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Registrabilidade da sentença estrangeira de união estável

terça-feira, 27 de maio de 2025

Atualizado em 26 de maio de 2025 13:30

O instituto da união estável tem se tornado cada vez mais complexo sob o ponto de vista das repercussões jurídicas, isso se deve à adesão dos brasileiros ao novo modelo de constituição de família1, o que acaba, naturalmente, suscitando questões novas e não previstas na legislação.

Um desses cenários seria a questão da registrabilidade de uma sentença estrangeira que constitui união estável e a eventual necessidade de homologação da decisão pelo STJ (EC 45/04). Com efeito, sabe-se que a sentença judicial nacional que declara ou dissolve a união estável adquire publicidade registral a partir do ingresso no Registro Civil das Pessoas Naturais, nos termos do art. 537, §§1º e 3º do CNN - Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial2 e o art. 94-A da lei 6.015/19733, que foi incluído pela lei 14.382/22. O mesmo efeito registral é garantido à decisão estrangeira, que também pode ser objeto de registro na respectiva serventia.

De forma mais aprofundada, no caso da sentença estrangeira de reconhecimento de união estável, os §§ 2º e 3º do art. 94-A da lei 6.015/19734 prescrevem que o registro deve ser lavrado no Livro E do ofício de registro civil do domicílio de qualquer dos companheiros, condicionando o ato, entretanto, à devida legalização ou apostilamento acompanhado da tradução juramentada. Tal exigência é, contudo, corroborada pelo §3º do artigo 539 do CNN, que prescreve não dispensar, conforme o caso, a exigência de tradução e homologação da sentença estrangeira regulada pelo art. 148 da lei 6.018/1973, in verbis:

Art. 148. Os títulos, documentos e papéis escritos em língua estrangeira, uma vez adotados os caracteres comuns, poderão ser registrados no original, para o efeito da sua conservação ou perpetuidade. Para produzirem efeitos legais no País e para valerem contra terceiros, deverão, entretanto, ser vertidos em vernáculo e registrada a tradução, o que, também, se observará em relação às procurações lavradas em língua estrangeira.  (Renumerado do art. 149 pela lei 6.216/1975).

Parágrafo único. Para o registro resumido, os títulos, documentos ou papéis em língua estrangeira, deverão ser sempre traduzidos.

Ocorre que, enquanto o legislador, com a lei 14.382/22, condicionou o registro da união estável à homologação e tradução juramentada da sentença estrangeira, o CNJ em 2023, no Código Nacional de Normas, dispôs expressamente que "conforme o caso" a exigência de homologação da decisão e a tradução não seriam afastadas.

Isso acaba por confrontar com a previsão do artigo 961, §5º do CPC - Código de Processo Civil, que dispensa a homologação da sentença estrangeira de divórcio consensual para a produção de efeitos no Brasil5, cabendo a qualquer juiz examinar a sua validade quando suscitada.

Deste modo, considerando que o art. 732 do CPC6 aplica à união estável o mesmo regramento de homologação e dissolução da união estável consensual em relação ao casamento, a mesma dispensa de homologação deveria ser aplicada ao registro da decisão estrangeira.

Com efeito, a homologação de sentença estrangeira consiste em um procedimento disciplinado pelo CPC, nos art. 960 a 965, e pelo Regimento Interno do STJ, por meio do qual a decisão só poderá produzir efeitos no território nacional após ser homologada pelo tribunal competente, ou seja, o STJ, nos termos do art. 105, inciso I, alínea "i" da Constituição Federal.

Para tanto, seria necessário que a parte promovesse esse requerimento - que exige petição assinada por advogado, recolhimento de custas e, conforme o caso, citação da parte contrária para contestar ou não o pedido - para só então, após todo o trâmite, conseguir o juízo de delibação da decisão estrangeira e o ingresso do título do respectivo registro civil.

Considerando, no entanto, que o objetivo dos registros públicos, notadamente o registro civil, é assegurar a publicidade dos fatos da vida da pessoa natural, a fim de assegurar os direitos desse mesmo indivíduo, a falta de celeridade decorrente da exigência de homologação de sentença estrangeira de união estável, acaba por impor uma barreira que não é exigida pela norma processual. Isso sem levar em conta as questões práticas de morosidade do Judiciário, sobretudo o volume de processos distribuídos perante o STJ e o tempo médio de apreciação de um pedido semelhante.

