Controle de constitucionalidade das medidas provisórias
O ensaio analisa o controle de constitucionalidade das medidas provisórias. A relevância do tema é patente pela preservação da harmonia constitucional.
sexta-feira, 9 de maio de 2025
Atualizado às 13:48
O controle de constitucionalidade representa o pilar essencial do Estado Democrático de Direito, funcionando como mecanismo de proteção e preservação da supremacia constitucional. No sistema jurídico brasileiro, esse controle assume forma mista, incorporando tanto elementos do controle político quanto do controle jurisdicional, conforme se depreende da estrutura normativa constitucional.
Uma das classificações mais relevantes do controle de constitucionalidade refere-se ao momento de sua realização, dividindo-se em controle preventivo (prévio) e controle repressivo (posterior). O controle preventivo incide sobre proposições normativas ainda em fase de elaboração, buscando impedir a entrada em vigor de normas incompatíveis com a Constituição. Este controle é realizado essencialmente pelos Poderes Legislativo e Executivo durante o processo legislativo. O controle repressivo recai sobre normas já promulgadas e incorporadas ao ordenamento jurídico, sendo exercido predominantemente pelo Poder Judiciário, mas também, excepcionalmente, pelos Poderes Legislativo e Executivo em hipóteses específicas.
No âmbito do Legislativo, o controle preventivo manifesta-se principalmente através das CCJ - Comissões de Constituição e Justiça, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, que analisam previamente a compatibilidade de projetos normativos com o texto constitucional. Por sua vez, o Executivo exerce o controle por meio do veto presidencial, especialmente o veto jurídico, fundamentado na inconstitucionalidade do projeto aprovado pelo Legislativo.
Uma situação excepcional de controle preventivo realizado pelo Poder Judiciário ocorre no contexto de mandado de segurança impetrado por parlamentar. O STF reconhece duas hipóteses específicas em que isso é possível: Quando há proposta de emenda à constituição que claramente viola uma cláusula pétrea ou em casos de flagrante desrespeito ao processo legislativo constitucional. Esta excepcionalidade demonstra que, embora o sistema brasileiro privilegie o controle repressivo exercido pelo Judiciário, existem situações em que se admite a interferência judicial preventiva para preservar a integridade do texto constitucional e do próprio processo legislativo.
As medidas provisórias constituem instrumentos normativos peculiares previstos no art. 62 da CF/88, caracterizando-se como atos excepcionais editados pelo presidente da República em casos de relevância e urgência, com força imediata de lei. Este instituto reflete o reconhecimento constitucional da necessidade de o Poder Executivo contar com mecanismos ágeis para situações que demandam resposta normativa célere.
O texto constitucional estabelece que "em caso de relevância e urgência, o presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional". Trata-se, portanto, de competência extraordinária atribuída ao chefe do Executivo, condicionada à presença simultânea dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência.
Após sua edição, a medida provisória deve ser imediatamente submetida ao Congresso Nacional, que poderá aprová-la, convertendo-a em lei, ou rejeitá-la. O prazo inicial de vigência é de sessenta dias, prorrogável uma vez por igual período. Caso não seja convertida em lei no prazo constitucional, caberá ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes.
A CF/88 estabelece significativas limitações materiais ao poder presidencial de editar medidas provisórias. Entre estas limitações, destaca-se a vedação expressa à regulamentação de matérias reservadas à lei complementar, conforme dispõe o art. 62, §1º, inciso III da Constituição Federal.
Esta restrição foi objeto de análise pelo STF na ação direta de inconstitucionalidade 7.232/DF, na qual a Corte reafirmou a impossibilidade de edição de medida provisória que disponha sobre matéria reservada à lei complementar, configurando inconstitucionalidade formal quando desrespeitado esse limite.
O controle preventivo de constitucionalidade das medidas provisórias é realizado essencialmente pelo próprio Poder Executivo no momento de sua edição. O presidente da República, ao avaliar a presença dos requisitos constitucionais de relevância e urgência, realiza juízo prévio de compatibilidade constitucional, ainda que predominantemente político.
