Inovações das garantias fiduciárias e crédito estruturado
As inovações do Marco Legal das Garantias fortalecem as garantias fiduciárias no crédito estruturado, ampliando sua eficiência, segurança jurídica e papel no mercado de capitais.
sexta-feira, 9 de maio de 2025
Atualizado às 13:42
A alienação fiduciária e a cessão fiduciária consolidaram-se como instrumentos de excelência no financiamento estruturado, notadamente no âmbito das operações de antecipação de recebíveis e no mercado de capitais. Com a promulgação da lei 14.711/23, cognominada Marco Legal das Garantias, essas modalidades ascenderam a um novo patamar de densidade normativa, refletindo um aprimoramento substancial na arquitetura jurídica das garantias fiduciárias.
Historicamente, o regime jurídico pátrio revelava-se limitado para conferir proteção adequada às operações de crédito secundário, sobretudo naquelas voltadas à negociação de fluxos de caixa futuros. Bens de considerável valor permaneciam subaproveitados, circunscritos a operações bancárias tradicionais, o que redundava na imobilização de ativos e restringia sua circulação como lastro para novas transações financeiras. O novo marco regulatório, destarte, promove uma reengenharia funcional da garantia real, rompendo com a lógica preexistente.
Dentre as inovações legislativas de maior relevo, avultam três dispositivos estruturantes. Em primeiro lugar, a figura do agente de garantias (art. 853-A do CC), que centraliza e profissionaliza a gestão dos bens vinculados às obrigações garantidas. Imbuído de legitimidade para atuar em nome próprio e em benefício dos credores, o agente registra, controla, fiscaliza e executa a garantia fiduciária, racionalizando a gestão e ampliando a segurança jurídica das operações estruturadas.
Em segundo lugar, a disciplina da alienação fiduciária de propriedade superveniente, que permite a constituição de múltiplas garantias fiduciárias sobre um mesmo bem, com diferentes graus de prioridade definidos pela ordem registral. A execução extrajudicial pelo credor primitivo é possível sem a necessidade de anuência dos credores subsequentes, garantindo-se, todavia, a sub-rogação como mecanismo de proteção da cadeia de garantias.
Em terceiro lugar, o recarregamento (ou extensão) da garantia fiduciária. Consiste na possibilidade de reutilização de uma mesma garantia para assegurar novas obrigações com o mesmo credor, desde que expressamente previsto em contrato. O marco também regulamenta o cross default, conferindo ao credor a faculdade de antecipar o vencimento de todas as obrigações vinculadas à garantia comum em caso de inadimplemento de qualquer uma delas. Essa previsão contratual é crucial para a proteção do credor, pois permite a recuperação integral do crédito em caso de dificuldades financeiras do devedor, fortalecendo a segurança jurídica da operação.
Esses instrumentos dialogam diretamente com as necessidades operacionais dos FIDCs - Fundos de Investimento em Direitos Creditórios e das companhias securitizadoras, que encontram na alienação e na cessão fiduciária a espinha dorsal de suas estruturas. Na alienação fiduciária, transfere-se ao credor a propriedade resolúvel de um bem (móvel ou imóvel) como garantia do cumprimento de uma obrigação. Já na cessão fiduciária, direitos creditórios - presentes ou futuros - são cedidos com finalidade de garantia, revertendo-se automaticamente ao cedente com o adimplemento da dívida.
Ambas as modalidades exigem registro em cartório para que sejam consideradas válidas e eficazes erga omnes. Sem o registro, a garantia poderá ser considerada inexistente para fins jurídicos, o que compromete o direito de sequela, a preferência em eventual execução coletiva e a segurança jurídica da operação. Embora haja precedentes que relativizem essa exigência em contextos específicos - como na recuperação judicial -, o entendimento majoritário é de que o registro possui natureza constitutiva. É imperativo ressaltar a importância do registro para a oponibilidade da garantia perante terceiros, conferindo-lhe a robustez necessária para a proteção dos interesses do credor.
A alienação fiduciária superveniente, ao admitir múltiplas garantias sobre o mesmo bem, amplia a liquidez dos ativos e combate o subaproveitamento do capital imobilizado. A possibilidade de sub-rogação pelo credor de segundo grau, ao quitar a dívida anterior, confere dinamismo à ordem de preferências e assegura justiça distributiva no sistema de garantias.
O recarregamento, por sua vez, racionaliza o uso da garantia existente, reduz custos transacionais e amplia o crédito disponível sem exigir novos registros para cada operação. Trata-se de um avanço relevante em termos de eficiência econômica, com impactos positivos sobre o custo do crédito, a velocidade das transações e o grau de segurança dos investidores institucionais. A possibilidade de recarregamento da garantia representa um incentivo à concessão de crédito, pois reduz os custos e a burocracia envolvidos na constituição de novas garantias, impulsionando o desenvolvimento econômico.
Em conclusão, o Marco Legal das Garantias representa uma transformação estrutural nas garantias fiduciárias brasileiras. A profissionalização da gestão, a multiplicidade de garantias supervenientes e a flexibilidade do recarregamento posicionam o Brasil em sintonia com as melhores práticas internacionais. Trata-se de um avanço normativo que redefine o acesso ao crédito, fortalece o mercado de capitais e reafirma o papel do Direito Privado como vetor de desenvolvimento econômico sustentável.