Marco Civil da Internet - Direitos e responsabilidades
O STF decidirá a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet, afetando a responsabilidade das plataformas por conteúdos de terceiros.
quinta-feira, 8 de maio de 2025
Atualizado às 11:29
O STF está prestes a tomar uma das decisões mais relevantes da última década no campo dos direitos digitais no Brasil. Em jogo, está a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet (lei 12.965/14), o que pode definir os rumos da responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos publicados por terceiros.
Conhecido como a "Constituição da Internet brasileira", o Marco Civil da Internet foi sancionado em 2014 após um processo legislativo inovador e participativo, com amplo debate público envolvendo especialistas, empresas de tecnologia, juristas, organizações civis e a sociedade em geral. Antes de sua criação, o país carecia de uma legislação abrangente para tratar do uso da internet, o que gerava insegurança jurídica e decisões judiciais contraditórias. Com a nova lei, foram estabelecidos princípios fundamentais, como a neutralidade da rede, a proteção da privacidade dos usuários e a garantia da liberdade de expressão online.
Um dos pilares desse arcabouço legal é o art. 19, que determina que provedores de aplicações - como redes sociais, serviços de mensagens e plataformas de vídeo - só podem ser responsabilizados civilmente por danos causados por conteúdos de terceiros se não cumprirem uma ordem judicial específica que determine a remoção do material infrator. Esse dispositivo visa proteger e estimular a liberdade de expressão, buscando equilibrar os direitos individuais com a pluralidade de opiniões no ambiente digital.
A análise do STF vai muito além de um caso específico. Com a repercussão geral reconhecida, o julgamento se torna vinculante para todos os tribunais do país, estabelecendo um precedente obrigatório sobre a responsabilidade das plataformas digitais. O foco da discussão está na seguinte pergunta: o art. 19 é constitucional? A decisão do Supremo pode seguir três caminhos principais: considerar o dispositivo plenamente constitucional e mantê-lo como está, preservando a lógica atual em que as plataformas só são responsabilizadas após decisão judicial; declarar sua inconstitucionalidade total, o que permitiria responsabilização direta pelas plataformas mesmo sem ordem judicial prévia; ou adotar uma interpretação parcial, criando exceções e novas regras para situações específicas.
Em qualquer dos cenários, o Brasil não está sozinho. O modelo atual deixa o Brasil mais próximo do modelo norte-americano, notadamente da seção 230 do Communications Decency Act, que isenta as plataformas de responsabilidade direta por conteúdos de terceiros, salvo em casos específicos. Caso o STF reconheça a inconstitucionalidade do art. 19, o país poderá se aproximar do sistema europeu, especialmente do Digital Services Act da União Europeia, que estabelece um regime de responsabilização gradual das plataformas conforme a natureza e o impacto do conteúdo.
O julgamento é acompanhado com atenção por empresas de tecnologia, juristas, ativistas da liberdade de expressão e defensores dos direitos digitais. Críticos da atual redação do art. 19 alegam que ele dificulta a remoção rápida de conteúdos ofensivos, discursos de ódio e desinformação. Já os defensores do texto afirmam que ele é uma proteção essencial contra abusos de poder por parte de empresas privadas e uma salvaguarda da liberdade de expressão no país.
Espera-se que a decisão do STF traga clareza e segurança jurídica para todos os atores envolvidos no ecossistema digital - usuários, empresas, o Poder Judiciário e o próprio Estado - enquanto o tema não evolui no âmbito legislativo. Caso opte pela modulação dos efeitos, o tribunal poderá determinar que eventuais mudanças passem a valer apenas após o trânsito em julgado ou em data futura, evitando impactos imediatos e permitindo que o setor se adapte à nova realidade.
Independentemente do desfecho, o julgamento do art. 19 do Marco Civil da Internet será lembrado como um divisor de águas na história digital brasileira. Trata-se de uma oportunidade de reafirmar compromissos com os direitos fundamentais, com a inovação tecnológica e com a democracia em rede.
Danilo Roque
Sócio do escritório FAS Advogados - Focaccia, Amaral e Lamonica Advogados.