Após a edição da medida provisória, o Congresso Nacional exerce controle preventivo quando analisa sua constitucionalidade antes de convertê-la em lei. Nas Casas Legislativas, as Comissões de Constituição e Justiça desempenham papel fundamental nessa análise prévia, podendo manifestar-se pela inconstitucionalidade da medida provisória e recomendar sua rejeição.
Embora o Poder Judiciário, via de regra, não realize controle preventivo de constitucionalidade, há situações excepcionais em que o STF admite essa modalidade de controle em relação às medidas provisórias.
Conforme demonstra a jurisprudência do STF, é possível a impetração de mandado de segurança por parlamentar quando a tramitação de medida provisória violar claramente disposições constitucionais relativas ao processo legislativo.
Esta intervenção judicial preventiva busca preservar a integridade do processo legislativo constitucional, impedindo que medidas provisórias manifestamente inconstitucionais produzam efeitos deletérios ao ordenamento jurídico.
O controle repressivo de constitucionalidade das medidas provisórias pode ser exercido tanto pelo Poder Judiciário quanto pelo Poder Legislativo, cada qual em seu âmbito de competência e seguindo procedimentos próprios.
O STF exerce controle repressivo de constitucionalidade das medidas provisórias por meio do controle concentrado (ações diretas de inconstitucionalidade) e do controle difuso (recursos extraordinários e outros instrumentos processuais).
A jurisprudência do STF estabelece que "a jurisprudência deste Supremo Tribunal admite o controle de constitucionalidade de medida provisória quando se comprove desvio de finalidade ou abuso da competência normativa do Chefe do Executivo, pela ausência dos requisitos constitucionais de relevância e urgência". Esta orientação demonstra que, embora haja discricionariedade presidencial na avaliação dos pressupostos constitucionais, tal discricionariedade não é absoluta e está sujeita ao controle jurisdicional quando houver abuso ou desvio de finalidade.
No contexto do controle concentrado, merece destaque a ADIn 7.232/DF, na qual o STF deferiu medida cautelar para suspender os efeitos de medida provisória por verificar que o presidente da República valeu-se do instrumento "para desconstituir o que deliberado pelo Congresso Nacional e reafirmado na derrubada dos vetos presidenciais às normas alteradas pela Medida Provisória". Nesse caso, a Corte identificou desvirtuamento do instituto da medida provisória e ausência dos requisitos constitucionais que autorizam sua edição.
O Poder Legislativo também realiza controle repressivo de constitucionalidade das medidas provisórias quando o Congresso Nacional delibera pela sua rejeição por considerá-las incompatíveis com a CF/88. Trata-se de hipótese expressamente reconhecida pela doutrina como manifestação do controle repressivo pelo Legislativo.
Conforme explica a doutrina, "o Poder Legislativo, segundo a doutrina, realiza o controle repressivo de constitucionalidade, por exemplo, na hipótese de rejeição de medida provisória. Sabe-se que medida provisória não é lei, mas, como espécie normativa autônoma do art. 59 da CF, tem força de lei".
Assim, quando o Congresso Nacional rejeita uma medida provisória por considerá-la inconstitucional, está exercendo controle repressivo de constitucionalidade, ainda que de natureza política.
Os requisitos constitucionais de relevância e urgência representam pressupostos indispensáveis para a edição válida de medidas provisórias. Embora sua avaliação inicial caiba ao presidente da República, a jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de admitir o controle jurisdicional desses requisitos em situações excepcionais.
O controle judicial dos pressupostos de relevância e urgência somente se justifica quando houver flagrante desvio de finalidade ou abuso de poder legislativo. Nessas hipóteses, o STF tem entendido que a discricionariedade presidencial não pode servir de escudo para violar a CF/88, autorizando-se a intervenção judicial para preservar a ordem constitucional.
