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Defensorias Públicas, Justiça Climática e Social no Brasil: Um trabalho que muda vidas

Campanha "Justiça Climática é Justiça Social" (2025) - iniciativa da ANADEP que destaca o papel estratégico das Defensorias Públicas na defesa de comunidades vulneráveis frente à crise climática.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Atualizado em 15 de maio de 2025 15:01

As Defensorias Públicas estaduais têm emergido como protagonistas na promoção da justiça climática e social no Brasil. Esse protagonismo se faz por necessidade e ocorre especialmente diante de desastres ambientais e eventos climáticos extremos que têm atingido os mais vulneráveis. A instituição, cuja missão constitucional é assegurar acesso à justiça aos necessitados, atua em defesa de comunidades atingidas por tragédias socioambientais - rompimentos de barragens, enchentes, deslizamentos - que afetam desproporcionalmente os mais pobres. Em tais cenários, defensores públicos oferecem orientação jurídica gratuita, ingressam com ações coletivas para reparação de danos e cobram políticas públicas inclusivas, garantindo que as vozes das vítimas sejam ouvidas e que seus direitos à indenização, moradia digna e recomposição socioambiental sejam efetivamente concretizados. 

A atuação da Defensoria busca remediar desigualdades acentuadas por desastres ambientais, alinhando-se ao entendimento de que justiça climática é, em essência, concretizar justiça social.

Dois dos piores desastres socioambientais da história brasileira ocorreram em Minas Gerais: Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019. No rompimento da barragem de Fundão (Mariana), 19 pessoas perderam a vida e dezenas de comunidades foram devastadas, com 60 milhões de m³ de rejeitos contaminando a bacia do Rio Doce. A DPMG - Defensoria Pública de Minas Gerais reagiu prontamente: organizou mutirões para atender os atingidos e anunciou o ajuizamento de ações civis públicas visando duas frentes - (1) indenizações por danos morais e materiais aos moradores dos distritos destruídos e (2) garantia de reassentamento coletivo das famílias desalojadas.

Entretanto, a luta pelos direitos dos atingidos de Mariana revelou-se complexa e prolongada. A envergadura do desafio exigiu uma instituição moderna, estruturada e com membros capacitados para oferecer a melhor proteção aos atingidos. Em atuação conjunta, o Judiciário Federal condenou responsáveis a pagar R$ 56 milhões por danos morais coletivos. Esse resultado, obtido com a atuação conjunta da DPU e defensorias estaduais de MG e ES, evidencia o papel vigilante dessas instituições na defesa dos direitos das comunidades atingidas e no controle da execução dos acordos de reparação.

No caso de Brumadinho (2019), em que 272 pessoas morreram com o colapso da barragem da Mina do Córrego do Feijão (Vale), a Defensoria mineira novamente assumiu papel central. Junto ao governo de Minas e aos Ministérios Públicos, a DPMG participou das negociações que resultaram num acordo histórico de reparação, homologado em fevereiro de 2021, no valor de R$ 37,6 bilhões. Esse acordo global - firmado pela Vale, Estado de MG, Defensoria Pública e MPs - destinou recursos maciços para mitigação dos danos socioeconômicos e ambientais. Entre as medidas pactuadas, destacam-se: R$ 3 bilhões para projetos indicados pelas comunidades atingidas; R$ 4,4 bilhões para um programa de transferência de renda aos atingidos; R$ 2,5 bilhões para obras e ações na bacia do Rio Paraopeba; e R$ 1,5 bilhão para projetos de recuperação em Brumadinho. Ademais, foram reservados R$ 5 bilhões (referenciais) para reparação ambiental, sem prejuízo de outras obrigações ambientais da empresa. Importante notar que a Defensoria e demais signatários preservaram o direito de cada vítima buscar reparação individual complementar, assim como não abarcou eventuais responsabilidades penais da Vale. A motivação foi clara: evitar a "justiça que tarda" - Brumadinho não poderia repetir o cenário de Mariana, onde a judicialização prolongada atrasou por anos as compensações. Sempre aprimorando suas práticas e se valendo do aprendizado institucional, a Defensoria mineira defendeu a validade do pacto como meio de viabilizar investimentos urgentes em favor das comunidades, garantindo posteriormente espaços de diálogo para aperfeiçoamento de sua implementação. Hoje, passados mais de quatro anos do desastre, o acordo de Brumadinho proporciona benefícios concretos: milhares de famílias receberam auxílio financeiro emergencial, projetos de reconstrução de infraestrutura e melhoria de serviços públicos avançam na região, e iniciativas de recuperação ambiental estão em curso, tudo isso com fiscalização contínua da DPMG e demais órgãos de justiça para assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pela Vale.

