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O que mudou no crime de violência psicológica contra a mulher?

A lei 15.123/25 ampliou o art. 147-B do Código Penal, prevendo causa de aumento de pena para violência psicológica praticada com uso de inteligência artificial.

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Atualizado às 09:37

1. Introdução

A sociedade contemporânea enfrenta desafios cada vez mais sofisticados no enfrentamento à violência doméstica, exigindo do legislador respostas compatíveis com os novos meios de agressão. A recente lei 15.123/25 representa um avanço relevante nesse cenário ao modificar o art. 147-B do Código Penal, que trata da violência psicológica contra a mulher. A principal inovação consiste na inclusão de uma causa de aumento de pena quando a conduta for praticada com o auxílio de inteligência artificial ou qualquer outro recurso tecnológico que altere a imagem ou o som da vítima. Com isso, o legislador busca acompanhar a evolução das tecnologias e prevenir novas formas de abuso emocional, preservando a integridade psicológica da mulher.

2. Desenvolvimento

2.1. Uma resposta moderna a uma violência invisível

A violência psicológica, diferentemente da física, não deixa marcas visíveis, mas seus efeitos podem ser tão ou mais devastadores. O art. 147-B foi criado para proteger a mulher contra práticas como humilhação, isolamento, chantagem e manipulação - condutas que corroem, de forma silenciosa, sua saúde mental e sua autonomia.

Com o avanço da tecnologia, novas ferramentas de violência surgiram, como o uso de inteligência artificial para manipular áudios, vídeos e imagens, o que pode gerar efeitos altamente degradantes para a vítima. A alteração legislativa introduzida pela lei 15.123/25 mostra-se, portanto, extremamente oportuna ao reconhecer esse novo cenário e ampliar a proteção penal para comportamentos que, até então, escapavam da resposta jurídica adequada.

2.2. A causa de aumento: Adequação ao contexto tecnológico

A inclusão do parágrafo único ao art. 147-B estabelece que, se o crime for cometido com uso de IA ou outro recurso que altere imagem ou som da vítima, a pena será aumentada de metade. A medida busca desestimular o uso de tecnologias como instrumento de dominação ou intimidação emocional, valorizando o aspecto preventivo do Direito Penal.

A escolha do legislador de agravar a sanção nestes casos sinaliza a gravidade que tais condutas podem alcançar, sobretudo em um mundo cada vez mais conectado, onde uma manipulação digital pode atingir milhares de pessoas em poucos segundos e causar prejuízos irreparáveis à dignidade da vítima. Assim, a norma atua tanto na repressão quanto na prevenção de abusos sofisticados e danosos.

2.3. A incidência da causa de aumento de pena inserida no parágrafo único é obrigatória

É fundamental esclarecer que a redação do parágrafo único do art. 147-B do Código Penal, incluído pela lei 15.123/25, prevê que a pena será aumentada da metade, e não até a metade. Essa distinção, embora pareça sutil, possui grande relevância jurídica. Quando a lei estabelece que a pena será aumentada da metade, ela impõe ao julgador a aplicação automática e objetiva da fração de 1/2 sobre a pena-base e intermediária fixada, sem margem para dosimetria inferior à metade. Isso significa que, uma vez reconhecida a prática do crime de violência psicológica com uso de inteligência artificial ou outro recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima, o juiz deverá, obrigatoriamente, aplicar o aumento de 50% da pena, sem possibilidade de modulação conforme o grau de reprovabilidade ou intensidade do meio utilizado. Diferente seria se a norma dissesse "até a metade", hipótese em que se admitiria ao magistrado a possibilidade de dosar ou graduar o aumento conforme as peculiaridades do caso concreto. Portanto, o aumento da pena nessa hipótese é vinculativo, automático e não admite gradações subjetivas por parte do julgador.

2.4. Potenciais desafios e o papel da interpretação judicial

Naturalmente, toda inovação legislativa traz consigo o desafio da aplicação prática. A utilização de inteligência artificial em crimes de violência psicológica impõe à Justiça penal um novo paradigma, que exigirá preparo técnico e cuidado na produção e na análise de provas.

Ainda que o foco principal da norma seja a proteção, é importante que a sua aplicação preserve os princípios do contraditório, da ampla defesa e da proporcionalidade. A delimitação do que constitui uma manipulação relevante, bem como a comprovação da autoria, demandarão perícias técnicas, o que reforça a importância de uma atuação judicial equilibrada e técnica.

Tais desafios, no entanto, não diminuem o mérito da alteração legislativa. Ao contrário, indicam a necessidade de investimentos em capacitação, em estrutura pericial e em integração entre os sistemas jurídico e tecnológico para que a aplicação da norma seja justa e eficaz.

2.5 Repercussão social e fortalecimento da lei Maria da Penha

A mudança promovida pela lei 15.123/25 fortalece o arcabouço protetivo da lei Maria da Penha, reafirmando seu caráter dinâmico e adaptável à realidade social. O legislador demonstra sensibilidade ao prever punições mais severas para as formas de violência digital, que utilizem recursos sofisticados e potencialmente mais nocivos, como a inteligência artificial.

Além disso, a inovação legislativa estimula o debate público sobre o uso responsável da tecnologia, contribuindo para a conscientização de que ferramentas digitais devem servir ao bem-estar coletivo, e não à opressão ou à violência. Trata-se de um passo importante na construção de um sistema jurídico que não apenas puna, mas também eduque e previna.

3. Conclusão

A alteração do art. 147-B do Código Penal, promovida pela lei 15.123/25, representa um avanço legislativo significativo na proteção da mulher contra formas contemporâneas de violência psicológica. Ao prever causa de aumento de pena para o uso de inteligência artificial e recursos tecnológicos na perpetração do crime, o legislador sinaliza um compromisso com a modernização do sistema penal e com a dignidade da mulher em todos os ambientes - inclusive os virtuais.

Embora sua aplicação traga desafios técnicos e exija prudência interpretativa, a mudança é bem-vinda e necessária. É papel do Judiciário, da advocacia e da sociedade civil trabalhar para que a norma seja implementada de forma justa, equilibrada e eficaz, garantindo não só a punição dos agressores, mas também a segurança e a paz das vítimas. O futuro das relações interpessoais demanda um Direito Penal atento, humano e tecnologicamente atualizado.

Júlio Cesar Konkowski da Silva

VIP Júlio Cesar Konkowski da Silva

Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

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