Cargo de confiança: Evite os erros que geram passivos trabalhistas
Erros na classificação de cargos de confiança podem custar caro para o bolso da empresa. Descubra os requisitos legais, riscos ocultos e como se blindar de passivos trabalhistas.
quinta-feira, 6 de março de 2025
Atualizado às 10:49
No Brasil, a CLT estabelece critérios objetivos para que um trabalhador seja considerado ocupante de um cargo de confiança. O art. 62, inciso II, define que esses profissionais não estão sujeitos ao controle de jornada e, portanto, não têm direito ao pagamento de horas extras.
Mas a realidade é que não basta um título no crachá ou a exclusão do controle de ponto para que um funcionário seja, de fato, um ocupante de cargo de confiança. A Justiça do Trabalho analisa a realidade da função exercida, e não apenas o nome do cargo.
Para que um empregado se encaixe nessa categoria, ele deve atender três critérios fundamentais:
- Poder de gestão real - O funcionário deve exercer autoridade sobre subordinados, podendo admitir, demitir, aplicar sanções e tomar decisões estratégicas. Apenas gerenciar uma equipe sem autonomia decisória não é suficiente.
- Remuneração diferenciada - A lei exige que o salário desse profissional seja significativamente superior ao dos demais empregados sob sua gestão (pagamento de gratificação de função não inferior a 40% do salário). O motivo? Compensar a ausência do controle de jornada. Sem essa distinção salarial, a descaracterização do cargo de confiança é quase certa.
- Confiança especial do empregador - A relação entre o funcionário e a empresa deve ir além de uma posição hierárquica comum. Um cargo de confiança exige um nível elevado de autonomia e acesso a informações estratégicas, impactando diretamente a condução dos negócios.
A falsa sensação de segurança ao classificar um trabalhador como ocupante de cargo de confiança pode ser um dos erros mais caros que uma empresa pode cometer. Afinal, se o enquadramento for contestado judicialmente e for constatado que os critérios legais não foram atendidos, as consequências podem ser devastadoras.
A primeira grande bomba que explode no colo do empregador é a reintegração do trabalhador ao regime comum da CLT, o que significa o direito ao pagamento de todas as horas extras não registradas, acrescidas de reflexos em férias, FGTS, 13º salário e demais encargos trabalhistas.
E quando a bomba estoura, não há título corporativo que salve. O que determina se um trabalhador pode ser enquadrado como detentor de cargo de confiança não é a etiqueta no crachá, mas sim a substância real da sua função. Foi exatamente esse o entendimento adotado pelo TRT da 9ª região no processo 0000131-72.2017.5.09.0011, sob a relatoria da desembargadora Marlene T. Fuverki Suguimatsu.
No caso analisado, um supervisor de manutenção e conservação recebeu uma gratificação de função de 40% sobre o salário, e a empresa sustentava que isso era suficiente para enquadrá-lo no art. 62, II, da CLT. No entanto, a Justiça foi cirúrgica: Não basta pagar um adicional e retirar o controle de ponto, é preciso comprovar que o empregado tem poderes efetivos de mando e gestão, a ponto de ser um verdadeiro substituto do empregador na tomada de decisões estratégicas.
O problema? As provas demonstraram que, apesar de ter algumas responsabilidades e subordinados, o trabalhador estava inserido em uma estrutura hierárquica rígida, precisava seguir diretrizes pré-determinadas e prestar contas a superiores, sem qualquer autonomia decisória relevante. O resultado? O reconhecimento da descaracterização do cargo de confiança e a condenação da empresa ao pagamento de todas as horas extras não registradas.
Essa decisão ilustra um erro comum: Muitas empresas acreditam que basta conceder uma gratificação e colocar um título elegante na assinatura do e-mail para justificar a exclusão do controle de jornada. Mas a Justiça do Trabalho tem sido implacável: Se o empregado não tem poder real, não pode ser tratado como cargo de confiança. E quando essa falha é reconhecida nos tribunais, a conta chega pesada - não só para aquele trabalhador, mas também para os demais que ocupam a mesma função e enxergam no precedente uma oportunidade para reivindicar seus direitos.
Além do passivo financeiro, há o impacto institucional: Uma única decisão judicial favorável ao empregado pode abrir precedentes para que outros funcionários na mesma condição ingressem com ações trabalhistas. Empresas que negligenciam essa questão frequentemente se tornam alvo de um efeito dominó de reclamações, muitas vezes representadas por sindicatos que enxergam uma oportunidade de contestação coletiva.
Para piorar, há um fator de risco que poucos empresários consideram: A atuação da fiscalização trabalhista. O Ministério do Trabalho vem apertando o cerco contra fraudes, especialmente em setores que historicamente abusam do conceito de cargo de confiança. Um erro pode não apenas resultar em condenação judicial, mas também em multas administrativas pesadas e a necessidade de retificação de contratos em massa.
Se há uma lição clara em meio a tudo isso, é que o empresário não pode se dar ao luxo de errar na definição de um cargo de confiança. O preço de uma classificação equivocada pode ser a ruína financeira de um negócio, especialmente quando decisões judiciais reconhecem a falha e abrem um efeito dominó de passivos trabalhistas. Mas como se blindar?
- Cargos de confiança devem ser a exceção, não a regra: Se há dezenas de funcionários classificados como "cargos de confiança" dentro da empresa, há um problema. Essa modalidade é reservada a um seleto grupo de profissionais que, de fato, detêm poder de mando e gestão, não a todos os empregados que possuem alguma autonomia operacional;
- Salário não pode ser apenas "diferenciado", deve ser significativamente superior: A lei exige que o salário do cargo de confiança seja expressivamente maior do que o dos demais empregados subordinados a ele. Um adicional simbólico dificilmente será suficiente para convencer um juiz de que há um tratamento diferenciado justificado;
- Controle de jornada não pode existir, direta ou indiretamente: Se a empresa monitora horários, exige login em sistemas em horários fixos ou estabelece uma rotina rígida de expediente, a descaracterização do cargo de confiança é um risco real. O verdadeiro gestor tem autonomia para definir seu próprio tempo de trabalho - e se isso não acontece, há um problema;
- Poderes de gestão devem ser claros e comprováveis: O empregado precisa ter poder real para admitir e demitir, tomar decisões estratégicas e representar a empresa. Participar de reuniões ou supervisionar equipes não é o suficiente para garantir o enquadramento;
- Documentação e prevenção são as melhores armas: Empresas que querem evitar passivos trabalhistas precisam de contratos bem redigidos, organogramas claros e registros formais das funções exercidas. Além disso, treinamentos internos e auditorias regulares ajudam a garantir que os cargos de confiança estejam corretamente estruturados.
A classificação de um cargo de confiança não pode ser um movimento amador ou automático. Para o empresário, a falsa economia gerada por essa prática pode rapidamente se transformar em um prejuízo milionário. A Justiça do Trabalho tem deixado claro que não importa o nome do cargo, mas sim a realidade funcional do empregado.
Se há dúvida sobre um enquadramento, o caminho mais seguro não é esperar a bomba explodir em um processo trabalhista, mas sim agir preventivamente. Revisar contratos, estruturar corretamente os cargos e garantir que os requisitos legais sejam cumpridos é o único antídoto contra um passivo oculto que pode comprometer o futuro da empresa.
E, como a jurisprudência tem demonstrado, quando a empresa erra, a conta sempre chega - e com juros.