MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. A (in)penhorabilidade dos salários e proventos na Justiça do Trabalho

A (in)penhorabilidade dos salários e proventos na Justiça do Trabalho

A penhora dos salários ou proventos em virtude de débito trabalhista envolve matéria de direito intertemporal.

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Atualizado às 13:49

O presente artigo tem como finalidade debater sobre a possibilidade ou não de bloqueio dos salários e/ou proventos do devedor trabalhista.

Ocorre que antes da vigência NCPC o entendimento pacificado era o constante da OJ 153, da SBDI-II:

OJ 153 DA SBDI-II

MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO. ORDEM DE PENHORA SOBRE VALORES EXISTENTES EM CONTA SALÁRIO. ART. 649, IV, DO CPC de 1973. ILEGALIDADE (atualizada em decorrência do CPC/15)

Ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC de 1973 contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, sendo a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC de 1973 espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando o crédito trabalhista. g/n.

Dessa forma, antes da vigência da lei 13.105/15, havia a consolidação do pensamento que o crédito trabalhista não poderia ser satisfeito por meio do bloqueio dos salários ou proventos do devedor, uma vez que a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC/73 seria espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando, portanto, o crédito trabalhista.

Nos últimos anos muito se tem discutido sobre a possibilidade de penhora de salários e proventos em virtude de dívidas trabalhistas após a entrada em vigor da lei 13.105/15, NCPC - Novo Código de Processo Civil.

Tal debate, tem como origem a previsão contida no art. 833, inc. IV, do NCPC, in verbis:

"Art. 833. São impenhoráveis:

[...]

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º

[...]

 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º."

Diante da grande divergência instaurada, há um grupo que entende que a expressão "prestação alimentícia", geralmente relacionada a obrigações familiares, não alcançaria os créditos trabalhistas, que, em que pese apresentarem "natureza alimentar", não se enquadram na mesma categoria mencionada no CPC. Para esta corrente deve ser dada uma interpretação restritiva à norma.1

Nesse sentido o TRT da 12ª Região (TRT-SC), por meio do IRDR 0000744-97.2024.5.12.0000, firmou a seguinte tese jurídica prevalecente (Tema 25):

Tese jurídica - Tema 25

CRÉDITOS TRABALHISTAS DEVIDOS POR PESSOA FÍSICA. IMPOSSIBILIDADE DE PENHORA DE RENDIMENTOS. A exceção à impenhorabilidade de rendimentos do executado pessoa física, prevista na primeira parte do § 2o do art. 833 do CPC, não abrange os créditos de condenação em ação trabalhista.

O TRT da 18ª Região (TRT-GO), por meio do IRDR 0010066-47.2022.5.18.0000, entende que a exceção prevista no §2, do art. 833, do CPC apenas alcançaria importâncias que excedam a 50 salários-mínimos mensais (Tema 27):

Tese jurídica - Tema 27

SALÁRIOS E OUTRAS ESPÉCIES SEMELHANTES. POSSIBILIDADE DE PENHORA. ART. 833, IV, § 2º, DO CPC. A impenhorabilidade de salários e outras espécies semelhantes, prevista no art. 833, IV, do CPC, deve ser excepcionada somente nas hipóteses em que as importâncias excedam a 50 salários-mínimos mensais.

Não obstante, há entendimento diverso que atribui à expressão "prestação alimentícia" uma interpretação mais expansiva, compreendendo que a penhora parcial dos salários ou proventos, desde que respeitados os limites previstos em lei, não implica necessariamente inviabilizar a "dignidade humana" do devedor, permitindo que salde sua dívida.

