COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalhas das Civilistas >
  4. A fuga das montanhas: Os emolumentos do testamento público em MG

A fuga das montanhas: Os emolumentos do testamento público em MG

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Atualizado em 18 de agosto de 2025 08:09

Percebe-se que falar sobre a morte ainda é um tabu na cultura brasileira, mesmo vivendo a experiência de uma pandemia. Logo, conquanto planejamento sucessório devesse ser um tema recorrente - na medida em que a morte é termo incerto e não condição suspensiva - os advogados percebem a dificuldade das pessoas em tratar do próprio falecimento.

Esse momento deve ser cercado de muita empatia, escuta ativa, pois cada planejador sabe as razões que o levam a optar por uma partilha diversa da legal. Pode ser um filho com vulnerabilidades, um genro que trabalha na empresa da família, um marido com prodigalidade, uma esposa com deficiência... a vida é muito mais rica do que se possa enumerar.

Nas mais diversas modalidades de planejamento sucessório, é raro que o testamento não seja utilizado, pois ele costuma "amarrar" as ferramentas utilizadas. Além de ser um instrumento clássico, dá segurança jurídica aos planejamentos, muitas vezes no começo, para garantir a externalização da vontade testamentária, ainda que provisória, e ao final, dando densidade aos atos do planejador. Sem contar nas revisões periódicas pelas quais ele precisa passar, para acompanhar o movimento da vida. Por isso, é muito importante que ele seja acessível.

É nesse contexto que se fazem essas reflexões sobre a relação entre a essência do testamento - alterabilidade e liberdade de escolha entre as formas legais - e a sua operacionalização no plano concreto pelo testador.

O cenário, no caso, é Minas Gerais, onde até 2017, a cobrança dos emolumentos para a lavratura de testamento público era por valor fixo. Na época, lavrar uma escritura de testamento público tinha o valor de R$ 245,541.

Se pensarmos que a lavratura do testamento é uma atribuição exclusiva do tabelião ou de seu substituto, àquela época, era difícil conseguir disponibilidade nos tabelionatos para a realização desse ato, pois havia pouco interesse por parte do cartório em organizar a prestação desse serviço.

Com isso, em 2018, a tabela de emolumentos para testamento público em Minas trouxe a novidade do valor escalonado a partir do montante dos bens declarados no testamento, nos moldes de uma escritura relativa a situação jurídica com conteúdo financeiro. Contudo, nesse momento, havia um teto de cobrança de R$ 3.012,002.

Portanto, era viável esclarecer ao cliente de planejamento sucessório que pretendia usar o testamento público como um dos seus instrumentos o valor máximo de emolumentos que ele iria despender. Sabemos bem que os custos do planejamento são parte relevante da sua construção e da decisão quanto ao momento em que deva ser feito.

Ocorre que em 2025, a tabela de emolumentos em Minas Gerais foi alterada. No seu corpo, a forma de cobrança continua a mesma: "h.1.1) Testamento com conteúdo financeiro - metade dos valores finais ao usuário previstos na alínea "b" do número 4 desta tabela, considerando a soma de todos os bens objetos da disposição de vontade"3. Mas há uma nota ao final da tabela, a nota XXV, que tem os seguintes dizeres: "No item 4.b, nas situações jurídicas com conteúdo financeiro que superem o valor de R$3.200.000,00 (três milhões e duzentos mil reais), a cada faixa de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) ou fração, até o limite de cem faixas, será acrescido o valor de R$3.142,79 (três mil cento e quarenta e dois reais e setenta e nove centavos), na primeira faixa, e de R$2.095,20 (dois mil e noventa e cinco reais e vinte centavos), a cada faixa subsequente, corrigidos anualmente, sobre os emolumentos brutos (...)"

Com isso, o valor a ser pago por um testamento público em Minas Gerais tem o céu como limite. Não se está aqui, evidentemente, buscando desvalorizar a remuneração dos tabeliães. Ao contrário, pois o que já tem ocorrido é um desestímulo à aderência dos planejadores ao testamento público.

