Resolução CNJ 547/24 e seus impactos no sistema Judiciário brasileiro
Texto analisa com clareza a resolução 547/24, destacando seus efeitos na eficiência judicial e os desafios práticos para a Fazenda Pública e os contribuintes.
terça-feira, 20 de maio de 2025
Atualizado às 14:02
O sistema Judiciário brasileiro enfrenta um desafio crônico: O congestionamento dos processos, em especial das execuções fiscais. Representando cerca de um terço de toda a demanda judicial, essas ações têm demonstrado baixíssima efetividade na recuperação de créditos públicos. Diante desse cenário, o CNJ editou a resolução 547/24 com o objetivo de racionalizar o uso da máquina judiciária, extinguindo execuções fiscais de pequeno valor e incentivando métodos administrativos de cobrança. Este artigo analisa os fundamentos, efeitos e possíveis riscos dessa mudança.
O contexto histórico das execuções fiscais
Historicamente, o Brasil adotou uma postura centralizadora e coercitiva na arrecadação tributária, remontando aos tempos coloniais. A complexidade tributária e a desigualdade no retorno social dos tributos arrecadados sempre foram pautas centrais. A promulgação da lei 6.830/1980, que criou um rito específico para execuções fiscais, representou um marco na tentativa de acelerar essas cobranças. Contudo, o modelo se mostrou ineficiente com o tempo, sendo marcado pela lentidão processual, alto custo e baixa recuperação.
Tentativas de aprimoramento surgiram com leis como a 10.522/02, que trouxe mecanismos como o CADIN e o parcelamento de dívidas. Ainda assim, a sobrecarga persistiu, especialmente em virtude de milhares de execuções ajuizadas com débitos ínfimos.
A resolução CNJ 547/24 e a eficiência processual
A resolução CNJ 547/24 busca atacar a raiz do problema: A manutenção de execuções de baixo valor que consomem recursos sem retorno proporcional. A norma permite a extinção de processos em que o valor não ultrapasse R$ 10.000 e que estejam paralisados por mais de um ano. Além disso, exige que o ente público demonstre ter tentado solucionar o débito por via administrativa antes de recorrer ao Judiciário.
A medida se ancora no princípio constitucional da eficiência (art. 37, caput, da CF/88) e nas decisões do STF, como no Tema 1.184, que reconhece a ausência de interesse de agir quando os custos superam os benefícios esperados da execução.
Desafios e críticas à resolução
Apesar do avanço em termos de gestão judiciária, a resolução não está isenta de críticas. Advogados tributaristas apontam possíveis conflitos com a LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados, especialmente em relação à comunicação compulsória de cartórios às prefeituras.
Outro ponto sensível é a vulnerabilidade dos pequenos contribuintes diante do protesto extrajudicial, que pode ser mais danoso do que uma execução fiscal tradicional. Além disso, municípios menores podem considerar o limite de R$ 10.000 expressivo em sua realidade fiscal, o que comprometeria a arrecadação local.
Do ponto de vista da Fazenda Pública, a norma impõe a necessidade de reformulação dos fluxos internos e o uso mais intensivo de tecnologias, como softwares de cobrança automatizada, plataformas digitais e comunicação multicanal com o contribuinte.
Considerações finais
A resolução CNJ 547/24 representa um passo importante na tentativa de tornar o sistema de execuções fiscais mais racional, econômico e moderno. Ao priorizar a cobrança administrativa e extinguir execuções de baixo valor, o Judiciário pode se dedicar a demandas mais relevantes, promovendo maior celeridade e eficiência.
Contudo, para que os objetivos propostos se concretizem sem comprometer a justiça fiscal e os direitos dos contribuintes, é necessário que haja constante monitoramento da norma, sua adaptação à realidade local e um equilíbrio entre eficiência administrativa e garantias processuais.
O sucesso da medida dependerá, portanto, da capacidade do Estado de inovar, adaptar-se tecnologicamente e manter o compromisso com uma justiça fiscal ética, equitativa e sustentável.
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1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
2 BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública.
3 BRASIL. Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002. Dispõe sobre o cadastro informativo dos créditos não quitados do setor público federal.
4 BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
5 BRASIL. Resolução CNJ nº 547, de 22 de fevereiro de 2024.
6 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2024. Brasília: CNJ, 2024.
7 IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. IRBES 2024 - Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade. São Paulo: IBPT, 2024.
8 PEREIRA, Ivone Rotta. A tributação na história do Brasil. São Paulo: Moderna, 1999.
9 SALGADO, Graça. Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
10 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. A Lei de Execução Fiscal: o contencioso administrativo e a penhora administrativa. Boletim de Direito Municipal, São Paulo, v. 13, n. 11, p. 643, 1997.
11 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tema 1184 de Repercussão Geral. Brasília, 2021.