TJ/SP declara que recuperação judicial de produtor rural não impede execução contra avalistas: Decisão é marco relevante para o crédito no agronegócio
TJ/SP decide que a recuperação judicial de produtores rurais não impede a execução de garantias pessoais prestadas como aval. A Corte reconheceu que dívidas sem vínculo direto com a atividade rural permanecem exigíveis. Decisão reforça a segurança jurídica no crédito rural e a autonomia das garantias.
sábado, 19 de abril de 2025
Atualizado em 17 de abril de 2025 13:46
Em um mercado marcado por operações complexas e estruturas familiares multifacetadas, como é o caso do agronegócio brasileiro, a clareza jurídica sobre os limites da recuperação judicial é essencial para a saúde do crédito. A recente decisão proferida pela 21ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP reafirma essa importância e traz um alento seguro aos credores que atuam junto a produtores rurais.
No agravo de instrumento 2045820-37.2025.8.26.0000, os agravantes buscavam suspender a execução promovida por uma instituição bancária, alegando que estavam submetidos a processo de recuperação judicial na qualidade de produtores rurais. No entanto, a corte paulista entendeu que, apesar de estarem amparados pela recuperação judicial, a dívida executada não guardava vínculo com a atividade agrícola desses devedores. Isso porque a obrigação teve origem em uma cédula de crédito bancário em que figuraram como garantidores pessoais, pessoas físicas, e não como produtores em sentido técnico-registral.
Essa distinção é de enorme relevância para o setor do agro. A lei 11.101/05, em seu art. 49, parágrafo 6º, é clara ao dispor que apenas os créditos vinculados diretamente à atividade rural do produtor, devidamente escriturados nos livros contábeis próprios, podem ser abrangidos pelos efeitos da recuperação judicial. Ou seja, se o produtor rural assina como avalista ou prestador de garantia em operação alheia à sua produção ou sem o devido lastro formal nos registros, o crédito correspondente não se sujeita à blindagem da recuperação.
No caso julgado, os devedores, embora produtores rurais, assumiram a obrigação pessoalmente, por meio de aval em benefício de outra empresa do grupo. A decisão do TJ/SP reconheceu essa autonomia da garantia pessoal e, com base na jurisprudência do STJ, firmou entendimento de que tais obrigações extraconcursais continuam plenamente exigíveis, mesmo diante da recuperação judicial.
Além disso, o acórdão enfrentou outro ponto sensível para credores no campo: a tentativa dos devedores de impedir a penhora de imóvel sob o argumento de que havia apelação pendente em ação de nulidade de venda. O tribunal, corretamente, afastou essa alegação, destacando que a sentença de primeira instância já havia confirmado liminar favorável ao credor, o que retira qualquer efeito suspensivo automático da apelação interposta. Assim, a penhora foi mantida.
Para quem atua no financiamento da produção, seja na concessão de crédito direto ao produtor, seja por meio de CPRs, cédulas bancárias ou adiantamentos sobre contratos de fornecimento, essa decisão é um divisor de águas. Ela mostra que o Poder Judiciário tem compreendido a dinâmica rural e, sobretudo, respeitado os limites da recuperação judicial, sem permitir que produtores utilizem o instituto como escudo absoluto para se proteger de dívidas pessoais ou garantias prestadas em favor de terceiros.
Mais do que um precedente, trata-se de uma sinalização de que as relações de crédito no campo devem ser conduzidas com responsabilidade, segurança jurídica e atenção aos detalhes contratuais. E, principalmente, de que os credores não estão desamparados quando a estrutura familiar do produtor tenta, sob a roupagem da recuperação judicial, afastar obrigações que não guardam vínculo com a atividade rural propriamente dita.
Em um momento em que o financiamento do agronegócio exige agilidade, estrutura e segurança, a decisão do TJ/SP reafirma o que muitos já defendem na prática: a solidez jurídica é o que sustenta o crédito na base da produção brasileira.
Rodrigo Linhares Orlandini
Advogado do escritório Martinelli Advogados. Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Univ. Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Digital pela Escola Brasileira de Direito.