A atuação das Defensorias não se limita a rompimentos de barragens. Desastres climáticos, intensificados pelas mudanças do clima, têm mobilizado defensoras e defensores públicos em diversos estados. Um exemplo recente ocorreu no Rio Grande do Sul, diante das enchentes devastadoras de 2023 que atingiram dezenas de municípios (especialmente na região do Vale do Taquari) e, novamente, no primeiro semestre de 2024 com temporais intensos. A DPE/RS - Defensoria Pública do RS esteve presente desde o primeiro momento nas áreas alagadas, organizando forças-tarefa para atender os desabrigados e assegurar a efetivação de seus direitos básicos. Nos meses de setembro e outubro de 2023, equipes da DPE/RS atuaram instalando pontos de atendimento emergencial e visitando abrigos - para garantir a suspensão imediata das cobranças de contas de água e luz das famílias atingidas, além de auxiliarem no transporte e distribuição de donativos a milhares de moradores que perderam tudo. Esse rápido engajamento foi crucial para aliviar encargos financeiros das vítimas no auge da crise e conectar a ajuda humanitária às necessidades jurídicas de documentação e acesso a benefícios.

Como desdobramento dessas ações emergenciais, a Defensoria gaúcha articulou soluções estruturantes junto a outros órgãos. Em maio de 2024, firmou-se um acordo amplo de isenção tarifária: 906 mil imóveis afetados pelas enchentes em 64 municípios ficarão isentos do pagamento das contas de água, medida estimada em R$ 100 milhões em favor da população atingida. O acordo, assinado pela DPE/RS com a concessionária de águas (Corsan/Aegea), o Governo do Estado e o Ministério Público, prevê que as famílias cadastradas na tarifa social não pagarão a conta de água por seis meses, enquanto os demais usuários terão isenção por dois meses (referentes aos meses críticos do evento). Trata-se de uma iniciativa semelhante à adotada após as enchentes do final de 2023, consolidando um precedente de alívio econômico imediato às vítimas de desastres climáticos no estado. Além disso, a Defensoria segue acompanhando a reconstrução das moradias e infraestrutura nas áreas atingidas, oficiando autoridades para priorizar habitação segura e políticas de prevenção de novas tragédias (como sistemas de alerta e ordenamento de ocupação de áreas de risco).

Outras Defensorias estaduais também registram atuações relevantes. Em Pernambuco, por exemplo, diante das inundações e deslizamentos que vitimaram centenas de pessoas na região metropolitana do Recife em 2022, a Defensoria local instituiu um Plano Emergencial de Ações Solidárias. Defensores visitaram abrigo por abrigo - como em Paudalho (PE), onde dezenas de famílias ficaram desabrigadas - para identificar carências e oferecer serviços como emissão de documentos perdidos e orientação jurídica, ao mesmo tempo em que articularam a entrega de materiais de limpeza, alimentos e outros itens essenciais nos abrigos. Essa abordagem humanitária integrada ilustra como, em situações de calamidade, o trabalho da Defensoria extrapola o âmbito estritamente jurídico, voltando-se também à garantia de dignidade e cidadania básica dos assistidos.

