo risco e a partir da constatação da falha a partir de critérios objetivos, como a ausência das chamadas "declarações negativas", previstas no art. 11, III, da lei 9.613/1998. Já as APAs - averiguações amplas têm outro caráter: voltadas a situações de maior risco ou complexidade, as APAs implicam a requisição de grande quantidade de dados e documentos, como registros de operações e cadastro de clientes, a fim de possibilitar a verificação da conformidade6.
No total, o Conselho já realizou 1.519 AVECs voltadas às entidades obrigadas atuantes na negociação de artistas e atletas, 10.754 voltadas às entidades atuantes na comercialização de joias, 15.390 voltadas às entidades atuantes na comercialização de bens de luxo e 18.559 voltadas aos atuantes no fomento mercantil, além de 1.587 destinadas a prestadores de serviços de assessoria, consultoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, anteriormente também diretamente supervisionados pelo COAF.
Em contrapartida, foram realizadas 477 averiguações de entidades atuantes no comércio de bens de luxo, 630 de entidades atuantes no comércio de joias e 1.332 de entidades atuantes em factoring, além de 199 de entidades prestadoras de serviços de assessoria, consultoria, auditoria, aconselhamento ou assistência. Desse total, 2.113 foram APOs - averiguações objetivas e 525 APAs - averiguações amplas.
Concluídos os trabalhos de fiscalização, cabe ao Diretor de Supervisão, chefe da DISUP, deliberar pelo arquivamento do procedimento ou instauração de PAS - processo administrativo sancionador, conforme o art. 29 do Regimento Interno do COAF7. Acaso constatada violação às obrigações da lei 9.613/1998 e determinada a instauração de PAS, o processo é remetido à COPAD - Coordenadoria-Geral de Processo Administrativo, também subordinada à DISUP, que é responsável pelo andamento processual e pela instrução do feito. Entre os anos de 2004 e 2024, o Conselho instaurou uma média de 35,85 processos sancionadores por ano.
O processo administrativo sancionador é guiado pelas normas previstas no regimento interno, em consonância com o previsto no art. 6º da lei 13.974/20, e, no que ainda subsiste, pelas normas do decreto 9.663/19, sem se olvidar da aplicação subsidiária da lei 9.784/1999. Deve ser garantido, assim, o respeito aos princípios da ampla defesa, contraditório, devido processo legal e motivação das decisões.
Encerrada a instrução processual, o PAS é encaminhado a um dos doze conselheiros do COAF, que servirá como relator, excluído o presidente do órgão. Uma vez relatado, o processo é colocado em pauta e julgado pelo Plenário do Conselho, conforme o art. 19 do Regimento Interno e, acaso forme-se maioria pela condenação, são aplicadas as penalidades previstas no art. 12 da lei 9.613/1998, como advertência, multa, inabilitação temporária para o exercício de cargo de administrador de entidades obrigadas ou, ainda, a cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento, a depender da gravidade da conduta e de eventual reincidência específica.
Até 30 de junho de 2025, o COAF já havia julgado 678 processos administrativos, aplicando multas no total de R$ 234.741.962,97 (duzentos e trinta e quatro milhões, setecentos e quarenta e um mil e novecentos e sessenta e dois reais e noventa e sete centavos). Não há estatísticas consolidadas sobre a aplicação de outras punições.
A arquitetura descentralizada da supervisão antilavagem: órgãos setoriais e o sistema recursal
Por outro lado, a maior parte das entidades obrigadas previstas no art. 9º da lei 9.613/1998 não tem o COAF como órgão regulamentador ou supervisor, mesmo no âmbito da prevenção à lavagem de dinheiro. Ainda que todas essas entidades necessitem comunicar transações suspeitas ou acima de certos valores ao Conselho, os parâmetros adotados para identificar essas operações suspeitas, bem como as diretrizes de identificação de clientes ou outras medidas a serem adotadas, dependem de normativas setoriais específicas9.
Assim, os mineradores estão sujeitos às regras contidas na resolução ANM 129/23, as operadoras de planos de saúde devem obedecer a resolução normativa 529/22 da ANS, os corretores de imóveis precisam seguir a resolução COFECI 1.336/24, os contadores a resolução 1.721/24 do CFC e os economistas a resolução 1.902/02 do COFECON. Do mesmo modo, as instituições financeiras são obrigadas a seguir as normas da circular 3.978/20 do Banco Central, enquanto as entidades administradoras de mercados organizados devem obedecer a resolução CVM 50/21 e os notários e registradores estão sujeitos ao provimento 161/24 do CNJ.
