Boas práticas de compliance: Imperativo estratégico na era da nova lei de licitações
Compliance é essencial nas contratações públicas sob a nova lei 14.133/21: Garante ética, estabilidade e competitividade às empresas.
sábado, 10 de maio de 2025
Atualizado em 9 de maio de 2025 13:06
Introdução
Imagine uma empresa responsável por manter uma rodovia estadual ou operar um hospital público tenha seu contrato com a Administração suspenso por suspeitas de irregularidades ou por falhas na governança interna. O prejuízo vai além do financeiro: afeta a credibilidade institucional, paralisa serviços essenciais e coloca em risco a própria continuidade do ajuste.
Para empresas que atuam na prestação de serviços públicos, o compliance deixou de ser uma opção e passou a ser uma exigência estratégica.
Com a entrada em vigor da lei 14.133/21, a integridade, a transparência e a responsabilidade deixaram de ser apenas boas práticas e passaram a constituir obrigações legais e parâmetros fundamentais para a celebração e a manutenção de contratos públicos.
Empresas que não se adaptarem a essa nova realidade estão fadadas ao isolamento institucional e à perda de competitividade. Em contrapartida, aquelas que investirem em compliance robusto e efetivo se consolidarão como parceiras confiáveis da Administração Pública e protagonistas de um novo ciclo de contratações públicas mais éticas, eficientes e sustentáveis.
Compliance como pilar de sustentação contratual
A implantação de programas de integridade pelas empresas contratadas, sem dúvidas, representa pilar de sustentação dos contratos administrativos, em consonância com os princípios da governança, da gestão por resultados e da responsabilização previstos na lei 14.133/21.
Com efeito, a nova lei de licitações e contratos estabelece em seu art. 25, § 4º, que nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital imporá a implantação de programa de integridade do licitante vencedor, no prazo de 6 meses, contados da celebração do contrato.
Já o seu art. 60, caput, inciso IV, prevê entre os critérios de desempate entre duas ou mais propostas o desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle. Enquanto o art. 163, parágrafo único, condiciona reabilitação da licitante ou do contratado sancionado à implantação ou ao aperfeiçoamento de programa de integridade no âmbito da referida empresa.
Além disso, contar com um programa de integridade efetivo fortalece a imagem da empresa frente à Administração Pública, ao mercado e à sociedade, ao demonstrar sua capacidade de prevenir riscos contratuais, sua maturidade institucional e seu compromisso com a correta aplicação dos recursos públicos e a entrega responsável das obras e serviços.
Elementos essenciais de um programa de compliance eficaz
Para que o programa de integridade seja eficaz, ele precisa ser mais do que um documento institucional. Deve se traduzir em práticas concretas e monitoráveis, com os seguintes pilares:
- Código de Ética e Conduta: Estabelecimento de diretrizes claras sobre comportamentos esperados e proibidos, bem como sobre os mecanismos de responsabilização aplicáveis.
- Canal de denúncias eficiente: Ferramenta segura, acessível e gerida com independência, voltada ao recebimento de denúncias e à proteção de denunciantes contra retaliações.
- Mapeamento e gestão de riscos: Identificação e tratamento sistemático de riscos operacionais, regulatórios, reputacionais e contratuais, com foco na atividade fim da empresa.
- Treinamento contínuo: Capacitação periódica de todos os colaboradores, com ênfase nos profissionais envolvidos na gestão de contratos públicos.
- Due diligence de terceiros: Avaliação prévia e monitoramento constante de subcontratadas, fornecedores e parceiros estratégicos, com foco em integridade e conformidade.
- Auditoria e monitoramento interno: Verificação periódica da efetividade dos controles internos, acompanhada da implementação de ações corretivas.
- Comprometimento da alta direção: Participação ativa da liderança na promoção da cultura de integridade, no exemplo institucional e na resposta rápida a desvios.
Empresas que internalizam esses pilares aumentam significativamente sua segurança jurídica e operacional, tornando-se mais preparadas para enfrentar tanto os desafios da execução contratual quanto eventuais fiscalizações, auditorias ou investigações.
Respostas reativas com responsabilidade e eficiência
Mesmo com mecanismos preventivos robustos, situações de conflito e risco podem surgir ao longo da execução contratual. A forma como a empresa responde a essas situações é o que diferencia organizações resilientes de estruturas vulneráveis.
A nova lei de licitações, nos arts. 151 a 154 da lei 14.133/21, introduz e regulamenta meios alternativos de resolução de controvérsias - como a mediação, a arbitragem e os comitês de resolução de disputas (Dispute Boards) - que devem ser previstos desde a fase contratual como estratégias de gestão de crises e de preservação da continuidade do objeto.
Empresas que contam com uma estrutura de compliance consolidada estão mais aptas a responder com agilidade, apresentar planos corretivos, cooperar com a Administração e demonstrar boa-fé e diligência.
O art. 156 da mesma lei reforça essa lógica ao prever que a existência de um programa de integridade efetivo deve ser considerada como circunstância atenuante na dosimetria das sanções administrativas.
Recomendações estratégicas para empresas prestadoras de serviços públicos
Diante desse cenário, torna-se evidente que a capacidade de resposta a crises precisa estar acompanhada de uma estrutura preventiva robusta. A construção dessa estrutura exige planejamento estratégico e ações concretas que integrem a cultura de integridade ao cotidiano da empresa.
Nesse contexto, recomenda-se a adoção de medidas estruturantes voltadas à mitigação de riscos, ao fortalecimento institucional e à conformidade com as exigências da nova lei de licitações e contratos.
Empresas prestadoras de serviços públicos devem, portanto, incorporar cláusulas de integridade em seus contratos, prevendo penalidades, obrigações acessórias e instrumentos de cooperação em auditorias.
A gestão de riscos deve ser tratada como atividade contínua, com avaliações periódicas que considerem não apenas aspectos operacionais, mas também riscos reputacionais, regulatórios e ambientais.
É igualmente essencial manter canais permanentes de diálogo com órgãos de controle, como Tribunais de Contas, controladorias e agências reguladoras, assegurando transparência e abertura institucional.
A preparação para momentos críticos exige, ainda, o desenvolvimento de protocolos de resposta a crises, com atribuições bem definidas entre os diferentes níveis de governança.
Por fim, o fortalecimento da cultura ética deve ocupar posição central na estratégia organizacional, por meio de campanhas internas de sensibilização, atuação de comitês de integridade e adoção de indicadores de desempenho atrelados à conformidade.
Conclusão
Na nova era das contratações públicas, sob a vigência da lei 14.133/21, não há mais espaço para amadorismo, improviso ou opacidade. A excelência na prestação de serviços públicos exige, além da capacidade técnica e da entrega eficiente, um compromisso inegociável com a integridade.
Empresas que investem em compliance colhem frutos duradouros: maior estabilidade contratual, acesso ampliado a oportunidades de licitação, respeito institucional e blindagem contra riscos que possam comprometer sua continuidade.
Mais do que atender à legalidade, investir em integridade é investir no futuro da empresa e na construção de um setor público mais confiável, eficiente e justo. Compliance é estratégia, reputação e perenidade.
Mariana Beliqui
Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), pós-graduada em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG) e bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Larissa Sirtoli Recla
Pós-graduanda em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC- MG). Membro da Comissão de Licitações e Contratos da OAB/ES. Graduada pela Faculdade Pitágoras.