A problemática se torna ainda mais evidente quando existem questões patrimoniais envolvidas, como seria o caso da existência ou não de comunhão de bens no momento da dissolução, ou a aquisição de bens, no Brasil, por uma das partes. Diante disso, os preceitos normativos deveriam ser aplicados de modo a minimizar ou evitar esses problemas que podem ser causados por tramites burocráticos.

Assim, seria mais coerente com o sistema processual - e mais benéfico ao jurisdicionado (que também é usuário dos serviços de registros públicos) - permitir que a sentença estrangeira de união estável produzisse efeitos no território nacional independentemente da homologação do STJ. Afinal, se o legislador optou por aplicar à união estável as mesmas regras de homologação judicial de divórcio, por uma questão de simetria, o mesmo deveria ser feito em relação às decisões estrangeiras relativas à união estável simples.

Não seria, outrossim, abrir mão da segurança jurídica decorrente do procedimento de homologação da decisão estrangeira, mas sim garantir uma efetiva e célere tutela ao direito da pessoa natural, além de contribuir para a coerência do sistema processual civil.

Frise-se, por fim, que a higidez do sistema notarial e registral também garante a segurança e a eficácia dos atos jurídicos, na medida em que o registrador está adstrito ao princípio da legalidade e deve fazer um juízo de admissibilidade dos títulos apresentados na serventia. Assim, tal como prevê o art. 963 do CPC, que indica os requisitos indispensáveis à homologação da decisão, não sendo possível o ingresso do título, o oficial emitirá uma nota devolutiva e denegará o pedido.

A sociedade pós-moderna exige um novo fanal que tem por pilares a desburocratização, a celeridade e a confiança nas notas e registros, sem abrir mão da segurança jurídica para efetivar a dignidade do ser humano.

Sejam felizes!

_______

1 Segundo o relatório de 2019 do Observatório Nacional da Família (ONF), unidade de pesquisa do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, entre 2006 e 2019 o número de registros de união estável nos cartórios de registro civil cresceu aproximadamente 464%. Disponível aqui.

2 "Art. 537. É facultativo o registro da união estável prevista no art. 1.723 a 1.727 do Código Civil, mantida entre o homem e a mulher, ou entre duas pessoas do mesmo sexo.

§ 1.º O registro de que trata o caput confere efeitos jurídicos à união estável perante terceiros.

(...) § 3.º Os títulos admitidos para registro ou averbação na forma deste Capítulo podem ser:

I - sentenças declaratórias do reconhecimento e de dissolução da união estável;"

3 "Art. 94-A. Os registros das sentenças declaratórias de reconhecimento e dissolução, bem como dos termos declaratórios formalizados perante o oficial de registro civil e das escrituras públicas declaratórias e dos distratos que envolvam união estável, serão feitos no Livro E do registro civil de pessoas naturais em que os companheiros têm ou tiveram sua última residência, e dele deverão constar:"

4 "§ 2º As sentenças estrangeiras de reconhecimento de união estável, os termos extrajudiciais, os instrumentos particulares ou escrituras públicas declaratórias de união estável, bem como os respectivos distratos, lavrados no exterior, nos quais ao menos um dos companheiros seja brasileiro, poderão ser levados a registro no Livro E do registro civil de pessoas naturais em que qualquer dos companheiros tem ou tenha tido sua última residência no território nacional. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)

§ 3º Para fins de registro, as sentenças estrangeiras de reconhecimento de união estável, os termos extrajudiciais, os instrumentos particulares ou escrituras públicas declaratórias de união estável, bem como os respectivos distratos, lavrados no exterior, deverão ser devidamente legalizados ou apostilados e acompanhados de tradução juramentada. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)"

5 "Art. 961. A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado.

§ 5º A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.

§ 6º Na hipótese do § 5º, competirá a qualquer juiz examinar a validade da decisão, em caráter principal ou incidental, quando essa questão for suscitada em processo de sua competência."

6 "Art. 732. As disposições relativas ao processo de homologação judicial de divórcio ou de separação consensuais aplicam-se, no que couber, ao processo de homologação da extinção consensual de união estável."