Também exercem papel de regulamentação e supervisão o Departamento de Registro Empresarial e Integração do Ministério do Empreendedorismo (juntas comerciais, IN 76/20), o IPHAN (antiguidades e obras de arte, portaria 396/16), as loterias estaduais da Paraíba (Lotep, portaria 30/25) e do Paraná (Lottopar, portaria 28/25), a Polícia Federal (guarda e transporte de valores, IN 196-DG/PF/21), a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (portaria 537/13 e portaria normativa MF 1.143/24), a SUSEP (circular 612/20 e circular 622/21) e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC, resolução 25/24).
No ano de 2024, eram regulamentadas e supervisionadas por tais órgãos ao menos 4.777.174 entidades obrigadas, com a maior parte sob a alçada da PREVIC (4.119.996), do COFECI (629.893) e do CNJ (8.945), não estando incluídos na somatória os profissionais sujeitos à supervisão do Conselho Federal de Contabilidade. Constata-se que, em sua maioria, as entidades obrigadas apenas realizam as comunicações pertinentes ao COAF, não sendo regulamentadas ou supervisionadas pelo órgão que é considerado central na estratégia nacional de prevenção à lavagem de dinheiro - tudo nos termos do art. 10, IV, e art. 11, I e III, § 1º, da lei 9.613/1998.
Cada um desses órgãos supervisores possui sua regulamentação própria. A Agência Nacional de Mineração estabelece o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) como patamar mínimo para a comunicação de operação em espécie (COE) ao COAF10, ao passo que o Conselho Federal de Corretores de Imóveis exige a comunicação apenas quando o valor em espécie superar R$ 100.000,00 (cem mil reais)11. Naturalmente, os elementos que caracterizam uma operação como suspeita, apta a ser comunicada ao COAF, também variam de acordo com o órgão supervisor, em razão das especificidades de cada setor.
Os reguladores também fiscalizam e supervisionam se as entidades sob sua alçada estão cumprindo as normas aplicáveis, adotando, para tanto, os procedimentos contidos em suas próprias normas. No âmbito da Comissão de Valores Mobiliários, por exemplo, com fundamento no art. 9º da lei 6.385/1976, a resolução 45/21 dispõe que cabe a uma de suas diversas superintendências, identificando possíveis irregularidades em suas áreas de atuação, emitir Ofícios de Alerta para sanar irregularidades de menor gravidade ou, acaso a violação seja mais séria, lavrar termo de acusação ou propor inquérito administrativo.
Na hipótese de terem sido identificados indícios da prática de irregularidades, mas não havendo elementos suficientes de autoria e materialidade, a superintendência pertinente deve propor a instauração de inquérito administrativo ao Superintendente Geral, a quem cabe determinar sua instauração ou, acaso entenda que já existem elementos suficientes de materialidade e autoria, determinar ao superintendente da área em questão que elabore termo de acusação. Em processos envolvendo lavagem de dinheiro, a Superintendência Geral é auxiliada pelo NPLDFTP - Núcleo de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo ou da Proliferação de Armas de Destruição em Massa, a ela subordinada12.
Após a instauração do inquérito administrativo, o processo é conduzido pela SPS - Superintendência de Processos Sancionadores com o auxílio da Procuradoria Federal que atua junto à autarquia, a quem caberão, em conjunto e ao final da investigação, requerer o arquivamento ao Superintendente Geral ou elaborar relatório - trata-se da peça de acusação do processo administrativo sancionador.
Realizada a acusação, há duas possibilidades: os acusados podem celebrar TC - termo de compromisso com a autarquia, com base na lei 9.457/1997, ou o caso pode ir a julgamento. Caso o acusado proponha a celebração de TC, a proposta é encaminhada ao Comitê de Termo de Compromisso, órgão vinculado à Superintendência Geral e integrado pelos demais superintendentes e pelo Procurador-Chefe junto à entidade. Caso o acusado opte por não encaminhar proposta de TC, ou se a proposta for recusada, o processo segue seu trâmite normal, sendo encaminhado ao Colegiado da CVM, do qual um dos membros é sorteado relator. Instruído e relatado o feito, o processo é julgado, podendo ser aplicadas as penalidades previstas no art. 12 da lei 9.613/1998.
