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Como ficam as sociedades anônimas de futebol (SAF) diante reforma tributária?

É preciso ter-se responsabilidade e comprometimento com o passado e o presente, para avançarmos para um futuro marcado pela previsibilidade, estabilidade e segurança.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Atualizado às 09:58

A lei 14.193, de 6 de agosto de 2021, possibilitou a constituição da Sociedade Anônima de Futebol (''SAF'') sob regime tributário favorecido. Via de regra, os clubes de futebol brasileiro eram constituídos como associações civis sem fins lucrativo, enraizados com gestões formadas normalmente por um presidente e membros do conselho deliberativo e do conselho fiscal.

Os resultados das gestões historicamente ativas no futebol brasileiro, salvo raras exceções, são desafiadores. Indo desde má gestão de recursos até escândalos de corrupção.

Em que pese o Brasil ser um celeiro de jogadores talentosos e constantemente serem negociados com clubes do exterior por valores exorbitantes, os clubes brasileiros, em sua maioria acumulam dívidas impagáveis.

Nas últimas décadas a questão veio se agravando, levando os clubes a pedir abertura de recuperação judicial ("RJ") e a chegarem à iminente possibilidade de encerrarem suas atividades, como ocorreu com o Figueirense/SC1.   

Nesse cenário, a SAF surgiu como uma alternativa, não só para a gestão dessas instituições, como uma forma de inserir praticas que elevassem o profissionalismo do futebol brasileiro, atraindo grandes investidores mundiais e fomentando a economia do país, conforme destaca a própria exposição de motivos do ainda Projeto que posteriormente seria convertido na apelidada "Lei da SAF": "Acreditamos que com a instituição desse novo sistema, integrado por um tipo societário - a SAF - compassado com as mais bem-sucedidas iniciativas mundiais, sobre o qual incidirão regras de governança claras, seguras e sofisticadas, contribuiremos para o incremento do ambiente econômico do futebol brasileiro."

Desta forma, com o objetivo de atrair grandes investidores para o futebol brasileiro por meio da constituição de Sociedade Anônima de Futebol, optou-se por se instituir um regime tributário simplificado que fosse atraente a potenciais interessados.

Justamente com esse objetivo é que a lei 14.193 de 2021 criou a Tributação Específica do Futebol (''TFE''), aglutinando as seguintes contribuições e impostos: (i) IRPJ; (ii) CSLL; (iii) Contribuição para o PIS/Pasep; (iv) Cofins e; (v) Contribuições Previdenciárias sobre a folha de salários (artigo 31 da 14.193 de 2021).

A alíquota inicial foi fixada em 5% sobre a totalidade das receitas, excluídas as relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas, nos cinco primeiros anos de constituição da SAF, tornando-se de 4% e, incluindo as receitas relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas, após os cinco anos iniciais (artigo 32 da 14.193 de 2021).

Veja que, da forma como a tributação da SAF foi estruturada, é possível identificar não só o condão de amenizar a carga tributária como também de desafogar obrigações acessórias, o que de fato é visto com bons olhos por investidores, tornando-a atrativa.

E de fato, não foi outro o resultado: diversos investidores do ramo futebolístico, acostumados a investir em clubes europeus, viram no Brasil uma oportunidade e passaram a alocar seus recursos aqui, por meio da SAF.

Atualmente vários clubes se transformaram em SAF, como é o caso de Cuiabá, Cruzeiro, Vasco, Bahia e até o atual líder do campeonato brasileiro, que vem fazendo campanha histórica na competição, o Botafogo. E vários outros já estudam a possibilidade de virarem SAF.

Entretanto, com a chegada da Proposta de Emenda à Constituição (''PEC'') 45/19, nos moldes do texto recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, um ambiente de incerteza passou a tomar conta da clubes que aderiram ou pretendem aderir à transformação em SAF.

Isso pelo fato de que, a referida reforma tributária extingue, entre outros tributos, a contribuição para o PIS e a COFINS, ao mesmo tempo em que cria o Imposto sobre Bens e Serviços (''IBS''), e a Contribuição sobre Bens e Serviços (''CBS''). E, conforme ressaltamos o PIS e a COFINS integram o regime unificado de tributos da SAF, bem como o IRPJ e a CSLL.

Diante dessa proposta, surgem as dúvidas: A CBS irá ser incluída na tributação única que rege a SAF ou terá de ser recolhida em apartado?; A alíquota unificada de 5% será mantida ou teremos duas alíquotas sobre receita, a CBS e a unificada que englobará a tributação sobre a renda e a folha de salário?; Haverá um limite no que se refere às alíquotas dos referidos impostos quando aplicado à regime especial existente anteriormente à reforma? A Lei Complementar, que nos moldes do artigo 9, §1°, inciso VIII, confere a possibilidade de redução de 60% de alíquota do IBS e CBS para atividades desportivas, irá de fato conceder tal benefício, também para as SAFs?; Os benefícios serão cumulativos ou excludentes?

Ao responder cada questão acima seguimos um caminho tributário diferente e com implicações específicas. O fato que devemos nos atentar é que compete ao Poder Legislativo regular mediante Lei Complementar as alterações constitucionais que estão sendo propostas.

Provavelmente, em sendo aprovada, a reforma tributária implicará alteração na lei 14.193/21. Por isso, é importante já refletirmos sobre esses questionamentos e sobre como a futura Lei Complementar irá reger a matéria, para que se garanta a segurança jurídicas dos clubes que se planejam e optaram por se transformar em SAF tendo em consideração um sistema de tributação legalmente diferenciado e benéfico.

É preciso ter-se responsabilidade e comprometimento com o passado e o presente, para avançarmos para um futuro marcado pela previsibilidade, estabilidade e segurança, sob pena de se afastar investimentos, aumentar os litígios, enfim, fazer ruir todo o avanço social, jurídico e econômico que a SAF tem trazido para o Brasil e para o Futebol.

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1 https://www.migalhas.com.br/quentes/342150/figueirense-e-primeiro-time-a-ter-legitimidade-de-recuperacao-judicial

Cristiane Pires Mcnaughton

Cristiane Pires Mcnaughton

Sócia do escritório McNaughton, Pires e Erustes Advogados. Mestre e Doutora em Direito Tributário, Financeiro e Econômico pela USP. Professora em cursos livres e de pós-graduação em Direito Tributário.

Vinicius Luan Bacchiega Rodrigues

Vinicius Luan Bacchiega Rodrigues

Advogado. Sócio do escritório McNaughton, Pires e Erustes Advogados. Graduado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Pós-Graduando em Direito Tributário pelo IBET.

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