"Jogada de mestre" ou cilada digital? A CPI das Apostas acendeu o alerta: Não basta ser famoso, é preciso ser diligente - porque o CDC também está online
Influenciadores promovem apostas online sem alertar riscos. Entre lucro e vício, a conta pode ser alta - e a responsabilidade, real.
sexta-feira, 16 de maio de 2025
Atualizado em 15 de maio de 2025 14:01
"Ganhe dinheiro do sofá de casa", "Transforme R$ 10 em R$ 10 mil", "Use meu código e jogue grátis" - frases como essas se espalharam pelas redes sociais como um vício digital.
No centro da narrativa estão os influenciadores, que, com milhões de seguidores, promovem plataformas de apostas online com a mesma naturalidade com que indicam produtos de skincare. Mas quando a roleta gira fora dos trilhos da legalidade, quem segura a conta?
Em tempos de CPI das Apostas Esportivas, que escancara um mercado em processo de regulamentação no Brasil, o debate sobre a responsabilidade dos influenciadores digitais na promoção dessas plataformas ganha destaque - e urgência.
Influência com CPF: O peso jurídico da fama
A atuação dos influenciadores não é apenas comunicacional, mas comercial e contratual, pois muitos atuam como verdadeiros agentes publicitários, sendo remunerados por visualizações, conversões e códigos promocionais utilizados.
E nessa condição, pode-se defender o enquadramento como fornecedores, nos termos do art. 3º do CDC, respondendo solidariamente por eventuais danos causados aos consumidores (art. 7º, parágrafo único, e art. 14, CDC).
Segundo um levantamento da INFLR, uma startup que conecta marcas a personalidades populares nas redes, 75% dos jovens se interessam em ingressar no mundo da influência, sendo que 63% são motivados pelo retorno financeiro , o que revela por outro ângulo, a capilaridade dos nanos aos megas influenciadores.
E a relação de confiança, construída com o público ao longo do tempo, impõe também deveres de diligência, transparência e cuidado. Quando se divulga uma plataforma - especialmente do setor de apostas -, o influenciador deve ter clareza de que sua indicação carrega um peso que vai além do "link na bio".
Isso porque os influenciadores devem estar cientes das responsabilidades jurídicas que acompanham sua influência, inclusive penal, uma realidade que não pode ser ignorada.
Os Influenciadores podem e devem ser responsabilizados por danos causados por suas ações ou omissões, especialmente quando essas ações resultam em consequências negativas para seus seguidores e no mundo real, as apostas online podem não ser apenas um entretenimento.
Os riscos silenciosos das apostas: Do vício à vulnerabilidade extrema
Embora legalizadas e regulamentadas em determinadas modalidades, essas atividades envolvem potencial de vício, sobretudo quando promovidas de forma acrítica, impulsiva ou com promessas irreais de enriquecimento fácil.
A OMS - Organização Mundial da Saúde classifica o vício em jogos como um transtorno do comportamento, incluído na 11ª edição da CID-11 - Classificação Internacional de Doenças, sob o código "6C50 - Comportamento de jogo patológico".
Já estudos conduzidos por instituições como o NHS - National Health Service do Reino Unido identificam correlação direta entre o uso intensivo de plataformas de apostas e o aumento de quadros de depressão, ansiedade, endividamento e risco de suicídio.
O problema se agrava, quando se vê influenciadores com milhões de seguidores promovendo plataformas com frases como "dá pra viver disso", muitos usuários - especialmente jovens - acreditam estar diante de uma oportunidade legítima de mobilidade social, o que pode desencadear compulsão, descontrole financeiro e sofrimento psicológico.
O Brasil, segundo o Estudo Global sobre Jogos de Azar do DataHub (2022) já figura entre os 10 países com maior número de usuários em plataformas de apostas esportivas, com crescimento de 360% no número de contas ativas em dois anos, o que revela a necessidade de uma açao preventiva.
Nesse passo, a lei 14.790/23, que regulamenta as apostas de quota fixa, prevê dispositivos de proteção ao consumidor, como a exigência de políticas de prevenção ao jogo problemático, canais de autoexclusão, restrição a menores de idade e a obrigação de implementar ferramentas de limite de gasto e tempo de conexão.
Tais medidas, porém, ainda carecem de regulamentação complementar e fiscalização eficaz, a despeito de muitas empresas (as sérias) já possuírem programas de prevenção ao jogo irresponsável.
E neste contexto, a publicidade - sobretudo aquela feita por influenciadores - precisa respeitar os limites da ética e do direito.
Quando o influenciador promove uma atividade potencialmente aditiva sem alertar sobre seus riscos, pode estar incorrendo em omissão dolosa ou culpa por negligência, especialmente considerando o dever de informação previsto no art. 6º, III, do CDC e a vedação à publicidade enganosa ou abusiva (arts. 36 e 37, CDC).
Em países como o Reino Unido e a Austrália, o uso de influenciadores digitais para promover apostas a menores foi restrito por lei, após estudos revelarem a influência desproporcional dessas figuras sobre decisões impulsivas de consumo.
Por isso, cresce a pressão para que o Brasil avance também no controle da linguagem publicitária no setor, inclusive com apoio de autorregulação, como previsto no CONAR - Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.
E Ignorar os efeitos colaterais das apostas é negligenciar vidas. A publicidade deve ser orientada pelo princípio da boa-fé objetiva e pelo respeito à dignidade humana.
As campanhas que não alertam sobre os riscos ou que incentivam comportamentos compulsivos, violam normas legais e éticas, e podem gerar responsabilização civil, administrativa e até penal, a depender do caso concreto.
Em última instância, é preciso lembrar: o que para um é conteúdo, para outro pode ser gatilho. E quando a aposta vira dependência, o prejuízo é humano - e, às vezes, irreversível.
Apostas legalizadas (mas nem todas)
A verdade é que há diversas empresas sérias e regulares operando no Brasil, respeitando o marco normativo estabelecido pela lei 14.790/23, que regulamenta as chamadas apostas de quota fixa e todos os outros normativos já publicados pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda.
Essas empresas cumprem requisitos como autorização do Ministério da Fazenda, políticas de compliance, prevenção à lavagem de dinheiro e proteção ao consumidor - inclusive com barreiras técnicas para impedir o acesso de menores de idade.
O problema não está nas plataformas que atuam dentro da legalidade, mas sim na divulgação de sites não licenciados, sediados em jurisdições pouco transparentes ou que adotam práticas enganosas ou não seguem a regulamentação já existente para o setor.
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Rhuana Rodrigues César
Sócia do Chenut.