A judicialização da saúde: As demandas contra planos de saúde
Este artigo analisa a crescente judicialização da saúde suplementar no Brasil, destacando o papel do Poder Judiciário nas demandas propostas por beneficiários de planos.
terça-feira, 13 de maio de 2025
Atualizado às 10:22
1. Introdução
A saúde é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 6º e no art. 196, sendo dever do Estado garanti-la mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e ao acesso universal e igualitário. Todavia, o acesso à saúde, através do SUS - Sistema Único de Saúde é deficitário, não alcançando toda a população. Paralelamente a este Sistema, a saúde suplementar, regulada pela lei 9.656/1998 e pela atuação da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, tornou-se alternativa para parcela da população. No entanto, falhas no cumprimento contratual por parte das operadoras e limitações impostas à cobertura resultaram em aumento expressivo das demandas judiciais. O presente artigo busca analisar o papel do Poder Judiciário frente a essas demandas, examinando seus fundamentos legais, doutrinários e jurisprudenciais.
2. A saúde suplementar no ordenamento jurídico brasileiro
A saúde suplementar é aquela prestada por entidades privadas mediante remuneração, sob a forma de planos ou seguros. Sua regulação jurídica teve marco importante com a promulgação da lei 9.656/1998, que disciplinou os direitos dos consumidores e estabeleceu obrigações às operadoras. A ANS, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde, tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras e assegurando o equilíbrio do mercado.
Estima-se que, aproximadamente 51 milhões de brasileiros são usuários do Sistema de Saúde Suplementar e apesar da regulação, são recorrentes os conflitos entre usuários e operadoras, com destaque para negativas de procedimentos, reajustes considerados abusivos, limitações de cobertura e rescisões contratuais unilaterais.
3. A judicialização da saúde suplementar
A judicialização da saúde, em seu sentido mais amplo, refere-se ao fenômeno da crescente demanda pelo Poder Judiciário para garantia de acesso a serviços, medicamentos e procedimentos de saúde. No caso da saúde suplementar, essa judicialização ocorre quando o cidadão busca o Judiciário para obter a prestação negada por seu plano.
Segundo dados do CNJ - Conselho Nacional de Justiça, os planos de saúde estão entre os maiores litigantes do país. Os principais motivos de judicialização envolvem:
- Negativas de cobertura com base no rol da ANS;
- Reajustes por faixa etária de forma abusiva, principalmente em idosos;
- Exclusão de procedimentos considerados experimentais ou fora do contrato;
- Cancelamento unilateral de contrato;
- Falta de autorização para exames, cirurgias ou terapias.
Ainda de acordo com o CNJ, a judicialização da saúde aumentou 130% em 10 anos, enquanto o numero total de processos judiciais cresceu 50%.
4. O papel do Judiciário na efetivação do Direito à saúde:
A Constituição assegura o direito à saúde como direito fundamental de todos e dever do Estado. Com base nisso, o Judiciário tem sido instado a intervir em situações onde se evidencia o descumprimento de obrigações por parte das operadoras, amparando-se nos princípios da dignidade da pessoa humana, do mínimo existencial e da função social do contrato.
Decisões judiciais têm afastado cláusulas abusivas e garantido o acesso a tratamentos, muitas vezes em descompasso com o rol taxativo da ANS, considerado por parte da doutrina e jurisprudência como meramente exemplificativo. O STF e o STJ já enfrentaram discussões importantes sobre o tema, como se viu no julgamento do REsp 1.733.013/SP, que reafirmou a possibilidade de o Judiciário determinar cobertura não prevista no rol em casos específicos.
5. Desafios e limites da atuação judicial:
Apesar da relevância do papel do Judiciário na efetivação do direito à saúde, sua atuação não está isenta de críticas. Aponta-se, por vezes, a falta de base técnica nas decisões, a judicialização excessiva e o impacto econômico sobre o sistema suplementar, com risco de inviabilizar a sustentabilidade dos planos. Em 7 anos, houve um crescimento de quase 13x no dispêndio com demandas judiciais, atingindo valores elevadíssimos, aumentando consideravelmente a VCMH - Variação dos Custos Médico-Hospitalares, que é a metodologia usada pelo IESS - Instituto de Estudos da Saúde Suplementar utiliza para comparar a inflação dos índices de consumidor e os gastos com saúde.
Outro desafio é o tensionamento entre o contrato firmado entre as partes e os princípios constitucionais, o que exige do magistrado equilíbrio entre a proteção do consumidor e a preservação do pacto contratual.
6. Considerações finais
A judicialização da saúde suplementar reflete, de um lado, a ineficácia regulatória e contratual das operadoras e, de outro, a busca do cidadão pela concretização do direito fundamental à saúde. O Judiciário, ainda que em atuação subsidiária, tem papel central na correção de abusos e na garantia de tratamentos adequados aos beneficiários de planos de saúde. Contudo, é necessário avançar em soluções estruturais, como maior efetividade da regulação, fortalecimento da ANS e criação de núcleos técnicos de apoio ao Judiciário.
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
BRASIL. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 4 jun. 1998.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.733.013/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 10/12/2019.
CNJ - Conselho Nacional de Justiça. Judicialização da Saúde no Brasil. Relatório. Brasília: CNJ, 2023.
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