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Prefeitura paulistana tributa honorários da sucumbência

Nova exigência da prefeitura de SP fere a lógica do ISS e impõe burocracia excessiva para sociedades uniprofissionais

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Atualizado em 6 de maio de 2025 14:35

A prefeitura do município de São Paulo, em sua fúria arrecadatória, vem cometendo as maiores arbitrariedades.

Citemos alguns exemplos: cobrança do IPTU retroativo, sobre a área construída a mais pela reforma do imóvel devidamente regularizada, seguida da expedição do alvará de conservação, hoje, certificado de conclusão de obra não licenciada. Só que a prefeitura promove o lançamento retroativo pelo dobro da área acrescida, mediante o uso de fotografia por drone. Outro exemplo é desenquadramento da SUP sob os mais diversos fundamentos: a) o contrato social contém a palavra "Ltda." que estaria indicando a natureza mercantil da sociedade uniprofissional. O desenquadramento do regime da SUP se dá mediante uso da IA que pergunta se o contrato social contempla a palavra "Ltda". O contribuinte só pode responder sim ou não. Se responder sim a máquina promove o desenquadramento automático, sem o devido processo legal, contraditório e ampla defesa. b) o contrato social está registrado na junta comercial, ao invés  no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, indicando a natureza mercantil da sociedade uniprofissional; c) a sociedade uniprofissional  contém profissionais de especialidades diferentes, confundindo especialidade com ramo científico (engenheiro civil e engenheiro eletricista, por exemplo). Incoerentemente, não há objeção que a sociedade uniprofissional seja composta por um advogado tributarista com um advogado civilista. A objeção é somente em relação aos engenheiros que devem ser da mesma especialidade. d) o alto  volume de faturamento indica a natureza mercantil da sociedade etc.

Agora, veio à tona a Instrução Normativa SF/SUREM 4, de 15 de fevereiro de 2023, conforme abaixo transcrita:

"Art. 1º É facultado aos prestadores do serviço descrito no subitem 17.13 da lista do "caput" do artigo 1º da Lei nº 13.701, de 24 de dezembro de 20031, emitir uma única Nota Fiscal de Serviços Eletrônica - NFS-e por incidência e por código de serviço - 3220 ou 3379 - nos termos da IN SF/SUREM nº 8/20112 e suas atualizações posteriores, conforme especificado nesta instrução normativa.

§ 1º O contribuinte deverá preencher o campo "Valor total da nota" com o somatório dos valores relativos a honorários de sucumbência devidos durante o mês, como tal considerado o montante bruto total decorrente dos honorários sucumbenciais recebidos, sem nenhuma dedução.

§ 2º O preenchimento de cada NFS-e considerará como data da prestação o último dia do mês e deverá seguir o padrão adotado para o preenchimento das demais NFS-e, exceção feita em relação ao campo destinado à indicação do tomador do serviço, o qual deverá ser preenchido com a identificação do prestador de serviços.

§ 3º Deverão constar no campo "discriminação dos serviços", as informações dos números dos processos judiciais, os valores de honorários sucumbenciais de cada processo e, salvo nos casos de segredo de justiça, a identificação dos clientes que tenham integrado as respectivas lides.

§ 4º Caso seja excedido o número de linhas disponíveis no campo "discriminação dos serviços", o prestador deverá manter à disposição da Administração Tributária registros contábeis auxiliares que possibilitem a perfeita identificação das receitas eventualmente sujeitas à tributação do ISS, por meio de elaboração de relatório mensal analítico descritivo com o detalhamento de todos os processos judiciais, clientes e valores respectivos individualizados.

§ 5º O relatório aludido no parágrafo anterior deverá mencionar expressamente a incidência a que se refere e o número desta instrução normativa.

§ 6º Caso os tomadores venham a exigir a NFS-e relativa aos honorários de sucumbência, deverá ela ser fornecida individualmente nos termos da legislação pertinente.

Art. 2º Esta instrução normativa entrará em vigor na data de sua publicação, não sendo aplicável a exercícios anteriores".

