A exclusão de dívidas da base de cálculo do ITCMD incidente sobre a transferência de bens ou direitos decorrente de sucessão causa mortis no âmbito do Estado de São Paulo
Prevalecem os arts. 1.792 e 1.997 do CC, dispositivos legais emanados de lei Federal, sobre o art. 12 da lei estadual paulista 10.705/00.
quinta-feira, 8 de maio de 2025
Atualizado em 7 de maio de 2025 15:09
Está muito em voga ainda hoje a discussão sobre a base de cálculo do ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação incidente sobre a transferência de bens ou direitos decorrente de sucessão causa mortis, em especial se deve ou não haver a dedução de todas as dívidas e encargos deixados pela pessoa falecida, principalmente pelo fato de que, por exemplo, no Estado de São Paulo, a Fazenda segue discordando da incidência do ITCMD somente sobre o monte partível, excluído o passivo da herança.
A Fazenda do Estado de São Paulo age dessa forma, em suma, com fulcro no art. 12 da lei estadual 10.705/00, que afirma que "no cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio".
Todavia, a base de cálculo do ITCMD, respeitadas interpretações divergentes, deve ser o monte partível, excluídas as dívidas deixadas, nos termos dos arts. 1.792 e 1.997 do CC.
Isto, pois entre o art. 12 da lei estadual 10.705/00 e os arts. 1.792 e 1.997 do CC, devem prevalecer os dispositivos legais emanados de lei Federal que afirmam que o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança, bem como que a herança que responde pelo pagamento das dívidas do falecido.
Ademais, o art. 110 do CTN reza o seguinte:
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Dessa forma, a legislação tributária paulista não pode definir que dívidas não podem ser abatidas do cálculo do imposto (art. 12 da lei estadual 10.705/00), pois tal preceito vulnera cabalmente o supracitado art. 110 do CTN e, por conseguinte, os arts. 1.792 e 1.997 do CC.
Com efeito, a jurisprudência majoritária das Câmaras de Direito Privado do TJ/SP reconhece que a base de cálculo do ITCMD causa mortis deve ser somente o monte partível líquido, abatidas as dívidas do espólio:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. Decisão recorrida que autorizou a apuração e recolhimento do ITCMD com a subtração das dívidas do espólio da base de cálculo. Inconformismo da Fazenda Pública. Pretensão de exclusão dos débitos do espólio da base de cálculo do ITCMD. Impossibilidade. Imposto que incide sobre o monte partível, o qual consiste no patrimônio líquido recebido pelos herdeiros, ou seja, depois de pagas todas as dívidas do espólio, incluídas as tributárias. Precedentes. Decisão confirmada. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (v. 44463). (TJSP; Agravo de Instrumento 3008437-76.2023.8.26.0000; Relator (a): Viviani Nicolau; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 2ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento:03/04/2024; Data de Registro: 03/04/2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - Exclusão das dívidas deixadas pelo de cujus da base de cálculo do ITCMD - Cálculo que deve observar apenas o patrimônio líquido efetivamente transmitido, não sendo cabível tributar o herdeiro ou legatário por patrimônio superior ao que recebeu - Isenção de juros e multa sobre o ITCMD - Possibilidade - Imposto que somente é devido após a homologação do cálculo - Inteligência da Súmula nº 114 do C. STF - Ausência de conduta desidiosa do inventariante - Quantidade de bens que compõem o patrimônio e período de pandemia que devem ser considerados - Justo motivo configurado - Decisão mantida. Recurso não provido (TJSP; Agravo de Instrumento 3007938-92.2023.8.26.0000; Relator (a): Enio Zuliani; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 5ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 31/01/2024; Data de Registro: 31/01/2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - Ação de Inventário - Decisão que acolheu o pedido da inventariante para recolhimento do ITCMD tendo como base de cálculo o valor do montemor, com abatimento das dívidas do espólio - Inconformismo da FAZENDA ESTADUAL - Não acolhimento - ITCMD que deve incidir apenas sobre o patrimônio efetivamente transmitido - Precedentes - Inteligência dos artigos 1792 e 1997, ambos do Código Civil - Recurso desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 3007629-71.2023.8.26.0000; Relator (a): José Aparício Coelho Prado Neto; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ilha Solteira - 2ª Vara; Data do Julgamento:18/01/2024; Data de Registro: 18/01/2024)
Conclusão
Isto posto, o ITCMD causa mortis deve incidir somente sobre o monte partível, ou seja, sobre os valores das frações dos bens deixados pelo de cujus para a data do óbito, deduzida a totalidade das dívidas.
Ricardo Puglia Chagas
Advogado graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenado da equipe de Contencioso Cível Estratégico e sócio da Ferraz de Camargo Sociedade de Advogados