O que mais falta acontecer com os idosos do Brasil?
Após fraudes bilionárias no INSS, idosos agora são alvo de projeto da Anvisa que elimina bulas impressas de medicamentos.
sexta-feira, 9 de maio de 2025
Atualizado às 14:30
Em um país que acaba de se chocar com os escândalos bilionários envolvendo fraudes no INSS, uma nova e silenciosa ameaça se impõe sobre os ombros dos idosos: o projeto-piloto da Anvisa que prevê a eliminação das bulas impressas de medicamentos. O que mais falta acontecer com os nossos idosos?
Sob a justificativa de modernização, a proposta da Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária pretende substituir totalmente as bulas físicas por versões digitais. Mas a modernização, nesse caso, parece mais um pretexto para exclusão. Segundo pesquisa Datafolha, 84% da população considera a bula impressa essencial, enquanto 66% dizem ter dificuldade para acessar ou compreender a versão digital. Entre os idosos, esse número é ainda mais crítico.
A própria Anvisa, que conduziu uma consulta pública sobre o tema, optou por ignorar seus resultados. Dos 1.849 participantes - sendo 1.781 pessoas físicas e 68 jurídicas - cerca de 80% manifestaram-se a favor da manutenção da bula impressa. Mesmo assim, o projeto avançou, numa decisão tecnocrática e desconectada da realidade brasileira.
O histórico de descaso com os idosos não é novidade. Durante anos, os aposentados que sacavam seus benefícios presencialmente nos bancos recebiam extratos impressos detalhados, com valores brutos, descontos e montantes líquidos discriminados. Documentos simples, mas que garantiam clareza, controle financeiro e dignidade a quem muitas vezes não domina aplicativos ou interfaces digitais.
Agora, sob a desculpa de custo, meio ambiente e acesso tecnológico, tenta-se eliminar mais uma ferramenta de proteção: a bula impressa - peça essencial para uso seguro de medicamentos, sobretudo em uma população que frequentemente toma vários remédios por dia.
Mas os três principais argumentos usados para justificar a mudança não se sustentam:
- Redução de custos: Uma bula custa entre 4 e 6 centavos por unidade. Esse valor não impacta em nada no preço final do medicamento ao consumidor;
- Sustentabilidade: O papel utilizado é proveniente de reflorestamento, sem prejuízo ambiental relevante;
- Inclusão digital: Aproximadamente 25% da população brasileira ainda tem acesso limitado à internet, dispositivos ou letramento digital básico. Em outras palavras, a bula digital não é acessível para milhões.
Desde 2021, o Movimento Exija Bula atua para garantir o direito à informação em saúde. No Congresso, o PL 715/24 busca assegurar por lei a obrigatoriedade da bula impressa em todas as embalagens de medicamentos. A proposta, apoiada por diversos parlamentares, visa evitar que a lógica do mercado se sobreponha ao bem-estar da população.
O projeto da Anvisa falha em respeitar a diversidade do público brasileiro. Não se trata de ser contra o digital, mas de defender a coexistência entre o novo e o essencial. Modernizar não é excluir. Informação salva vidas e não pode ser tratada como item de luxo ou conveniência econômica.
A luta continua. Seguiremos mobilizados na Justiça, no Congresso e nas ruas para garantir que nenhum brasileiro - especialmente os mais vulneráveis - fique desinformado diante do que mais importa: sua própria saúde.