Importante destacar, ainda, a colaboração entre Defensorias estaduais e a DPU - Defensoria Pública da União. Muitos desastres demandam atuação em matérias Federais (benefícios previdenciários, saques de FGTS calamidade, seguros, documentação civil) que excedem a competência das defensorias estaduais. Nesses casos, a DPU promove atendimentos itinerantes e mutirões jurídicos emergenciais, complementando a assistência local. Foi o que se viu, por exemplo, após as cheias de 2023 no RS: a DPU deslocou equipes para cidades do Vale do Taquari, montando postos de atendimento em Lajeado, Estrela, Arroio do Meio e Encantado, a fim de auxiliar os moradores a sacar o FGTS emergencial, acionar seguros habitacionais e destravar benefícios Federais (previdenciários e assistenciais) - tudo extrajudicialmente, buscando soluções administrativas céleres. 

Os exemplos acima demonstram, na prática, a efetividade da atuação das Defensorias Públicas em contextos de desastres ambientais e climáticos. Do ponto de vista quantitativo, os resultados são expressivos: acordos judiciais bilionários que destinam recursos diretos para dezenas de milhares de vítimas e projetos de reconstrução; isenção de tarifas e suspensão de cobranças beneficiando centenas de milhares de famílias vulneráveis; milhões de atendimentos jurídicos realizados anualmente, muitos dos quais relacionados a violações socioambientais. Qualitativamente, a Defensoria agrega um valor único: ela representa os interesses difusos e coletivos de comunidades tradicionalmente marginalizadas - povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, moradores de encostas e periferias - amplificando suas vozes nas esferas de poder. 

Os exemplos comprovam: a Defensoria Pública atua como porta-voz jurídica do cidadão hipossuficiente, estabelecendo um vínculo de confiança e proximidade com a comunidade assistida.

Nas tragédias de Mariana e Brumadinho, isso significou estar ao lado dos atingidos nas audiências públicas, reuniões e inspeções, exigindo transparência das mineradoras e governos e cobrando assento para as vítimas na governança das medidas reparatórias. Nos desastres climáticos, significa lutar para que políticas de prevenção e adaptação climática contemplem as favelas, ocupações e zonas rurais pobres - aquelas mais propensas a inundações, deslizamentos e demais efeitos do clima extremo. Em suma, a Defensoria atua para reduzir o abismo de poder entre as comunidades vulneráveis e os atores econômicos ou estatais, garantindo que a busca por justiça não exclua quem mais precisa.

Por fim, é preciso notar que a justiça climática - entendida como a distribuição equitativa dos riscos e das responsabilidades relativos às mudanças climáticas - encontra nas Defensorias aliadas importantes. A proteção jurídica oferecida a quem foi exposto a desastres não apenas repara danos, mas também fortalece os mecanismos de prevenção, pois as condenações e acordos estabelecidos criam precedentes e incentivos para maior rigor ambiental. Cada vitória jurídica em favor de uma comunidade vulnerável sinaliza que os direitos humanos e ambientais devem prevalecer sobre interesses econômicos imediatistas, contribuindo para uma sociedade mais justa e sustentável. Desse modo, as Defensorias Públicas do Brasil reafirmam seu papel essencial de guardião dos excluídos e de catalisador da justiça social no contexto da crise climática - seja exigindo reparação às vítimas de Mariana e Brumadinho, seja assegurando que famílias atingidas por enchentes no Sul ou por secas e tempestades em outras regiões tenham voz, vez e reparo. A construção de um Brasil resiliente e inclusivo frente aos desafios ambientais passa, sem dúvida, pela continuidade e fortalecimento dessa atuação transformadora das Defensorias Públicas. Quanto mais fortalecidas, mais as Defensorias brasileiras serão capazes de boas respostas à sociedade.

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1 Defensoria Pública de MG, RS, PE; ANADEP; Agência Câmara; Valor Econômico; A TARDE; ConJur; APADEP/Hoje em Dia; Grupo A Hora (RS); ADPERGS.

Rômulo Carvalho

Rômulo Carvalho

Diretor Vice-Presidente Administrativo - ANADEP

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