Mas também não se trata de um protesto leviano. É evidente que estamos falando de um perfil específico de planejador: aquele que tem um patrimônio superior a três milhões de reais. Contudo, observando-se a atividade econômica do estado, um produtor rural com uma única fazenda já pode ultrapassar esse limite. E, ainda que ele tenha um patrimônio imobilizado relevante, que deseja legar de forma organizada a seus herdeiros, ele pode ter dificuldade de pagar os emolumentos para o testamento público. Ou, ao menos, pode ter dificuldade de fazê-lo sucessivamente.

Esse é o ponto. Um testamento público caro não necessariamente será um impeditivo de sua lavratura. Mas será de sua alterabilidade. O investimento pode ficar inviável se pensarmos que uma das características mais interessantes do testamento como instrumento de planejamento sucessório é a sua possibilidade de sucessivas atualizações, de maneira que ele reflita as mudanças das situações fáticas e do próprio ordenamento jurídico. A lei é clara: "O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo".

A revogabilidade do testamento como característica essencial é muito bem descrita por Zeno Veloso:

Uma emanação conspícua do direito de propriedade, mas, sobretudo, da personalidade, o testamento é um ato genuíno de disposição mortis causa, isto é, para ter eficácia e ser cumprido com o decesso do testador. Enquanto vive, o testador tem inteira disponibilidade sobre o seu testamento, alterando-o, modificando-o, revogando-o.4

O testamento nunca saiu de moda nas reflexões sobre a autodeterminação e a vontade do planejador porque ele tem uma especificidade no tempo: como não muda a titularidade dos bens, ele permite que o testador altere as disposições quantas vezes quiser enquanto estiver capaz. Mas esse princípio, tão relevante, está ameaçado pelo custo do testamento público em Minas.

O risco que vemos é o de "fuga do testamento", expressão cunhada por Schreiber e Ribas, ao denunciarem os desincentivos para testar: (i) excessivo formalismo, (ii) risco de invalidade, (iii) necessidade de ação de abertura, (iv) sucessivas alterações no entendimento jurisprudencial sucessório e (v) o custo tributário da transmissão causa mortis5. Se já não bastassem tantos motivos, em Minas, ao menos, soma-se a eles o custo do testamento público.

Neste caso, a fuga se dá para o testamento particular ou para a lavratura de testamento em outros estados.

O testamento particular não é um testamento menor ou menos válido. Como nos lembrava Zeno Veloso, "cada uma das formas testamentárias é independente, autônoma, E qualquer uma delas tem a mesma importância, o mesmo valor que a outra"6. Mas ele requer um procedimento mais complexo de abertura e cumprimento, com a oitiva das testemunhas. Ainda, não gera certidão positiva na CENSEC - Central Eletrônica Notarial de Serviços Compartilhados, certidão que hoje instrui todos os inventários no país.

Nada impede, por sua vez, que o testador viaje para outro estado para elaborar seu testamento. Nada. Isso não pode ser feito como ato notarial eletrônico, mas pode ser feito presencialmente. A depender do custo do testamento público em Minas Gerais, vale se deslocar a Brasília para fazer um testamento público por R$ 336,437. A certidão da CENSEC será positiva da mesma forma.

Por isso, a questão que fica, diante de um mesmo direito sucessório federal, é se é razoável que a liberdade de testar seja tão díspar entre os estados e que seja proveitoso que os emolumentos do testamento público sejam um motivo de fuga dessa modalidade de planejamento.

_______

1 Disponível aqui. Acessado em 9/7/2025.

2 Disponível aqui. Acessado em 9/7/2025.

3 Disponível aqui. Acessado em 8/7/2025.

4 Veloso, Zeno. Direito Civil: temas. 2ª ed. Salvador: IusPodivm, 2019, p. 329.

5 Schreiber, Anderson; Ribas, Felipe. A fuga do testamento. In: Teixeira, Ana Carolina Brochado; Nevares, Ana Luiza Maia (coord.) Direito das Sucessões: problemas e tendências. 2ª ed. Indaiatuba: Foco, 2024, p. 277 e ss.

6 Veloso, Zeno. Direito Civil: temas. 2ª ed. Salvador: IusPodivm, 2019, p. 334.

7 Disponível aqui. Acessado em 9/7/2025.