O STF estabeleceu limites ao controle judicial dos pressupostos de relevância e urgência, reconhecendo que, em regra, sua avaliação insere-se no campo da discricionariedade política do presidente da República. Contudo, em situações excepcionais, quando houver manifesto desrespeito aos limites impostos pela Constituição, torna-se legítima a intervenção judicial.
Este entendimento reflete equilíbrio entre a preservação da separação dos poderes e a necessidade de controle constitucional sobre atos normativos potencialmente abusivos. O STF tem atuado com autocontenção nessa matéria, intervindo apenas em casos de evidente abuso ou desvio de finalidade na edição de medidas provisórias.
A declaração de inconstitucionalidade de medidas provisórias produz efeitos particulares em função da natureza temporária desses atos normativos. Quando medida provisória é declarada inconstitucional pelo STF em controle concentrado, os efeitos dessa declaração retroagem à data de sua edição (ex tunc), desconstituindo todos os atos praticados com base nela. No caso específico da ADIn 7.232/DF, o STF deferiu medida cautelar para suspender os efeitos da medida provisória 1.135/22 com efeitos ex tunc, determinando a repristinação das leis que haviam sido alteradas pelo ato normativo presidencial. Esta decisão demonstra a preocupação da Corte em restabelecer o status quo ante quando verifica abuso na edição de medidas provisórias.
A Constituição Federal preocupou-se com a segurança jurídica no contexto das medidas provisórias, estabelecendo que, em caso de não conversão em lei, caberá ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas constituídas durante sua vigência.
Os parágrafos 11 e 12 do art. 62 da CF/88, introduzidos pela EC 32/01, visam garantir a segurança jurídica e a presunção de legitimidade dos atos legislativos, mantendo intactas as relações reguladas por medida provisória, mesmo que estas sejam removidas do cenário jurídico por razão de matéria. Esta preocupação demonstra o cuidado do constituinte derivado em evitar situações de insegurança jurídica decorrentes da natureza precária das medidas provisórias.
O controle de constitucionalidade das medidas provisórias no ordenamento jurídico brasileiro apresenta peculiaridades e complexidades que refletem a natureza excepcional desse instrumento normativo. Trata-se de um sistema que busca equilibrar a necessidade de agilidade normativa em situações de relevância e urgência com a preservação da supremacia constitucional e da segurança jurídica. O estudo demonstra que, embora as medidas provisórias sejam instrumentos colocados à disposição do presidente da República, sua edição está sujeita a requisitos constitucionais rigorosos e a um sistema de controle que envolve tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Judiciário.
A jurisprudência do STF tem desempenhado papel fundamental na definição dos limites desse controle, admitindo a intervenção judicial quando verificado abuso ou desvio de finalidade na edição de medidas provisórias.
A análise das decisões do STF revela postura de autocontenção em relação ao controle dos requisitos de relevância e urgência, intervindo apenas em situações excepcionais de manifesto desrespeito aos limites constitucionais. Esta orientação busca preservar a separação dos poderes, reconhecendo a discricionariedade política do presidente da República, sem, contudo, permitir que tal discricionariedade se converta em arbítrio incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Por fim, o sistema de controle de constitucionalidade das medidas provisórias reflete a tensão permanente entre governabilidade e constitucionalidade, demonstrando que os mecanismos de freios e contrapesos são essenciais para assegurar que instrumentos normativos excepcionais não comprometam a integridade da ordem constitucional brasileira.
_________
ALMEIDA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 43. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Brasil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 9. ed. Coimbra: Almedina, 2018.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2023.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Constitucional. 38. ed. São Paulo: Malheiros, 2021.
STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7232/DF. Relator: Min. Luís Roberto Barroso. Julgamento: 2024.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001. Altera dispositivos da Constituição Federal relativos às medidas provisórias. Diário Oficial da União, Brasília, 11 set. 2001.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2022.