O astuto legislador burocrata inicia o caput do art. 1º como uma faculdade dos prestadores de serviços enquadrados nos Códigos 3220 (advocacia) e 3379 (SUP) emitirem uma única NFS-e, mas o seu § 1º torna obrigatória a inclusão no campo "Valor Total da Nota", da receita proveniente de honorários de sucumbência devida durante o mês. A interpretação lógica do caput do art. 1º conduz à emissão de duas NFS-e caso não se utilize da faculdade: uma em relação as prestadores de serviço, e outra para os honorários da sucumbência, apesar do disposto em seu § 6º. Parágrafos subsequentes detalham o preenchimento de cada NFS-e informando os números de processos judiciais que originaram os honorários de sucumbência. Excedido o número de linhas disponíveis no campo "discriminação dos serviços", o prestador deverá manter à disposição da Administração Tributária registros contábeis auxiliares que possibilitem a perfeita identificação das receitas eventualmente sujeitos à tributação do ISS, por meio de elaboração de relatório mensal analítico descritivo com detalhamento de todos os processos judiciais (§ 4º). Esse relatório deverá mencionar expressamente a incidência a que se refere e o número desta instrução normativa (§ 5º). Por fim, o § 6º  determina a expedição  NFS-e individual relativa aos honorários de sucumbência, sempre que exigida pelos tomadores der serviço, o que conflita parcialmente com a interpretação lógica do caput do art. 1º.

Para as SUP - Sociedades uniprofissionais de advocacia está-se diante de uma obrigação autônoma sem obrigação principal, porque na SUP não interessa o valor total do faturamento, pois o ISS é pago por número de sócios ou de advogados associados, se houver. Essas normas redigidas com incrível sadismo burocrático encarecem o custo operacional das sociedades uniprofissionais sem qualquer proveito para a Administração Tributária do Município.

O objetivo, no caso, seria apenas o de bisbilhotar a movimentação financeira da SUP que somente interessa ao fisco federal. A fiscalização tributária não pode servir de instrumento para a satisfação da curiosidade de seus agentes públicos.

Em relação à sociedade de advogados sob o regime comum (código 3220) haverá cobrança do ISS sobre o valor dos honorários de sucumbência que integra a NFS-e única que serve de base para a tributação à razão de 5%. A IN em tela nada esclarece quanto a eventual exclusão dos valores pertinentes aos honorários de sucumbência. A nebulosidade das normas tributárias já se transformou em regra geral com fito de aumentar a arrecadação na base do susto e  da confusão.

Ora, o ISQN, conhecido pela sigla ISS, tem como fato gerador a prestação de serviço. O serviço de advocacia (código 3220) é apenas o objeto do ISS. O fato gerador é a efetiva prestação remunerada do serviço constante da lista da LC 116/03. Pressupõe existência de um liame jurídico entre o prestador e o tomador de serviços.

E a sociedade de advogados presta serviço ao cliente, parte na relação jurídica, material e processual.

Nenhum serviço presta à parte sucumbente na demanda judicial, o que coloca os honorários da sucumbência fora do campo de incidência do ISS. Prova inconteste desse fato é o § 2º, do art. 1º da IN determina que o campo destinado à indicação do tomador do serviço, deverá ser preenchido com a identificação do prestador de serviços, como se a sociedade de advogados estivesse prestando serviços a si mesma.

Conforme assinalamos em nossa obra  "no caso não há relação jurídica entre o advogado, beneficiário dessa verba e a parte vencida. Não há prestação efetiva do serviço à parte que sucumbiu na ação judicial. O vínculo jurídico existente diz respeito ao cliente que contratou o advogado, mediante pagamento de honorários advocatícios que não se confundem com os honorários de sucumbência. Diferente a hipótese de advogado ou de sociedade de advogados sob o regime de Simples, em que o ISS incide sobre a receita bruta, na forma do Anexo IV da LC 123/06 e alterações posteriores."3

Aliás se o advogado prestar serviços ao contratante (cliente), e ao mesmo tempo à parte contrária incorreria na prática de patrocínio infiel quebrando a ética profissional, passível de sanção disciplinar pelo respectivo órgão de classe.

Essa malsinada IN não tem base na lei. É pura arbitrariedade de um burocrata que, na verdade, presta um desserviço à administração pública municipal.

Nem mesmo uma lei municipal poderia tributar os honorários de sucumbência, sem desobedecer o comando da LC 116/03, cujo art. 1º prescreve com lapidar clareza:

"Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador."           

Pergunta-se, onde se encaixa o advogado como prestador de serviço em relação à parte contrária, sucumbente? Onde figura o sucumbente de ação judicial na lista  de serviço?

Advogados prejudicados por essa esdrúxula IN poderão impugná-la por via do mandado de segurança contra a autoridade administrativa, ou por meio de ação ordinária contra a Municipalidade de São Paulo.

______

1 http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-13701-de-24-de-dezembro-de-2003

2 http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/instrucao-normativa-secret-mun-de-financas-e-desenv-economico-surem-8-de-21-de-julho-de-2011

3 Cf. nosso ISS doutrina e prática, 3ª edição, 2024, p. 341.

Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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