Diante da grande controvérsia instaurada, com o intuito de gerar maior segurança jurídica sobre o instituto, o TST, no julgamento do IRRR 0000271-98.2017.5.12.0019 (Tema 75), fixou recentemente a seguinte tese vinculante:

"Na vigência do Código de Processo Civil de 2015, é válida a penhora dos rendimentos (CPC, art. 833, inciso IV) para satisfação de crédito trabalhista, desde que observado o limite máximo de 50% dos rendimentos líquidos e garantido o recebimento de, pelo menos, um salário mínimo legal pelo devedor."2

Como se pode verificar o TST enquanto "corte de precedentes" tem buscado uniformizar a aplicação do direito, assim, ao estabelecer que a penhora dos rendimentos previstos no art. 833, IV, do CPC para fins de satisfação de créditos trabalhistas é plenamente cabível e não viola a dignidade humana do devedor, eliminou qualquer possibilidade de discussão a esse respeito no âmbito da Justiça do Trabalho, visto que tal decisão deve servir como paradigma de interpretação para os casos futuros a serem julgados pelos tribunais regionais em razão da sua força vinculante.

Nesse sentido tem se manifestado o TST:

"AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. EXECUÇÃO. PRETENSÃO DE PENHORA INCIDENTE SOBRE PERCENTUAL DE RENDIMENTO MENSAL RECEBIDO PELO DEVEDOR - POSSIBILIDADE. No presente caso, discute-se a possibilidade de penhora de salário percebido pelo executado. O entendimento desta Corte com relação à penhora de salários, sob a égide do CPC de 1973, encontra-se consolidado por meio da OJ nº 153 desta Seção Especializada (SDI-2). Após a vigência do novo CPC, considerando a redação do parágrafo segundo do artigo 833, o qual excepciona a impenhorabilidade de vencimentos, subsídios, soldos, salários e remunerações nos casos de pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, a SBDI-2 desta Corte passou a entender que as decisões judiciais, determinando bloqueios de valores em conta salário ou proventos de aposentadoria, realizadas após o início da vigência do Código de Processo Civil de 2015, são legais.Nesse sentido, vários precedentes da SBDI-2 do TST. E mais, essa Corte Superior tem se posicionado no sentido de que deve ser determinada a penhora de percentual dos rendimentos percebidos pelo devedor, com vistas à satisfação do crédito exequendo, observado o disposto conforme disposição contida no artigo 529, § 3º, do CPC/2015, cuja redação prescreve que "Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos". Desta forma, conclui-se que a decisão agravada não merece reforma, pois de acordo com a jurisprudência desta Corte Superior , que interpretando o artigo 833, § 2º, do CPC/15 , passou a admitir a penhora sobre rendimentos do devedor, desde que a decisão que determine a penhora seja proferida na vigência do Código de Processo Civil de 2015 e se observe o limite previsto no artigo 529, § 3º, do CPC/15 . Agravo interno a que se nega provimento".3

Neste contexto, percebe-se que a temática estudada trata sobre direito intertemporal, posto que antes da vigência do NCPC não se admitia o bloqueio dos salários e proventos, o que já não acontece na atualidade.

Não obstante a possibilidade de penhora, o TST determinou observância ao preceito contido no art. 529, § 3º, do CPC/15, in verbis:

"Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos".

Assim, verifica-se que o art. 529, § 3º, do CPC/15 permite o desconto em folha de pagamento de débitos de execução, de forma parcelada, desde que a soma do desconto com a parcela devida não exceda 50% dos ganhos líquidos do executado.

O TST, ao interpretar essa disposição, tem firmado o entendimento de que a penhora de salários e proventos de aposentadoria é permitida dentro do limite estabelecido, ou seja, até 50% dos vencimentos líquidos, visto que tal limite visa garantir que o executado tenha recursos suficientes para cobrir suas necessidades básicas e as de sua família. 

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, ao apreciar a matéria no ARE 1.487.241, em decisão monocrática, adotou o mesmo entendimento recentemente firmado pela jurisprudência do TST, de que na vigência do NCPC, a decisão que determina a penhora de até 50% sobre salários ou proventos da parte executada na reclamação trabalhista não violaria qualquer direito fundamental.

