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Execuções fiscais sem CPF ou CNPJ: Resolução CNJ 617/25

Resolução 617 CNJ. Tratamento divergente da construção jurídica ao determinar a extinção de execuções fiscais sem a indicação do CPF ou CNPJ, inclusive na fase inicial do processo.

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Atualizado às 15:00

A recente resolução 617, de 12/3/25, do CNJ, que altera a resolução CNJ 547/24, introduz tratamento divergente da construção jurídica prevista no ordenamento nas execuções fiscais pendentes no Poder Judiciário, ao determinar a extinção de execuções fiscais sem a indicação do CPF ou CNPJ da parte executada, inclusive na fase inicial do processo.

Supracitado ato infralegal, com o intuito de racionalização e eficiência na tramitação dessas execuções, merece uma análise detida à luz dos princípios que regem o ordenamento jurídico brasileiro, notadamente no que tange à legalidade e à hierarquia das leis.

Conforme se depreende de seus considerandos, a ratio da resolução 617/25 reside na busca pela eficiência da Administração Pública e na política do CNJ de extinguir execuções sem perspectiva de recuperação do crédito e considera o grande número de atos conjuntos celebrados entre o CNJ e diversos tribunais e entes federados, que facilitaram a extinção de milhões de execuções fiscais.

Entretanto, a imposição da extinção de execuções fiscais com base na ausência de CPF ou CNPJ da parte executada por ato infralegal sobrepondo a legislação Federal ordinária e a construção jurisprudencial levanta questionamentos no âmbito do seu contexto complementar ao ir além do que a lei estabelece, o que contraria o primado da hierarquia das normas jurídicas, vulnera o princípio constitucional da legalidade e provoca insegurança jurídica.

Em conformidade com a CF/88, somente uma lei pode criar direitos e deveres. Os arts. 5º, inc. II, e 84, inc. IV, da CF/88, positivam que somente a lei pode obrigar condutas e impor sanções e que é do presidente da República a competência para expedir regulamentos, com a estrita finalidade de permitir "o fiel cumprimento da lei".

Como sabido, as leis são redigidas em termos gerais e abstratos, e são os decretos que explicam e orientam sua aplicação, visando torná-las efetivas e propiciando sua fiel execução.

As portarias e resoluções, por sua vez, não podem extrapolar o seu poder complementar criando ou limitando direito ou obrigação que a lei não faz.

Nas palavras do saudoso professor Hely Lopes Meirelles no que tange aos atos normativos são manifestações tipicamente administrativas e com o objetivo imediato de explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados:

"Atos administrativos normativos são aqueles que contêm um comando geral do Executivo, visando à correta aplicação da lei. O objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados. Esses atos expressam em minúcia o mandamento abstrato da lei, e o fazem com a mesma normatividade da regra legislativa, embora sejam manifestações tipicamente administrativas. A essa categoria pertencem os decretos regulamentares e os regimentos, bem como as resoluções, deliberações e portarias de conteúdo geral."

O Poder Judiciário brasileiro ao analisar diversos temas levados aos tribunais, envolvendo questões de trânsito, consumidor, saúde, dentre outros, dispõe que as resoluções não podem sobrepor o que determina a lei, ou seja, matéria disposta ou que deva ser objeto de lei não pode ser regulamentada ou contrariada por meio de resolução, sob pena de inovar no ordenamento e ofender o princípio da legalidade.

A título de exemplo, destaca-se o recurso especial 1.749.202 - SP (2018/0150303-1), de relatoria do ministro Moura Ribeiro, assim ementado:

EMENTA CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. ART. 1.022 DO NCPC. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO E/OU FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. MATÉRIA ACERCA DA QUAL NÃO SE DECLINOU DISPOSITIVO DE LEI VIOLADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 284 DO STF. EX-EMPREGADO APOSENTADO. REGIME DE CUSTEIO. DIVISÃO DE CATEGORIAS. TRABALHADORES ATIVOS E INATIVOS. IMPOSSIBILIDADE. O ART. 19 DA RN 279/2011 DA ANS EXTRAPOLOU O COMANDO NORMATIVO DO ART. 31 DA LEI 9.656/98. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 568 DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (destaques nossos).

No referido julgado, destacou o ministro do STJ que o acórdão recorrido consignou que a norma do art. 31 da lei 9.656/98 prevalece sobre o disposto na resolução 279 da ANS, diploma de natureza administrativa, e que não pode restringir direito estabelecido por lei (destaques nossos).

Lastreado nesse breve recorte, possível considerar a matéria regulamentada na resolução do CNJ não encontra guarida no ordenamento jurídico, premissa esta que decorre principalmente do fato de que a lei de execução fiscal (lei 6.830/1980) e o CTN, por exemplo, não estabelecem a indicação do CPF ou CNPJ como requisito essencial para a validade da execução fiscal.

Perceba-se que o art. 6º da LEF, ao tratar dos requisitos da petição inicial, não menciona a necessidade de indicação do CPF ou CNPJ do executado.

Por sua vez, o art. 202 do CTN, que versa sobre os requisitos da inscrição da dívida ativa, também não impõe tal exigência de forma absoluta, utilizando a expressão "sempre que conhecido".

Não obstante a legislação Federal não prever expressamente tal exigência, a súmula 558 do STJ, estabelece que "em ações de execução fiscal, a petição inicial não pode ser indeferida sob o argumento da falta de indicação do CPF e/ou RG ou CNPJ da parte executada".

Citada súmula, aprovada em 2015, reflete o entendimento consolidado do STJ sobre a matéria, no sentido de que a ausência de tais informações não pode obstar o prosseguimento da execução fiscal.

Sobreleva-se ainda anotar que a matéria que se pretende normatizar na resolução do CNJ em análise foi inclusive objeto de tema repetitivo, tema 876, no qual ao afetar os REsp 1.455.091/AM e Resp 1.450.819/AM se discutiu a obrigatoriedade, ou não, da indicação do CNPJ para o recebimento da petição inicial de execução fiscal endereçada contra pessoa jurídica, ficando assentado que em ações de execução fiscal, descabe indeferir a petição inicial sob o argumento da falta de indicação do CPF e/ou RG da parte executada (pessoa física), visto tratar-se de requisito não previsto no art. 6º da lei 6.830/80 (LEF), cujo diploma, por sua especialidade, ostenta primazia sobre a legislação de cunho geral, como ocorre frente à exigência contida no art. 15 da lei 11.419/06.

Revela-se, pois, que a resolução 617/25 do CNJ, ao determinar a extinção das execuções fiscais sem a indicação do CPF ou CNPJ, sinaliza inovação no ordenamento jurídico, estabelecendo um requisito não previsto em lei.

Tal exigência, imposta por um ato infralegal, pode configurar violação ao princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, II, da CF/88, segundo o qual "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Desse modo, a exigência de indicação do CPF ou CNPJ prevista na resolução do CNJ, conforme a construção do ordenamento jurídico, não se configura como requisito essencial do título executivo fiscal.

Acrescenta-se que o legislador, ao utilizar a expressão "sempre que conhecido", demonstra que a ausência dessa informação não impede a identificação do devedor, especialmente quando outros dados, como o nome e o endereço, estão disponíveis. A lei de regência exige apenas a indicação do nome do executado, e não necessariamente do CPF/CNPJ.

A resolução 617/25, ao prever a extinção das execuções fiscais sem a indicação do CPF ou CNPJ, inclusive na análise da petição inicial, pode gerar insegurança jurídica e dificultar a recuperação de créditos tributários, em detrimento do interesse público, especialmente no contexto dos municípios e ao exigir um requisito não previsto em lei, pode ser considerada um excesso de poder regulamentar, violando o princípio da hierarquia das leis e o princípio da legalidade.

Amparado nessas breves anotações reflexivas, considera-se que a resolução 617/25 do CNJ merece uma reflexão mais aprofundada, a fim de verificar sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro e com a jurisprudência já consolidada sobre a matéria.

A busca pela eficiência na tramitação das execuções fiscais não pode se sobrepor aos princípios da legalidade e da segurança jurídica, que são pilares do Estado Democrático de Direito. Além disso, a imposição de requisitos não previstos em lei, como a exigência de indicação do CPF ou CNPJ para a admissibilidade da execução fiscal, pode comprometer a efetividade da cobrança dos créditos tributários e gerar prejuízos diretamente para a sociedade.

A conveniência de estimular a difusão do Cadin - Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público Federal, cuja utilização passou a ser possível por Estados e municípios mediante convênio com a União, bem como por autarquias profissionais e conselhos de classe, na forma do art. 2º, III e IV, da lei 10.522/02, incluídos pela lei 14.973/24, não pode justificar a imposição de requisitos não previstos em lei para a admissibilidade da execução fiscal.

A inclusão do crédito em cadastros de inadimplentes é uma medida importante para a recuperação de créditos, mas não pode ser utilizada como subterfúgio para enfraquecer os princípios da legalidade e da segurança jurídica.

Conclui-se com a presente análise crítica reflexiva que a resolução 617/25 do CNJ, ao determinar a extinção das execuções fiscais sem a indicação do CPF ou CNPJ da parte executada, levanta sérias dúvidas quanto à sua legalidade e constitucionalidade, cujo ato normativo pode representar inovação no ordenamento jurídico ao exigir um requisito não previsto em lei, de modo a comprometer a efetividade da cobrança dos créditos tributários e gerar insegurança jurídica, sugerindo uma reavaliação dos limites e abrangência dos atos infralegais, notadamente a resolução 617/25, a fim de garantir sua conformidade com os princípios que regem o Estado Democrático de Direito.

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1 BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Brasília: Diário Oficial da União, 1966.

2 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 547, de 22 de fevereiro de 2024. Institui medidas de tratamento racional e eficiente na tramitação das execuções fiscais pendentes no Poder Judiciário, a partir do julgamento do tema 1184 da repercussão geral pelo STF. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, n. 30, 22 fev. 2024, p. 2-4.

3 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 617, de 12 de março de 2025. Altera a Resolução CNJ nº 547/2024, que institui medidas de tratamento racional e eficiente na tramitação das execuções fiscais pendentes no Poder Judiciário. Diário da Justiça, Brasília, DF, 12 mar. 2025.

4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

5 BRASIL. Lei de Execução Fiscal. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Brasília: Diário Oficial da União, 1980.

6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 23ª edição, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 1998, pág. 158.

7 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmula 558. Em ações de execução fiscal, a petição inicial não pode ser indeferida sob o argumento da falta de indicação do CPF e/ou RG ou CNPJ da parte executada. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/sumstj/toc.jsp?livre=%27558%27.num.&O=JT. Acesso em:12.mai.2025.

Richard Bassan

VIP Richard Bassan

Advogado, procurador do município. Doutorando em direito e pós graduando (MBA) em private equity, venture capital e MA. Mestre em economia e mercados e mestre em direito. https://amzn.to/4iR2cFv

Renato Passos Ornelas

Renato Passos Ornelas

Mestre em Direito e Gestão de Conflitos pela Universidade de Araraquara (UNIARA). Professor Titular e Coordenador do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Amparense (UNIFIA).

Jessé Rodrigues Vieira

Jessé Rodrigues Vieira

Advogado, procurador do município. Pós-graduado em processo civil e direito público.

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