Vale ressaltar que a CVM também conta com processos administrativos sancionadores de rito simplificado, que não exigem dilação probatória. O rito, que exclui manifestações da Procuradoria Federal atuante junto à autarquia e acelera o julgamento, só pode ser aplicado a um rol taxativo de irregularidades, dentre as quais a inobservância dos deveres de manutenção de registros e identificação de clientes previstos no art. 10 da lei antilavagem. Violações às obrigações previstas no art. 11 do diploma legal, portanto, devem seguir o rito ordinário.
São perceptíveis as diferenças entre o rito do processo administrativo sancionador no âmbito da CVM e aquele adotado pelo próprio COAF, destacando-se a ausência de previsão normativa para que o Conselho celebre termo de compromisso com os responsáveis por irregularidades. Cada um dos outros quinze órgãos supervisores possui suas próprias diretrizes, com diferentes graus de formalidade processual - no âmbito do Banco Central, por exemplo, o processo é conduzido, julgado e tem o recurso analisado por três órgãos diferentes13.
Em 2024, os órgãos supervisores realizaram ao menos 31.708 procedimentos de fiscalização presencial e 4.246 procedimentos de fiscalização remota, tendo instaurado 607 processos administrativos sancionadores, aplicado ao menos 85 advertências, multas no valor de R$ 9.766.665,69 (nove milhões, setecentos e sessenta e seis mil e seiscentos e sessenta e cinco reais e sessenta e nove centavos), 21 punições de inabilitação temporária e uma cassação da autorização para o exercício da atividade. Registra-se, contudo, que os dados enviados pelos órgãos ao COAF, responsável pela compilação e publicação, estão incompletos, de modo que os números verdadeiros tendem a ser superiores.
Por fim, vale ressaltar que, em que pese a dispersão de órgãos responsáveis por fiscalizar e sancionar as entidades obrigadas, o sistema recursal é centralizado no CRSFN - Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, conhecido como "Conselhinho". Criado pelo decreto 91.152/1985 e atualmente regrado pelo decreto 9.889/19, o CRSFN está inserido na estrutura do Ministério da Fazenda e julga, entre outras matérias, recursos de decisões que aplicam as sanções do art. 12 da Lei n. 9.613/1998.
Além da previsão geral insculpida no art. 2°, III, do referido decreto, também existem disposições específicas sobre a competência do órgão - a matéria é abordada no art. 16, § 2º, da própria lei 9.613/1998, acerca das decisões exaradas pelo COAF; na lei 13.506/16, sobre as decisões do Banco Central e da CVM; na portaria SPA/MF 1.233/24 no tocante às decisões sancionadoras da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, existindo previsões idênticas em outras normas legais e infralegais.
O CRSFN é um órgão paritário, composto por dois conselheiros indicados pelo ministro da Fazenda, um indicado pelo presidente do Banco Central, um indicado pelo presidente da Comissão de Valores Mobiliários e quatro indicados por entidades representativas de oito segmentos: enquanto os indicados pelos segmentos bancários, de cooperativas de crédito, de emissores de valores mobiliários e de distribuição de valores mobiliários ocupam assento de membros titulares, aqueles indicados pelos segmentos de consórcios e fintechs, de corretoras de câmbio, de auditoria e de investimentos ocupam assento de membro suplente. Os conselheiros indicados pelos órgãos estatais também possuem suplentes, e cabe a um dos indicados pelo ministro da Fazenda a presidência do CRSFN14.
Após a decisão condenatória de primeira instância, os interessados poderão, no prazo de quinze dias, interpor recurso no órgão regulador, direcionado ao presidente do Conselhinho. Com a remessa dos autos, abre-se vista para o representante da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no CRSFN, que poderá requerer prazo para análise prévia e oferta de parecer ou, caso conclua pela desnecessidade, enviar o processo para a distribuição. Sorteado um conselheiro relator - que também pode requisitar um parecer da PGFN, caso entenda necessário -, o feito segue o trâmite usual, com inclusão em pauta e posterior julgamento. Da decisão do Conselhinho são possíveis apenas embargos de declaração ou, em casos excepcionais, pedido de revisão, encontrando-se esgotada a esfera administrativa.
Entre janeiro e setembro de 2025, o CRSFN havia julgado um total de 120 recursos, sendo 19 deles relacionados às sanções do art. 12 da lei 9.613/1998. Desse número, treze eram referentes a penalidades impostas pelo COAF - majoritariamente envolvendo lojas de comércio de veículos de alto valor, que se enquadram na categoria de bens de luxo -, três referentes a decisões do Banco Central, todos envolvendo operações de câmbio, e dois referentes a decisões da SUSEP15.