SEGURANÇA. PENHORA DE 30% SOBRE OS PROVENTOS. ATO COATOR PROFERIDO NA VIGÊNCIA DO CPC /15. LEGALIDADE. ARTS. 529, § 3º, E 833, IV E § 2º, DO CPC. 1. Trata-se de recurso ordinário interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região que concedeu a segurança, determinando a cassação da ordem de penhora sobre os proventos da impetrante e a restituição dos valores bloqueados. 2. Conforme se depreende dos autos, o ato impugnado no presente "mandamus" consiste em decisão proferida pelo MM. Juiz da 9ª Vara do Trabalho de Goiânia/GO, nos autos da execução em curso na reclamação trabalhista subjacente, que determinou a penhora de 30% sobre os proventos de aposentadoria da impetrante. 3. Pontue-se, de início, que o ato coator foi praticado sob a vigência do CPC de 2015, o que, a toda evidência, afasta a compreensão depositada na Orientação Jurisprudencial 153 da SBDI-2/TST, na medida em que somente é aplicável a atos pretéritos à vigência da lei 13.105/15 (resolução 220, de 18 de setembro de 2017). 4. O inciso IV do art. 833 do CPC define que são impenhoráveis "os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal". 5. Por sua vez, o § 2º do art. 833 do CPC excepciona a referida regra, ao permitir a penhora de salários, subsídios e proventos de aposentadoria quando a execução tiver por finalidade o pagamento de prestação alimentícia, qualquer que seja a origem, bem como nos casos em que as importâncias excedam a 50 salários-mínimos mensais. 6. A constrição autorizada pelo art. 833, § 2º, do CPC deve, ainda, tratando-se de verba de natureza alimentar, como evidentemente é o crédito trabalhista, limitar-se a 50% dos ganhos líquidos do executado, nos termos do § 3º do art. 529 do CPC. 7. Nota-se que o intuito do legislador foi o de garantir e proteger os direitos e interesses do credor sem retirar do devedor as condições de viver de forma digna, enquanto responde pela quitação da dívida. 8. Diante dessas premissas, é possível deduzir, em tese, pela inexistência de ilegalidade na decisão por meio da qual, na vigência do CPC de 2015, determina a penhora de até 50% sobre salários ou proventos da parte executada na reclamação trabalhista. Precedentes. 9. No caso concreto, entretanto, considerando os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, emerge a conclusão no sentido de manter a penhora sobre os proventos de aposentadoria da impetrante, restringindo-se, contudo, ao percentual de 10%. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido.4

Diante do exposto, em tese, é possível afirmar que, atualmente, o bloqueio dos salários e/ou proventos do devedor trabalhista, em regra, não é ilegal e não ofende direito fundamental do executado, devendo o intérprete autêntico analisar a possível colisão entre direitos fundamentais de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto. 

Logo, a proteção aos vencimentos, salários e de todos os valores indicados no art. 833 do CPC, visa assegurar o direito à subsistência digna, mas, por certo, não se sobrepõe ao direito, também alimentar, do pretenso exequente, cujos créditos não foram na época própria; assim, há clara colisão de direitos fundamentais que se inserem na mesma categoria de proteção.

Nesse sentido, conclui-se que o caráter alimentar do crédito trabalhista, que lhe é atribuído pelo art. 100, § 1°, da CF/88, autoriza sua inclusão na exceção prevista no § 2º, do art. 833, do CPC, cuja redação expressamente faz referência a créditos de natureza alimentícia de qualquer origem.

________

1 TRT-12. Salário não pode ser penhorado para pagamento de dívida trabalhista, decide TRT-SC

Disponível em: https://portal.trt12.jus.br/noticias/salarios-nao-podem-ser-penhorados-para-pagamento-de-divida-trabalhista-decide-trt-sc . Acesso em: 07-05-2025

2 TST. IRRR 0000271-98.2017.5.12.0019 (Tema 075). Publicado DEJT: 08-04-2025. Disponível em: https://www.trt1.jus.br/tst/-/asset_publisher/6Krtx4TJLWjF/content/0000271-98.2017.5.12.0019/7091413. Acesso em: 07-05-2025.

3 TST. Ag-AIRR-1082700-82.2007.5.09.0652, 2ª Turma, Relatora Ministra Liana Chaib, DEJT 24/04/2025

4 STF. ARE 1487241, Relator: Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, Publicado em: 18-04-2024.

Guilherme Galvão de Mattos Souza

VIP Guilherme Galvão de Mattos Souza

Advogado. Professor. Mestrando em Direito. Especialista em Direito Digital do Trabalho; Compliance e LGPD. Especialista em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca