O STF e o caso Collor
Collor é condenado por corrupção, mas cumpre pena em casa. Texto denuncia seletividade da Justiça e desigualdade no sistema penal.
quinta-feira, 8 de maio de 2025
Atualizado às 11:24
O ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello, foi processado pelo STF por ter praticado os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso de favorecimento de empreiteiras junto à BR Distribuidora. Ele recebeu de propina vinte milhões de reais. A denuncia foi apresentada em 2015 e recebida em 2017. Em 2023 ocorreu o julgamento que culminou com a sua condenação a oito anos e dez meses de prisão em regime fechado, mais multa. Depois de sucessivos embargos de declaração protelatórios, veio agora, em 2025, a ser condenado definitivamente, com a expedição de ordem de prisão pelo ministro Alexandre de Moraes. A pena, por escolha dele, foi determinada em presídio em Alagoas. Ainda, à guisa de introdução, não é dado esquecer que ele sofreu impeachment pelo Congresso Nacional, sendo submetido, em assuntos correlatos, a uma ação penal perante o STF, cuja decisão final foi absolvê-lo por falta de provas, o que contradiz sobejamente o quanto veiculado na mídia à época.
Para surpresa de muitos, após parecer favorável do MPF, a prisão dele foi convertida, pelo ministro Alexandre de Moraes, em prisão domiciliar. A decisão de sua Exa foi baseada em documentos unilaterais apresentados pela sua defesa (relatórios, atestados médicos etc). Sequer foi feita uma perícia judicial.
Não é desimportante assinalar que Xandão assim se posicionou à vista da elevada idade do réu (75 anos) e do seu pretenso estado de saúde, acometido que estaria por comorbidades graves: apneia do sono, Parkinson e transtorno bipolar afetivo. Frise-se que essa tese foi concebida apenas pela defesa do ex-presidente, eis que ele, categoricamente, afirmou, na audiência de custódia, que não tinha problema algum, nem tampouco fazia uso de remédios, pasmem!
A pena de prisão domiciliar será cumprida num luxuoso apartamento na orla de Maceió, medindo 600 metros quadrados, cujo valor de mercado é de 9 milhões de reais. Que sofrimento!
Por outro lado, considerando que o réu cumpriria a pena de prisão em cela especial, seria possível, apenas para argumentar, que fossem utilizados eficazes equipamentos médicos e remédios adequados para trata-lo, sem maiores problemas. É preciso, ainda, salientar que o Parkinson não é uma doença incomum nos dias de hoje, sendo certo que muitas pessoas convivem com ele normalmente, com remédios e cuidados próprios. Ademais, é sabido que mais de 140 milhões de pessoas no mundo têm transtorno bipolar e com ele convivem à base de remédios e outros cuidados adequados.
Outro caso espantoso é o do ex senador Telmário Mota que, acusado de abusar sexualmente de sua filha e ter matado a sua mulher, está preso em prisão domiciliar. Nesse diapasão, é sabido que o foro privilegiado nos tribunais superiores, notadamente no STF, sempre foi a preferência dos políticos acusados, pois os processos demoravam muito de ser julgados, culminado na prescrição. Havia a preeminência do foro privilegiado no STF em relação a processos que tramitam nas primeira e segunda instância e que, finalmente, desaguariam no STF. Só recentemente, com o surgimento da extrema direita, passou a ser desinteressante aos acusados serem julgados no STF, que sinaliza no sentido de grande severidade no tocante a celeridade no julgamento das ações penais e na aplicação das penas. Vide os casos do oito de janeiro e da tentativa de golpe.
Noutro giro, é importante reconhecer a seletividade da justiça criminal, que é rigorosa com relação aos mais pobres e leniente com relação à classe privilegiada. Com efeito, para viabilizar os desígnios do capital e da classe dominante, a repressão do Estado em relação aos mais pobres, notadamente os negros, é por demais severa. As condições precárias dos presídios no Brasil são escandalosas. O STF já reconheceu, nesses casos, um "estado de coisas inconstitucional". Assim, para os mais ricos, não é temível cometer crimes, em especial os de colarinho branco. Eles sabem que não serão alcançados pela justiça criminal. A morosidade da tramitação das ações penais, aliada à certeza da impunidade fazem emergir nas consciências que o crime compensa. Do outro lado, a superlotação carcerária, incluindo presos provisórias que sequer foram condenados (repita-se, a grande maioria de pretos e pobres), somada às precárias condições dos presídios, levam a crer que o crime realmente não compensa, salvo para as organizações criminosas que cada vez mais cooptam os menos avisados, se é que assim podemos chama-los, pois o que lhes resta é a adesão a elas ou a morte.
Por outro lado, é importante assinalar que é possível que Bolsonaro, se condenado, possa vir a ser privilegiado com a prisão domiciliar. De fato, as suas condições de saúde, ao que parece, são mais frágeis do que as de Collor, o que pode levar à sua prisão domiciliar. Sem entrar no mérito do grande e espúrio acordo, no tocante à tentativa de golpe, que está sendo costurado pelos Executivo, Judiciário e Legislativo para a redução das penas da plebe e a condenação severa só dos cabeças da organização criminosa (isso é assunto para um outro artigo), não se pode, efetivamente, descartar a possibilidade de Bolsonaro ser condenado à prisão domiciliar, inobstante ele, fagueiro e serelepe, faça lives, inclusive em hospitais, participe de palanques etc, o que demonstra que ele não está tão mal assim.
Para arrematar, é importante consignar que, na esteira do pensamento de Cesare Beccaria, o que importa, na verdade, não a quantidade da pena, mas sim a certeza da punição. Isso se aplica como uma luva ao caso de Collor e a outros tantos.
É o que hoje, lamentavelmente, temos em terrae brasilis.