Agências reguladoras e os métodos adequados de solução de conflitos
O artigo oferece uma análise da utilização dos métodos adequados de solução de conflitos pelas agências reguladoras no Brasil, abordando regulamentações específicas e experiências institucionais.
sexta-feira, 9 de maio de 2025
Atualizado às 09:48
O avanço da cultura de pacificação social e eficiência administrativa nos últimos anos tem ampliado significativamente a aplicação dos métodos adequados de solução de conflitos no Brasil. Neste contexto, destaca-se a atuação das agências reguladoras, instituições que, por suas características próprias de regulação setorial, se tornaram terreno fértil para a utilização de técnicas autocompositivas, e em alguns casos da arbitragem.
Historicamente, a regulamentação dos métodos adequados nas agências reguladoras brasileiras decorre de uma combinação entre legislações gerais - como o CPC (lei 13.105/15) e a lei da mediação (lei 13.140/15) -, normas específicas, decretos normativos, portarias internas e regulamentações setoriais que buscam incentivar a solução célere e eficiente dos conflitos entre regulados e reguladores.
Inicialmente, a CF/88, ao assegurar o princípio da eficiência (art. 37), fundamenta essa abordagem mais flexível e negociada, uma vez que esses métodos reduzem significativamente os custos, o tempo de tramitação e permitem resultados mais satisfatórios às partes envolvidas.
A legislação geral mencionada já fornece robustez jurídica à aplicação dos métodos autocompositivos pelas agências reguladoras, com destaque para o art. 3º, §§ 2º e 3º do CPC/15, que estabelece como obrigação estatal incentivar a resolução consensual das controvérsias. Entretanto, o regime jurídico das agências possui regulamentação interna própria, que viabiliza diretamente a implementação de tais práticas.
Nesse sentido, o decreto 10.025/19, que regulamenta a arbitragem para a Administração Pública Federal, autoriza expressamente as agências reguladoras a utilizarem arbitragem para resolução de controvérsias envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, desde que observadas condições específicas e respeitado o princípio da publicidade (art. 1º). Este marco normativo favoreceu especialmente setores de infraestrutura, energia elétrica, telecomunicações e transportes, onde disputas complexas e especializadas demandam técnicas diferenciadas de resolução (NADER, 2022).
A ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, por exemplo, estabeleceu regras claras para utilização desses mecanismos, por meio da RN 846/19, que disciplina expressamente os procedimentos de mediação e arbitragem nos conflitos do setor elétrico, proporcionando segurança jurídica e clareza procedimental aos interessados.
Já a ANTT - Agência Nacional de Transportes Terrestres possui a resolução 5.845/19, que regulamenta a mediação administrativa para conflitos envolvendo concessões rodoviárias e ferroviárias, reconhecendo a importância estratégica da negociação e composição consensual nos contratos de longo prazo, onde a preservação das relações contratuais é fundamental para a continuidade dos serviços prestados à sociedade.
Na mesma linha, a ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações regulamentou, pela resolução 612/13, procedimentos alternativos para resolução de conflitos entre usuários e prestadores de serviços, destacando-se a utilização do Sistema de Negociação Assistida, o qual reduz significativamente a judicialização e amplia o grau de satisfação das partes envolvidas.
Assim, diversas agências reguladoras têm estruturado núcleos especializados e parcerias estratégicas para melhor operacionalizar esses métodos. O CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, embora não seja agência reguladora estrito senso, serve de exemplo relevante com a adoção efetiva de procedimentos de mediação e acordos negociados em casos complexos, como nos ACC - Acordos em Controle de Concentração e TCC - Termos de Compromisso de Cessação, ratificando os ganhos na resolução de conflitos por métodos consensuais.
Essa tendência também é sustentada pelas parcerias entre agências reguladoras e câmaras privadas especializadas, com convênios firmados para garantir maior eficiência técnica e imparcialidade nos procedimentos adotados. Por outro lado, iniciativas de cooperação com o Judiciário têm se mostrado essenciais para a legitimação social e jurídica desses métodos, criando um verdadeiro ecossistema regulatório-colaborativo.
Apesar dos avanços regulatórios e práticos, a implantação efetiva desses métodos enfrenta desafios. Destacam-se resistências internas nas agências reguladoras, decorrentes de uma visão ainda burocratizada, aliada a uma cultura jurídica excessivamente adversarial. Além disso, observa-se a necessidade urgente de capacitação contínua dos agentes públicos e regulados em técnicas específicas de negociação e mediação regulatória.
A utilização dos métodos adequados de resolução de conflitos pelas agências reguladoras brasileiras configura uma tendência irreversível. O amadurecimento institucional percebido aponta para um cenário de crescente aceitação e efetividade desses mecanismos.
Entretanto, o fortalecimento dessa prática requer, sobretudo, uma abordagem coordenada de políticas públicas, investimentos contínuos em capacitação e aprimoramento das regulamentações internas das agências reguladoras, visando garantir segurança jurídica, transparência procedimental e eficácia administrativa na solução consensual dos conflitos.
Assim, ao incorporar definitivamente os métodos adequados ao seu repertório institucional, as agências reguladoras poderão assegurar não apenas a eficiência administrativa, mas principalmente uma atuação mais técnica, dialogada e comprometida com a pacificação social e o desenvolvimento sustentável dos mercados regulados.
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1 BRASIL. Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Diário Oficial da União, Brasília, 2015.
2 BRASIL. Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015). Diário Oficial da União, Brasília, 2015.
3 BRASIL. Decreto nº 10.025/2019. Regulamenta a arbitragem na Administração Pública Federal. Diário Oficial da União, Brasília, 2019.
4 LIMA, Maria Tereza Uille Gomes. Justiça Multiportas no Brasil: desafios e possibilidades. Brasília: CNJ, 2019.
5 NADER, Paulo. Mediação e Arbitragem. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
6 FISCHER, Rosa Maria de Andrade. Justiça Multiportas: múltiplos meios para solução de conflitos. In: FAVRETO, Rogério; DALLA BERNARDINA.
7 WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e Métodos Alternativos de Solução de Conflitos. São Paulo: RT, 2014.