Conclusão
O exame detalhado dos procedimentos administrativos sancionadores no âmbito da lei 9.613/1998 revela que o sistema brasileiro de prevenção à lavagem de dinheiro opera por meio de uma arquitetura institucional significativamente mais complexa e descentralizada do que geralmente se reconhece. Enquanto o debate público concentra-se no papel do COAF como órgão de inteligência financeira e nas controvérsias sobre compartilhamento de informações com órgãos de persecução penal, a dimensão propriamente regulatória e sancionadora do sistema antilavagem distribui-se entre mais de uma dezena de órgãos supervisores, cada qual com competências sobre setores específicos da economia. Essa multiplicidade de atores não constitui uma anomalia, mas decorre de escolha legislativa deliberada de aproveitar estruturas regulatórias preexistentes, evitando a construção de superestrutura centralizada de supervisão. O COAF, contrariamente à percepção comum, atua como regulador direto de apenas parcela minoritária das entidades obrigadas, restringindo-se àquelas sem órgão fiscalizador próprio.
Essa arquitetura descentralizada apresenta virtudes inegáveis, especialmente a capacidade de adaptação das exigências antilavagem às especificidades operacionais e aos perfis de risco de cada setor econômico. Reguladores setoriais possuem, em tese, expertise mais aprofundada sobre os mercados que supervisionam, permitindo calibragem mais precisa de obrigações e identificação mais eficaz de padrões suspeitos. A análise comparativa entre os procedimentos do COAF e da CVM, por exemplo, evidencia como órgãos podem desenvolver instrumentos de fiscalização e sanção adequados às realidades institucionais de seus supervisionados. Contudo, as vantagens da especialização setorial vêm acompanhadas de custos sistêmicos importantes que não podem ser ignorados. A fragmentação normativa, exemplificada pelas diferenças nos patamares de comunicação obrigatória entre setores distintos, cria assimetrias regulatórias que podem ser exploradas por agentes sofisticados de lavagem de dinheiro através de arbitragem regulatória. Mais preocupante ainda, a ausência de mecanismos robustos de coordenação entre os diversos órgãos supervisores e as deficiências graves de transparência sobre resultados agregados de fiscalização e sanção comprometem a possibilidade de avaliação sistêmica sobre efetividade do modelo adotado e dificultam a identificação de setores com supervisão deficiente.
A centralização do sistema recursal no CRSFN representa tentativa importante de introduzir um elemento de coesão no sistema fragmentado, potencialmente permitindo uniformização jurisprudencial sobre interpretação das obrigações previstas na lei antilavagem. A efetividade desse mecanismo como instrumento de harmonização, contudo, depende de que volume significativo de casos chegue à instância recursal e que o órgão desenvolva, progressivamente, linhas interpretativas estáveis e publicamente acessíveis. Os dados disponíveis sobre o número ainda relativamente reduzido de recursos julgados em matéria antilavagem e a ausência de base consolidada de precedentes acessível sugerem que esse potencial uniformizador permanece, até o momento, largamente subaproveitado.
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O conteúdo desta coluna é produzido pelos membros do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná - NUPPE UFPR e pesquisadores convidados.
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1 BRASIL. Senado Federal. Cinco medidas provisórias perdem a validade. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
2 MIGALHAS. STF reconhece repercussão geral em envio de dados do Coaf ao MP. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
3 BRASIL. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Regulação. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
4 BRASIL. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Supervisão - Grandes números. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025. Trata-se da fonte de onde foram retirados os demais números mencionados no artigo, exceto nos casos em que há indicação específica de fonte diversa.
5 BRASIL. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Fiscalização. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
6 BRASIL. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Guia de Preenchimento Avaliação Eletrônica de Conformidade (AVEC). Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
7 BRASIL. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Relatório Integrado de Gestão 2024. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
8 BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução BCB n° 427 de 16/10/2024. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
9 BRASIL. Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Regulação e Fiscalização. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
10 BRASIL. Agência Nacional de Mineração. Resolução ANM nº 129, de 23 de fevereiro de 2023. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
11 BRASIL. Conselho Federal de Corretoras de Imóveis. Resolução-COFECI 1.336/14. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
12 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Estrutura. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
13 BRASIL. Banco Central do Brasil. Processo Administrativo Sancionador, Termo de Compromisso e Acordo Administrativo em Processo de Supervisão. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
14 BRASIL. Banco Central do Brasil. Portaria MF nº 1.387, de 30 de agosto de 2024. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.
15 BRASIL. Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Sessões de julgamento. Disponível aqui. Acesso em: 13 out. 2025.

